Em 2019, durante a cobertura ao vivo de um protesto feminista na Cidade do México, o jornalista Juan Manuel Jiménez, do canal mexicano ADN 40, foi seriamente agredido durante a cobertura de um protesto. Após manifestantes se aproximarem para vociferar contra ele e jogar tinta em pó em seu microfone, um homem se aproximou e desferiu um golpe contra seu rosto.
O ataque resultou em fratura do septo nasal, exigindo correção cirúrgica.
O incidente fez a redação do ADN 40 perceber que, mesmo na capital mexicana, onde os níveis de violência contra jornalistas são menores que em estados dominados pelo crime organizado, profissionais de grandes veículos também podem ser alvo de agressões.
"Antigamente, a câmera impunha respeito e os repórteres eram mais preservados", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Leticia Martínez, coordenadora de informações da ADN 40. "Nossa principal preocupação talvez não seja encontrar narcotraficantes ou enfrentar tiroteios, mas sim lidar com agressões direcionadas especificamente contra nós".
Martínez liderou a equipe do ADN 40 no programa Redações mais Seguras (R+S), uma iniciativa de capacitação em segurança para jornalistas organizada pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e pelo Google News Initiative (GNI).
O programa, realizado ao longo de oito meses em 2024, capacitou nove veículos mexicanos para desenvolverem protocolos de segurança baseados em suas necessidades específicas. O objetivo era prevenir agressões e preparar as redações para diferentes tipos de ameaças, em um país cada vez mais hostil ao trabalho jornalístico.
"Quando começamos o curso, pensávamos: 'Esse tipo de situação não acontece aqui'", relembra Martínez, referindo-se aos riscos descritos por jornalistas de fora da Cidade do México.
"Achávamos que estávamos distantes dessa realidade, mas aos poucos percebemos que não. A diferença é que talvez [os ataques que enfrentamos] não sejam tão violentos quanto em Celaya ou Torreón."
Durante a capacitação, Martínez compreendeu que sua equipe precisava estar preparada para reagir caso o ambiente hostil à imprensa se intensificasse na capital. Segundo ela, antes do ataque a Jiménez, a equipe havia enfrentado apenas incidentes menores, como o roubo de equipamentos ou vigilância suspeita durante coberturas em áreas consideradas perigosas.
Além do ADN 40, participaram do programa os jornais El Sol de Tampico (Tamaulipas), El Imparcial (Sonora), Diario del Sur (Chiapas), El Sol (Durango), Diario AM (León), El Sol (Chihuahua), Diario de Yucatán (Yucatán) e o Semanario Zeta (Baja Califórnia), todos localizados em regiões consideradas de risco, segundo Carlos Lauría, diretor executivo da SIP.
Durante o governo do ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, encerrado em 1º de outubro, pelo menos 47 jornalistas foram assassinados no país, enquanto muitos outros exerceram sua profissão sob ameaças e estigmatização constantes.
"Diante desse retrocesso democrático e da intensa polarização, esforços como este são fundamentais", afirmou Lauría à LJR. "Programas que ajudam os veículos a aprimorarem seus protocolos internos e planos de segurança, envolvendo todas as áreas da redação, têm se mostrado benéficos. Em minha experiência, iniciativas assim podem prevenir males maiores".
Planos de contingência sob medida
O R+S não se propôs a ditar regras de prevenção contra ataques, mas sim auxiliar os jornalistas a identificarem os riscos específicos de suas redações e desenvolverem estratégias próprias de prevenção e reação.
"Cada dinâmica de violência é única, dependendo da região. Temos muito claro que cada localidade enfrenta desafios distintos", explicou à LJR Javier Garza, jornalista especializado em segurança e coordenador do programa. "A proposta era trabalhar com diferentes veículos mexicanos, não para impor medidas de proteção, mas para apresentar uma metodologia que permitisse a criação de protocolos próprios de segurança".
A elaboração dos planos pelos próprios integrantes da redação gera um senso de pertencimento que aumenta as chances de adesão e, consequentemente, sua eficácia, segundo Garza.
"É diferente de especialistas do Google chegarem e dizerem: 'Estas são as medidas que vocês devem adotar', o que muitas vezes é visto como imposição", ressaltou. "Quando é um documento desenvolvido pela própria equipe dentro da redação, há um sentimento de propriedade que leva a um maior cuidado e cultivo”.
O R+S teve início com um encontro durante a 79ª Assembleia Geral da SIP, em dezembro de 2023, na Cidade do México. Na ocasião, foram apresentados o funcionamento e os objetivos do programa, que se estendeu por oito meses com sessões online de capacitação e mentoria.
Nas primeiras etapas, os participantes aprenderam a realizar avaliações de risco sob a orientação de Jorge Luis Sierra, jornalista especialista em cibersegurança e diretor do Border Hub, organização dedicada ao jornalismo investigativo em áreas da fronteira México-EUA afetadas por corrupção e violência.
Os participantes foram capacitados no uso da plataforma Salama, desenvolvida por Sierra, que auxilia jornalistas e defensores de direitos humanos a avaliarem seus riscos de segurança em níveis pessoal e organizacional.
A Salama funciona por meio de um questionário que jornalistas respondem sobre o seu ambiente de trabalho e o tipo de ameaça e de segurança que existe. A ferramenta gera recomendações específicas para aprimorar a segurança física, digital e pessoal dos usuários.
