Desde os protestos de abril de 2018, que marcaram o início de um novo desafio para a democracia na Nicarágua, muitas iniciativas jornalísticas surgiram para enfrentar o agravamento da crise no país. Voces en Libertad é uma delas.
Com cerca de 30 meios da imprensa independente como aliados, a principal missão do Voces en Libertad é vencer a censura governamental imposta pelo regime do presidente Daniel Ortega na Nicarágua e se unir a outros meios de comunicação do país para criar mecanismos de trabalho colaborativo que lhes permitam continuar informando e existir, disse a coordenadora do Voces en Libertad, Jennifer Ortiz, que fica na Costa Rica, para a LatAm Journalism Review (LJR).
A principal contribuição do portal de notícias Voces, que opera no exílio, é o conteúdo que ele oferece aos meios de comunicação aliados da Nicarágua. Além de treinamento e suporte técnico para jornalistas e meios que precisem desse apoio, para suprir a lacuna de informação deixada pelos veículos tradicionais que são obrigados a reduzir sua circulação ou fechar totalmente.
Durante as últimas eleições de 7 de novembro, quando Ortega se declarou vencedor da Presidência em rede nacional depois de prender seus concorrentes e opositores, segundo o The New York Times, a cobertura do Voces en Libertad mostrou uma grande abstenção eleitoral dos nicaraguenses nos 15 departamentos do país, contou ela.
“Essa foi uma das grandes conquistas que o Voces en Libertad teve, porque todos os meios conseguimos documentar o que estava acontecendo naquele dia, que foi basicamente um protesto silencioso da população que decidiu não ir votar”, disse Ortiz.
Por mais de dois anos, a Nicarágua assistiu à precarização da sua democracia devido às ações autoritárias promovidas pela agenda do governo Ortega e apoiadas por seus simpatizantes, segundo um relatório da organização Human Rights Watch. Os obstáculos à liberdade de expressão são "enormes" e "provavelmente intransponíveis", diz a ONG.
No início de 2021, Ortega aprovou a Lei de Regulamentação de Agentes Estrangeiros, com o objetivo de regular o financiamento estrangeiro para pessoas e organizações na Nicarágua.
Sobre a lei, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) afirmou que, “sob a desculpa de qualificar como 'agente estrangeiro' qualquer pessoa física ou jurídica que seja beneficiária ou mantenha vínculos de cooperação internacional, a referida lei busca silenciar as pessoas e organizações identificadas como opositoras e evitar qualquer exercício de liberdades públicas, tais como expressão, associação, participação na direção dos assuntos públicos, direito de protesto e direito de defender direitos, entre outros”.
Por isso, Voces en Libertad opera fora da Nicarágua, mas realiza uma cobertura local, graças a uma rede de correspondentes e a alianças com o sindicato jornalístico do país. No entanto, por razões de segurança, as reportagens não são assinadas.
Um dos fundadores do Voces é Aníbal Toruño, diretor no exílio da emissora independente nicaraguense Radio Darío, que em junho de 2018 foi incendiada e reduzida a cinzas após sofrer um ataque e o roubo à mão armada do seu equipamento.
“Estou vivendo meu terceiro exílio desde 2021, que começou em janeiro, após as operações do regime de Daniel Ortega em minha residência em León, em três ocasiões”, disse Toruño à LJR. “Meu primeiro exílio ocorreu em 1984, [durante a revolução sandinista], e depois de novo em 2018, após a revolução de abril e o levante social”.
Nesse terceiro exílio, disse Toruño dos Estados Unidos, ele sentiu a responsabilidade de assumir algum tipo de liderança para ajudar os meios de comunicação e jornalistas independentes da Nicarágua, que pudesse exercer mesmo no exterior, contou.
Junto com vários de seus colegas que residem no exterior e com vários dos que permanecem na Nicarágua, eles formaram o Voces en Libertad.
Toruño, junto com vários de seus compatriotas, como a jornalista e ativista Bertha Valle, faz parte do conselho consultivo do Voces en Libertad.
Segundo Ortiz, o principal eixo de atuação do Voces é no nível local, já que existem muitos meios de comunicação emergentes na Nicarágua que têm dificuldades para continuar operando. “Entendemos que é nisso que devemos focar agora, porque o desaparecimento da imprensa no país representa o fechamento de espaços que permitem aos cidadãos continuarem se informando, que continuem reportando e que o mundo saiba o que está acontecendo no país"
Da mesma forma, o Voces ajuda os jornalistas exilados para que possam se “reinventar” e continuar lutando pela liberdade de expressão e contra o “apagão de informação” que Ortega quer impor ao país, disse Toruño.
Ao criar as condições necessárias, disse Ortiz, o Voces apoia a continuidade dos meios digitais, dos meios emergentes e dos que ainda resistem, apesar de suas capacidades serem reduzidas devido à situação do país.
Muitos meios de comunicação desapareceram do ecossistema midiático da Nicarágua durante a crise que assola o país.
Um dos jornais tradicionais mais importantes e mais antigos do país, El Nuevo Diario, fechou em 2019, após 39 anos de funcionamento, “devido a dificuldades económicas, técnicas e logísticas” que tornaram insustentável o seu funcionamento, afirmaram os seus diretores na época, conforme publicado por El País.
Na tentativa de sobreviver, El Nuevo Diario, que foi afetado durante meses pela retenção de insumos de imprensa pelas autoridades alfandegárias, reduziu seu formato para tablóide para continuar publicando. No entanto, não conseguiu circular por muito mais tempo e acabou fechando.
“Se El Nuevo Diario foi calado, outras três meios têm que continuar a dizer o que esse veículo talvez estivesse contando”, enfatizou Ortiz.
Da mesma forma, o jornal La Prensa, o jornal mais antigo do país com quase 100 anos de existência, publica apenas sua versão digital atualmente. Depois que seu gerente geral foi preso em agosto de 2021 por suposta fraude alfandegária, e suas instalações foram tomadas pela polícia, mais da metade de seus funcionários foram demitidos, segundo a Agência EFE.
"O Voces en Libertad vem preencher um enorme vazio", disse Toruño. “É uma plataforma que temos visto crescer, engatinhar, andar, para continuar a lutar pelos sonhos da nossa liberdade de expressão”.