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Dois estados mexicanos seguem caminhos opostos para proteger jornalistas

Frente ao risco que muitos jornalistas correm ao exercerem a sua profissão no México, dois estados estão avançando com propostas legislativas para proteger – ou, de acordo com os críticos de um caso, restringir – o trabalho da imprensa.

Em Michoacán, uma proposta conhecida como "Lei Mauricio", nascida do esforço coletivo de repórteres e ativistas após o assassinato do jornalista Mauricio Cruz Solís em outubro de 2024, busca criminalizar o discurso de ódio contra a imprensa e reforçar os mecanismos de proteção a quem exerce o ofício. Em Puebla, um projeto de lei apresentado por um deputado sem consulta prévia rovocou uma reação negativa entre jornalistas e estudiosos.

Os dois projetos, que surgiram de forma independente, apresentam respostas diferentes ao mesmo problema nacional: qual a melhor forma de garantir a segurança e a liberdade dos jornalistas num país onde quatro jornalistas já foram assassinados este ano – e onde, no ano passado, oito foram mortos? Os diferentes contextos entre Michoacán e Puebla revelam desafios comuns na elaboração de uma legislação eficaz e na forma de aprová-la e aplicá-la. O caso de Puebla também revela o risco de instrumentalização política, utilizando a ameaça de proteção como desculpa para exercer controle político, segundo os críticos da iniciativa.

Um projeto de lei escrito por jornalistas, para jornalistas

Em Michoacán, a iniciativa é liderada por jornalistas locais do coletivo Ni Uno Más. A Lei Maurício prevê alterações no Código Penal estadual e na Lei de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e aos Jornalistas de Michoacán. Um dos seus principais pontos é a inclusão do discurso de ódio contra jornalistas como agravante dos crimes de discriminação. Propõe também a eliminação de dispositivos legais utilizados para perseguir jornalistas, como o crime de "atentado à honra", ainda em vigor no estado.

O Ni Uno Más contabilizou 14 jornalistas assassinados e quatro desaparecidos em Michoacán desde 2006. A iniciativa concentra-se em mudar leis no estado porque é la onde os seus membros vivem, e dizem acreditar que podem ter um impacto mais concreto.

"Nossas chances de fazer isso acontecer são mais viáveis agora no nível local do que se fôssemos para o nível federal", disse Patricia Isabel Monreal, porta-voz do grupo, à LatAm Journalism Review (LJR). "E digamos apenas que é um primeiro passo."

Monreal destaca o papel dos líderes políticos na estigmatização da imprensa na região. Ela acusa o atual prefeito de Uruapan, Carlos Manzo (independente), de ser um dos agressores mais contumazes.

"Manzo tem gerado discursos de ódio contra jornalistas na região de uma forma muito significativa", disse ela. "Nosso colega Mauricio, assassinado em 29 de outubro, foi alvo desse discurso de ódio e de múltiplas acusações. Após seu assassinato, esse incidente não teve impacto na posição do prefeito, e ele manteve o mesmo tipo de mensagem”.

O assassinato aconteceu minutos depois de Mauricio Cruz Solís entrevistar Manzo. O caso, que chocou a comunidade local, motivou a criação da proposta legislativa. Após o crime, que ainda não foi solucionado, o prefeito solicitou intervenção federal na investigação.

O coletivo apresentou a proposta à Assembleia Legislativa de Michoacán no início de abril. O grupo está ciente dos obstáculos políticos: "Os deputados não têm ideia; estão mais interessados nas suas próprias questões políticas", Monreal disse. "Muitos nem sabiam que Mauricio havia sido assassinado, ou que o prefeito Carlos Manzo mantém esse discurso de ódio. Deixamos claro para eles que têm três meses para se manifestar e também que se não o fizerem nesse prazo, retornaremos".

A LJR entrou em contato com o Gabinete de Carlos Manzo para comentar as acusações, mas não recebeu resposta até a publicação desta matéria.

Contatada pela LJR, a deputada Fabiola Alanís, presidente da Junta de Coordenação Política do Congresso de Michoacán, prometeu o apoio político incondicional de seu partido, o Morena, à proposta, bem como de seus aliados no Partido Verde e no Partido Trabalhista.

"No Morena defendemos a liberdade de expressão. Nenhum jornalista deveria morrer por dizer a verdade", disse Alanís. "Faz parte do nosso projeto nacional, que passa pela promoção da democracia, da cultura democrática, da inclusão e da escuta num quadro de pluralismo".

A deputada Alanís enfatizou que uma das qualidades da iniciativa legislativa do Ni Uno Más é ser resultado de uma resposta organizada dos próprios jornalistas.

"A iniciativa em si já é um passo importante porque é o produto de uma resposta organizada da comunidade jornalística", disse ela.

Um caminho distinto em Puebla

O estado centro-sul de Puebla adotou uma abordagem legislativa completamente diferente. Em 13 de fevereiro, Andrés Villegas, deputado estadual pelo Morena, apresentou um projeto de lei que estabelece os direitos ao livre exercício do jornalismo naquele estado.