"É realizada uma análise abrangente de forças, fraquezas e vulnerabilidades, identificando potenciais agressores e suas formas de atuar. Também se avalia como podem ocorrer as agressões e quais tipos de cobertura podem desencadeá-las", explicou Garza. "Em Chiapas, por exemplo, a principal ameaça pode vir de grupos criminosos, enquanto em Chihuahua pode ser de atores políticos. Cada veículo enfrenta diferentes formas de ataque".
Um diferencial importante da metodologia do R+S foi o envolvimento de equipes multidisciplinares no desenvolvimento dos protocolos de segurança. Para participar do programa, os veículos precisaram formar grupos com membros das áreas administrativa, de tecnologia e recursos humanos, além de jornalistas e editores.
Essa abordagem parte do princípio de que, para um plano de proteção aos jornalistas ser efetivo, é necessário o engajamento de todos os setores do veículo de comunicação.
"Esses planos de segurança interna demandam atenção não apenas dos jornalistas que cobrem temas sensíveis, mas também de editores, diretores e equipe administrativa dos veículos, responsáveis por viabilizar ou agilizar recursos para que jornalistas e o meio possam reagir diante de contingências", destacou Lauría.
O programa incluiu ainda treinamentos sobre segurança digital com profissionais do Google, segurança física de jornalistas e instalações com Garza, e perspectiva de gênero na segurança com a jornalista María Idalia Gómez.
Garza observou que, durante as sessões do R+S, várias equipes perceberam lacunas na segurança de suas instalações. Muitas redações não contavam com controle de acesso, sistemas de videomonitoramento ou equipes de segurança adequadamente treinadas.
"Descobriram que essa era uma área que não consideravam prioritária, mas que, na verdade, é crucial, pois já presenciamos diversos ataques diretos às instalações dos veículos", disse Garza. "Além disso, quando um repórter é perseguido ou até mesmo sequestrado, frequentemente isso começa nas próprias instalações."
Garza ressaltou que as equipes participantes reconheceram já ter enfrentado algum tipo de ameaça à segurança, conseguindo se proteger de diferentes formas. Um dos objetivos do R+S foi justamente sistematizar práticas bem-sucedidas e integrá-las aos protocolos de segurança.
"A metodologia não se limita a incluir medidas de segurança como resposta a situações específicas. Trata-se também de formalizar práticas já utilizadas há anos, mas de forma intuitiva ou restrita a alguns membros da equipe", explicou Garza. "Agora, vamos documentá-las para que se tornem sistemáticas, permitindo que cada novo integrante, seja repórter ou editor, possa segui-las, além de manter o protocolo constantemente atualizado".
A equipe do ADN 40 já está aplicando essa sistematização. Durante a cobertura das eleições presidenciais mexicanas, em junho deste ano, Martínez elaborou um documento conciso com medidas básicas de segurança para repórteres, que serviu de base para a criação do protocolo geral de segurança do veículo.
Martínez planeja incorporar esse documento ao manual de estilo do canal, para que novos integrantes aprendam os protocolos de segurança como parte de sua formação sobre os métodos de trabalho da empresa.
Entre as conclusões da equipe do ADN 40, após a análise de riscos realizada durante o curso, está o reconhecimento de que a insegurança na Cidade do México precisa ser tratada com maior seriedade, especialmente para repórteres da área policial, segundo Martínez.
Para jornalistas investigativos, a transparência com as fontes foi identificada como uma das principais medidas preventivas, evitando mal-entendidos ou represálias.
O documento preliminar do ADN 40 inclui orientações sobre procedimentos antes, durante e após coberturas; investigação prévia dos locais de apuração; definição do meio de transporte mais adequado; e vestimenta apropriada para cada tipo de cobertura, entre outros aspectos.
"Antes, muitas dessas práticas eram intuitivas: se vou a uma prisão, obviamente não posso vestir azul ou cáqui. Se vou a uma comunidade procurar criminosos, não posso exibir o logotipo do canal", exemplificou Martínez. "São elementos que precisamos incorporar à nossa metodologia".
Outras medidas que Martínez pretende incluir no protocolo são a rápida avaliação dos locais de trabalho para identificar saídas de emergência ou rotas de fuga, definição de contatos para situações de emergência e orientações sobre como agir diante de indivíduos hostis.
"Existem inúmeras situações possíveis para as quais talvez não estejamos preparados para reagir. Essa é minha principal preocupação: garantir que todos saibam como agir em diferentes circunstâncias", afirmou Martínez. "Minha prioridade ao desenvolver este trabalho é antecipar diversos cenários e estabelecer um amplo repertório de reações possíveis para o trabalho em campo".
Esta primeira edição do R+S serviu como projeto piloto para avaliar a viabilidade de novas edições e capacitar mais veículos, com possibilidade de replicação em outras regiões da América Latina, segundo Lauría.
"Estamos em negociação com o Google para dar continuidade ao programa, que trouxe resultados significativos", revelou. "Houve uma recepção muito positiva dos veículos participantes, e a ideia é expandir para países e regiões onde jornalistas e veículos de comunicação ainda não estão devidamente preparados."
Lauría destacou que entre as possíveis expansões do programa estão o Equador, onde a imprensa enfrenta ameaças crescentes do crime organizado, e regiões da Argentina, como Rosário, onde jornalistas que cobrem o narcotráfico têm sofrido cada vez mais ameaças.
Garza acrescentou que existe a possibilidade de desenvolver programas similares para jornalistas independentes ou criadores de conteúdo em redes sociais, que estão entre os profissionais mais vulneráveis à violência no México.
"Sem dúvida, esta metodologia tem potencial para ser ampliada para outros veículos ou jornalistas", concluiu Garza. "São oportunidades que pretendemos aproveitar".