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Meios nativos digitais informam e capacitam comunidades rurais e indígenas na América Latina

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  • 26 julho, 2016

Por Yenibel Ruiz

Cinema na rua que divulga informações, crônicas em línguas indígenas e histórias desconhecidas provenientes de comunidades rurais que não aparecem na tradicional agenda de notícias. Isto é o que alguns meios nativos digitais estão produzindo e promovendo na América Latina.

Plataformas digitais como La Pública na Bolívia, El Pitazo na Venezuela, e o site global Rising Voices estão estabelecendo relações com comunidades de baixa renda, rurais e indígenas.

A ideia é criar agendas de notícias próprias que se diferenciem da cobertura da mídia tradicional, dar voz aos problemas das comunidades, e apoiar a criação de meios de comunicação que tenha origem na própria comunidade – dirigidos por cidadãos e não por jornalistas – para que sejam expostos em plataformas digitais globais.

"[La Pública] nasceu com a idéia de criar uma aliança, construir pontes entre o jornalismo, o ativismo e a cidadania", disse o jornalista e gerente de projetos de La Pública, Javier Badanien, em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. “Nós nos distanciamos da mídia tradicional e buscamos nossa própria agenda,” enfatizou.

O jornalista explicou que La Pública tem três áreas de atuação: o site onde os trabalhos jornalísticos são publicados, as redes sociais com as quais se incentiva o debate público, e o compartilhamento do conhecimento através de workshops que são ensinados nas comunidades.

Através desta terceira área de ação, disse Badani, as comunidades aprendem a escrever sobre os temas de seu interesse e enviam suas histórias para serem publicadas na La Pública.

Um exemplo disso é o projeto “Crônicas Aymaras”, que faz parte do projeto Cuyahuani 2.0 com a comunidade Jaqi Aru, localizada em El Alto, no departamento de La Paz, Bolívia. O projeto, explicou Badani, foi realizado com a ajuda da Universidade Indígena da Bolívia, com a qual La Pública estabeleceu uma aliança.

“Nós fomos à Universidade indígena e demos oficinas de comunicação para os jovens,” disse ele.

Badani acrescentou que os jovens aymaras de Jaqi Aru escrevem sobre temas de seu interesse e, devido ao fato de muitas das crônica tratarem de locais remotos que não existem no mapa da Bolívia, eles criaram um mapa interativo para para dar contexto geográfico a essas histórias.

Ruben Hilare, do coletivo Jaqui Aru, disse em entrevista ao Centro Knight que La Pública é mais uma experiência de mídia digital da qual o grupo tem participado.

“Nós nos organizamos como parceiros e começamos a escrever notas bilíngues em aymara e espanhol, justamente para diminuir essa lacuna da língua aymara que existe na rede,” disse Hilare.

O grupo começou a explorar a web em 2007, e em 2009 iniciou seu próprio blog com o apoio do Global Voices.

“Nós nos reunimos na cidade El Alto, mais de 10 jovens, e dissemos como grupo: ‘Qual é a situação da nossa língua em relação à Internet e ao ciberespaço?’,” disse Hilare.

A comunidade Jaqi Aru também está presente nas redes sociais e utiliza ferramentas digitais à disposição, como o SoundCloud, para manter viva sua língua.

Hilare explicou que o trabalho não foi em vão, que as redes ajudam a conectar os jovens que se sentem envergonhados de usar a língua aymara e encontrar espaços onde a língua seja utilizada, não só para as atividades diárias, mas também para discutir diversos temas como economia e tecnologia. Também para debater, por exemplo, sobre as políticas governamentais, tais como a possibilidade de que o novo protótipo da cédula de identidade seja multilingue.

“Jaqi Aru significa ‘língua humana’ em aymara. Somos todos jovens aymaras que migraram de diferentes províncias e áreas rurais para grandes cidades,” disse Hilare.

As crônicas dos jovens aymara são publicadas em seu idioma e em espanhol, tanto no blog da comunidade quanto no projeto que eles têm com La Pública.

Os projetos de La Pública com outras comunidades continuam neste ano. La Pública anunciou um novo projeto chamado “Yatiyawayama, crônicas digitais indígenas,” que vai repetir a metodologia utilizada nas oficinas com a comunidade Jaqi Aru. Desta vez será feito com 60 jovens da área indígena denominada Pilón de Lajas, ao norte de La Paz, e em Totora Marca, uma população indígena da região de Oruro.

Como o acesso à Internet é limitado, a comunidade de Pilón de Lajas terá que se deslocar até o povoado mais próximo para usar a internet e poder enviar suas histórias.

A ideia de continuar fazendo estes projetos, Badani disse, é dar “a possibilidade [a estas comunidades] de, como nunca antes, ser protagonistas da informação que parte deles, daquilo que eles querem contar, de sua realidade.”