"Defender o direito dos outros de se expressarem também significa defender a nossa própria liberdade", disse Villegas quando apresentou o projeto de lei. "Hoje, os meios de comunicação social, os jornalistas e os legisladores têm a oportunidade de se unirem em prol de uma legislação de ponta sobre a liberdade de expressão".

O projeto de lei pegou de surpresa jornalistas, acadêmicos, defensores dos direitos humanos e especialistas em liberdade de expressão em Puebla.

"Esta iniciativa carece de clareza e de alcance adequado aos setores diretamente envolvidos", afirmou Gerardo Herrera, jornalista e apresentador do SICOM Notícias em Puebla, à LJR. "Foi introduzido sem consulta prévia. Além disso, os poucos argumentos técnicos e jurídicos apresentados na sua exposição de motivos não contribuem para a compreensão pública ou justificam a sua relevância".

A LJR entrou em contato com Villegas por e-mail e redes sociais para saber sua posição sobre as críticas, mas até o momento da publicação ele ainda não havia respondido.

A iniciativa diz que o objetivo do projeto de lei é criar um arcabouço jurídico estadual para promover e respeitar os direitos humanos dos trabalhadores da imprensa. Reconhece direitos, incluindo confidencialidade; acesso gratuito e preferencial à informação e eventos públicos; direitos autorais e direitos de assinatura; e o direito à segurança pessoal.

Mas de acordo com jornalistas e acadêmicos consultados para esta matéria, os direitos que esta iniciativa procura proteger já estão abordados em outras leis, como a Lei de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e aos Jornalistas, a Lei Geral da Transparência e até a Constituição.

"Não há nenhuma contribuição substancial, nem qualquer lacuna legal óbvia é abordada", disse Herrera.

Um capítulo da proposta dedicado à ética no exercício do jornalismo, que estabelece diretrizes sobre o papel social dos trabalhadores da imprensa, incomoda em particular os jornalistas.

"Muitos repórteres se sentiram incomodados com a iniciativa por causa desta seção, que tenta impor como devemos fazer nosso trabalho, sem sequer dialogar", disse Shanik David, chefe do Observatório do Direito à Verdade Con los Ojos Abiertos do Instituto de Direitos Humanos Ignacio Ellacuría da universidade Ibero Puebla, à LJR.

A iniciativa também inclui artigos dedicados à proteção do jornalismo, exigindo que as autoridades forneçam apoio face a quaisquer ameaças contra jornalistas e proibindo o Estado de pressionar ou favorecer membros da imprensa.

"É uma confusão de questões que complica a aplicação real da lei", disse Cuauhtémoc Cruz Isidoro, chefe do programa de graduação em comunicação da universidade Ibero Puebla, à LJR.

Alguns jornalistas e meios de comunicação rotularam o projeto de lei como uma tentativa de "lei mordaça". Isto deve-se particularmente ao Artigo 44, que afirma que os jornalistas devem abster-se de invadir a vida privada das pessoas.

"Há preocupação sobre quem ditará o que é ou não verdadeiro, por isso o governo poderia estar envolvido na determinação dessas condições", disse Cruz Isidoro.

No entanto, as instituições de direitos humanos da Ibero consultadas pela LJR sustentam que se trata de uma iniciativa inofensiva, que não pode ser comparada a uma lei da mordaça, mas que não foi solicitada pelos jornalistas. Consideram que outras questões prioritárias são: a aprovação de uma lei de responsabilidade civil para a proteção da privacidade, a regulamentação da publicidade governamental e um mecanismo local de proteção para jornalistas e defensores dos direitos humanos.

Essas instituições apresentaram uma análise da iniciativa à Comissão de Governo e Assuntos Constitucionais do Congresso do Estado de Puebla, juntamente com um pacote de 14 observações específicas para melhoria.

"Identificamos estas três iniciativas ou três diplomas legislativos que precisam ser desenvolvidos, mas devem ser desenvolvidos de forma independente e não numa única lei que mistura questões e perde clareza sobre os limites", disse Cruz Isidoro.

Ataques constantes à imprensa

O México é o país mais mortal da América Latina e do Caribe, e um dos mais fatais do mundo para jornalistas.

O ex-presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, do Morena, atacou sistematicamente a imprensa enquanto esteve no poder, e pelo menos 46 jornalistas foram assassinados durante seu mandato de 2018 a 2024. Sua sucessora no mesmo partido, Claudia Sheinbaum, prometeu antes de assumir o cargo criar um grupo de trabalho no primeiro trimestre de 2025 para elaborar um plano de proteção para jornalistas mexicanos, mas não há informações de que isso tenha acontecido.

No caso de Puebla, os jornalistas não são estranhos a esta violência. Durante o mandato de seis anos de López Obrador, o estado teve o terceiro maior índice de violência contra a mídia: foram registrados 241 ataques à imprensa, segundo o estudo "Direitos Pendentes. Relatório de seis anos sobre liberdade de expressão e direito à informação no México", elaborado em 2024 pela organização Artigo 19.

"Nada disso, nem o contexto que envolve os ataques à imprensa em Puebla, é reconhecido na apresentação do projeto de lei ou em sua exposição de motivos", disse Roberto Alonso Muñoz, coordenador do Observatório IBERO Puebla de Participação Social e Qualidade Democrática à LJR.

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