O Supremo Tribunal Federal (STF) reviu uma decisão tomada no fim de 2023 e refinou a sua compreensão sobre quando organizações jornalísticas estão sujeitas a responder civilmente – isto é, a pagar indenizações por danos morais – ao publicarem entrevistas nas quais suas fontes caluniem ou difamem terceiros.
A decisão, tomada por unanimidade na última quinta-feira (20), definiu critérios objetivos para a responsabilização civil e a remoção de conteúdo. Entre as partes mais relevantes do veredito do tribunal, determinou-se que, no caso de entrevistas ao vivo, um meio jornalístico não pode ser responsabilizado por declarações feitas exclusivamente pelo entrevistado. Todavia, o veículo precisa garantir o direito de resposta em iguais condições, espaço e destaque àqueles a quem atribuiu-se a prática de crimes.
O STF também reforçou o entendimento de 2023 de que um meio jornalístico só pode responder civilmente se houver comprovação de sua má-fé. Isto se caracteriza, segundo o tribunal, pelo conhecimento prévio da falsidade das declarações dos entrevistados ou por evidente negligência na apuração de informações, sem a possibilidade de resposta das partes ofendidas ou, ao menos, a busca do contraditório.
A decisão também define que, caso seja constatada a falsidade difamatória de alegações contra terceiros, os veículos poderão ser responsabilizados caso o conteúdo com acusações falsas não seja removido digitalmente por iniciativa própria ou a partir de notificação das vítimas.
“[Em seu conjunto]. a decisão protege a liberdade de imprensa ao mesmo tempo em que reconhece a necessidade de responsabilidade no tratamento das informações”, disse Artur Romeu, diretor do escritório para a América Latina da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), à LatAm Journalism Review (LJR). “Ao estabelecer que os veículos podem ser responsabilizados se houver dolo ou culpa grave na divulgação de informações falsas, o STF tenta coibir que a imprensa seja usada de maneira irresponsável para caluniar ou prejudicar alguém”.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou segundo a Agência Brasil que os veículos estarão protegidos de processos na maioria dos casos. “O veículo só é responsabilizado por entrevista dada por terceiro em caso de dolo e culpa grave. Em regra geral, o veículo não é responsabilizado por entrevista dada por terceiro", disse Barroso.
A primeira decisão sobre o tema, de novembro de 2023, provocou a preocupação de vários em representantes de meios de comunicação, associações de jornalistas e especialistas de liberdade de imprensa, que temiam que a sentença poderia intensificar o assédio judicial contra jornalistas no país e inibir a liberdade de expressão. Uma onda de processos judiciais contra jornalistas há anos tem lugar no Brasil, e a tendência vem se intensificando.
Entre os motivos para preocupação levantados então, estava a ambiguidade dos termos da decisão, um contexto nacional de uso recorrente dos tribunais contra profissionais de imprensa e possíveis usos do texto para perseguir a imprensa, sobretudo no caso de entrevistas ao vivo e de veículos menores que não contam com departamentos jurídicos.
Segundo Letícia Kleim, coordenadora na Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), a ambiguidade da tese de 2023 vinha sendo citada em julgamentos de instâncias mais baixas em processos que nem sequer envolviam entrevistas, nem tampouco alegações de práticas criminosas. O novo entendimento do STF representa um avanço, afirmou a advogada.
“Estávamos com um regime que estava sendo largamente aplicado nos tribunais inferiores, inclusive para responsabilizar veículos em casos que não envolviam entrevistas ou imputações falsas de crimes”, disse Kleim à LatAm Journalism Review (LJR). “A nossa preocupação era justamente com o uso dessa tese por tribunais inferiores, e com o risco de agravar a situação de insegurança jurídica que o jornalismo já vive no Brasil”.
Romeu, diretor da RSF, afirmou que a decisão do STF, ao especificar a responsabilidade dos veículos de comunicação em casos de entrevistas onde se acusa falsamente alguém de crime, traz um avanço no equilíbrio entre a liberdade de imprensa e a proteção dos direitos individuais.
“Isso fortalece a ética jornalística e a confiança do público, sem comprometer sua função essencial de investigar e informar”, disse Romeu.
O advogado André Matheus, especialista em liberdade de expressão, disse que, com a decisão, “melhorou muito” a segurança jurídica de jornalistas, porque cessa “a análise casuística e subjetiva” sobre a interpretação da lei e “entram regras objetivas”. No entanto, Matheus diz que a mera possibilidade de processos contra veículos por publicarem declarações de terceiros preserva um risco de processos abusivos e intimidatórios.
“O jornalista e a plataforma, o jornal não tem controle com o que a outra pessoa fala”, disse Matheus. “Eles não têm como saber sempre se aquilo é uma mentira ou não”.
Kleim afirmou que a Abraji preocupa-se com como o direito de resposta será entendido e aplicado por tribunais. Ela também mencionou receios quanto a como a exigência de remoções de conteúdo após comprovada a difamação vai acontecer na prática.
“Houve um avanço da corte no entendimento dos riscos que a decisão estava trazendo para liberdade de expressão de imprensa, e ela avançou em tentar restringir e minimizar esses riscos ao máximo”, disse Kleim. “Por outro lado, algumas definições ficaram um pouco em aberto, e elas trazem essas preocupações”.