Enquanto isso, na Venezuela, El Pitazo (O Apito) procura fornecer e receber informações produzidas por comunidades de baixa renda através de parcerias com organizações não governamentais (ONG) que trabalham dentro da mesma comunidade.

Cesar Bátiz, diretor e coordenador do referido meio nativo digital, explicou ao Centro Knight o projeto “El Pitazo na Rua”, cuja intenção é alcançar populações de baixa renda.

Ele explicou que, embora já tenham conseguido chegar às aldeias economicamente menos favorecidas através de mensagens de texto via celular, a equipe está agora estabelecendo relações e alianças com líderes das comunidades e ONGs para levar informações sobre o que está acontecendo no país por meio de um cinema itinerante.

Javier Melera, co-fundador da El Pitazo, contou ao Centro Knight que a idéia do projeto “é ter sessões de cinema de rua com o conteúdo do El Pitazo. Somos nós que vamos diretamente à comunidade.”

“El Pitazo na Rua” pretende não só trazer informações para a comunidade, mas também treinar seus habitantes em jornalismo cidadão, jornalismo móvel, gravação de vídeos e envio de informações por redes sociais, disse Yelitza Linares, assessora editorial do El Pitazo.

“A ideia é que eles mesmo sejam repórteres cidadãos e nos deem o apito [informações],” disse Linares.

Atualmente, o projeto “El Pitazo na Rua” está sendo desenvolvido em cinco estados da Venezuela. O desafio, de acordo com Linares, é expandir o projeto para oito estados no próximo trimestre.​

“Estamos tentando ir mais longe. Nós queremos fazer um processo transmidiático no qual as pessoas incorporem e se apropriem da geração de conteúdo,” disse Bátiz. “Também queremos que as pessoas nos ajudem a gerar esses conteúdos, e acreditamos que a melhor maneira de fazê-lo é construir confiança, alcançar esta relação de crescimento, de ajuda entre a comunidade e a mídia,” acrescentou.

No mesmo espírito de relações crescentes entre a mídia digital e as comunidades de baixa renda para dar-lhes voz, a plataforma Rising Voices organiza anualmente um concurso para financiar propostas para a criação de mídia cidadã oriunda das comunidades.

“Todos os anos temos um concurso de projetos competição onde as comunidades podem apresentar sua idéia para que eles mesmos capacitem suas comunidades. Todos os anos recebemos entre 600 e 1200 propostas de todo o mundo, e financiamos entre cinco e oito projetos por ano,” disse Eddie Avila, diretor do Rising Voices, em conversa com o Centro Knight.

Avila explicou que, em 2007, Rising Voices começou a apoiar as comunidades que começavam a usar meios digitais como blogs, porque notaram que os blogueiros só cobriam notícias provenientes da classe média.

Rising Voices apóia oferecendo pequenas quantias em dinheiro às propostas vencedoras.

“Eles são microfundos, entre dois e cinco mil que podem ser usados ​​para oficinas, para comprar equipamentos. Não é para financiar um projeto grande, mas para ajudar pessoas comprometidas a não gastar do próprio bolso,” disse Avila.

Por exemplo, em 2014, Rising Voices deu estes microfundos a sete meios de comunicação cidadãos provenientes de comunidades da Amazônia. Um dos projectos vencedores é o Jatta Wöötanö – Etnocomunicadores Yekuana, um blog feito por jovens da comunidade Yekuana na Venezuela.

“Este projeto fará com que os jovens da comunidade criem uma equipe de ‘etnocomunicadores’ – termo usado para descrever pessoas que usam a comunicação social e têm um profundo conhecimento de sua cultura e um desejo de compartilhar esse conhecimento,” indicou o primeiro post do blog.

Rising Voices tem apoiado ao menos vinte projetos na América Latina por meio de microfundos nos últimos nove anos.

Avila acrescentou que a ideia do concurso para a obtenção destes microfundos é apoiar as comunidades, que ainda não estão representadas, a usar a web.

“As ideias são muito diversas e é algo interessante de se ver. Há uma variedade de projetos, muitos deles com blogs, vídeos, áudios, rádios on-line, também projetos de mapeamento,” disse Avila. “É bastante variado e nós gostamos disso porque eles mesmos apresentam suas idéias e não somos nós que dizemos o que estamos procurando,” disse ele.

Rising Voices está trabalhando em um novo desafio com a questão da língua, buscando criar uma plataforma multilingue que vá além dos principais idiomas.

“Agora estamos trabalhando muito com as comunidades indígenas na América Latina, para que possam usar a Internet em sua língua. Temos tido bastante êxito estamos conhecendo muitos projetos,” disse Avila. “Eles têm criado uma rede de ativistas digitais de línguas indígenas. Isso também é algo novo para nós, temos aprendido como são os contextos em cada comunidade. Existem diferentes desafios para cada comunidade e nós continuamos aprendendo para apoiá-los,” acrescentou.​

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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