*Esta nota foi atualizada às 13:58 de 26/10/2018.
Sete iniciativas de checagem do Brasil apresentaram nesta segunda-feira (22/10) uma carta com sugestões de medidas concretas que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode tomar para ajudá-las a combater a desinformação generalizada relacionada às eleições no país, cujo segundo turno acontece neste domingo (28/10).
A conversa dos checadores com o TSE aconteceu em meio a um debate público no Brasil sobre as mentiras espalhadas nas redes sociais e no aplicativo de mensagem WhatsApp sobre as eleições e os dois candidatos no pleito presidencial, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL).
Também se seguiu ao pedido feito pela Procuradoria Geral da República para que a Polícia Federal abra um inquérito para investigar se as campanhas dos dois candidatos estão fazendo uso da disseminação sistemática de “notícias falsas” nas redes sociais e no WhatsApp para ter vantagem na eleição. A investigação foi aberta um dia depois da publicação de uma denúncia da Folha de S. Paulo sobre a suposta fraude eleitoral cometida por empresas apoiadoras de Bolsonaro, que estariam comprando disparos em massa via WhatsApp de mensagens contra o PT, partido de Haddad.
A proposta dos checadores ao TSE foi apresentada durante uma reunião do Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do tribunal, formado em dezembro de 2017 para, entre outros, “desenvolver pesquisas e estudos sobre as regras eleitorais e a influência da Internet nas eleições, em especial o risco das ‘fake news’ e o uso de robôs na disseminação das informações”, segundo a portaria que o criou.
Participaram da reunião representantes das iniciativas de checagem, de órgãos do governo brasileiro e do TSE, assim como das plataformas online Google, Facebook, Twitter e WhatsApp.
O grupo de checadores formado por Aos Fatos, Agência Lupa, Boatos.org, Comprova, e-Farsas, Estadão Verifica e Truco/Agência Pública também apresentou dados sobre o trabalho que têm feito neste período eleitoral e que apontam para o tamanho do problema no país nestas eleições.
Segundo levantamento da Agência Lupa, as 10 notícias falsas mais populares flagradas entre agosto e outubro tiveram juntas mais de 865 mil compartilhamentos no Facebook. Já no fim de semana do primeiro turno das eleições, que aconteceu no dia 7, Aos Fatos desmentiu 12 boatos que, somados, acumularam mais de 1,17 milhão de compartilhamentos no Facebook.
A carta também lembra que “dados de compartilhamento e alcance no WhatsApp são impossíveis de mensurar”. Aos Fatos calcula que “70% de suas checagens feitas em parceria com o Facebook também foram sugeridas por seus canais de WhatsApp, demonstrando que os boatos também circulam de maneira ampla no aplicativo”.
“Dos cerca de 250 boatos desmentidos pelo Boatos.org no período eleitoral, 95% circularam via WhatsApp e foram sugeridos por leitores. O Comprova recebeu mensagens de mais de 60 mil diferentes números de telefone desde 6 de agosto através do Whatsapp”, afirma o texto.
As iniciativas de checagem propuseram quatro medidas que o TSE pode tomar nos próximos dias. A primeira é que o tribunal tenha “um canal de comunicação centralizado e eficiente” com os checadores, disponibilizando especialistas para participarem do grupo de WhatsApp dos profissionais e colaborem nas checagens. A segunda, que o TSE oriente os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) a terem um assessor de imprensa disponível no dia 28 para atender os checadores.
Em terceiro, as iniciativas de checagem pedem que o TSE mobilize as plataformas – “Facebook, Twitter, Google, Youtube e, em especial, o WhatsApp” – para realizar campanhas de alfabetização digital nos próximos dias, alertando os usuários sobre os riscos de compartilhar conteúdos sem checar sua origem e sua veracidade, por exemplo.
E também pedem que, em seus pronunciamentos, o TSE faça uma defesa da imprensa e dos profissionais de comunicação que estão trabalhando nestas eleições, já que há pelo menos 130 casos registrados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) de violência contra jornalistas na cobertura eleitoral desde o início deste ano.
Até o momento de publicação desta reportagem, o TSE não respondeu à proposta das iniciativas de checagem. Procurado pelo Centro Knight, o tribunal afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “cabe ao Conselho Consultivo anunciar as medidas, e isso ocorrerá a medida que as reuniões dos integrantes anunciarem tais ações”.
A sociedade contra a desinformação
Daniel Bramatti, coordenador do Comprova e presidente da Abraji, disse ao Centro Knight que lamenta que esta reunião não tenha acontecido antes do primeiro turno das eleições.
“O papel do TSE é limitado, ele não tem tantos elementos assim para combater esse fenômeno, mas poderia ter feito antes esse gesto de chamar os verificadores e procurar ver como poderia de alguma maneira colaborar com nosso trabalho”, disse Bramatti.
“Tendo chamado agora, apesar de ser tarde, é melhor do que não ter chamado”, continuou. “Nesse ponto eu agradeço ao TSE e faço aqui um elogio e manifesto nossa expectativa de que nossa proposta receba uma resposta positiva, apesar de faltar tão pouco para as eleições e por isso mesmo a nossa desconfiança de que o efeito possa ser baixo nesse momento. Poderia ter tido um efeito maior se essa iniciativa tivesse sido tomada antes.”
A avaliação da Abraji, segundo ele, é que “o problema da disseminação de informações falsas é muito complexo e tem que ser combatido com uma ampla gama de iniciativas, mas consideramos que não se deve tentar legislar sobre isso”.
A regulamentação estatal pode ser usada para criar restrições à livre circulação de ideias e informações, afirmou. As iniciativas para combater a desinformação têm que partir da sociedade, como são os esforços das iniciativas de checagem e das plataformas online.
Google e Facebook foram os principais financiadores do Comprova, exemplificou Bramatti, e Twitter e WhatsApp colaboraram com treinamento e ferramentas técnicas. O Facebook também é parceiro de Aos Fatos e Agência Lupa em um projeto da rede social contra a disseminação de informações falsas em sua plataforma.
“Nas plataformas existe essa preocupação de evitar que o conteúdo ruim, essa poluição informativa, acabe afetando as eleições e enfraquecendo a democracia”, disse o coordenador do Comprova. “Existe essa percepção deles de que isso é um problema e precisa ser enfrentado, e eles estão buscando parceiros para fazer isso e essa [o Comprova] foi uma iniciativa muito importante.”
No centro destas eleições no Brasil, porém, está o WhatsApp. O aplicativo de mensagens tem cerca de 120 milhões de usuários no país, que tem 147 milhões de eleitores aptos a votar neste pleito, segundo o TSE.
“Os grupos dentro do WhatsApp são muito homogêneos, são muito caixa de ressonância, é muita gente querendo mais comprovar seu próprio ponto de vista do que tentar contrapor uma verdade a um boato”, avaliou Bramatti. “Nossa preocupação é que dentro do WhatsApp, de forma invisível, tenha circulado muito mais coisa do que a gente conseguiu combater.”
O aplicativo tem sido apontado por especialistas e checadores como o principal meio de circulação de boatos relacionados às eleições. Um estudo da Agência Lupa em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) analisou posts de 347 grupos públicos de discussão política no WhatsApp.
Entre 16 de agosto, início da campanha eleitoral, e 7 de outubro, dia do primeiro turno das eleições, 18.088 usuários postaram 846.905 mensagens nestes grupos. Dentre elas, 107.256 eram imagens; 71.931 eram vídeos; 13.890, áudios; 562.866, mensagens de texto e 90.962, links externos.
A Lupa analisou o grau de veracidade das 50 imagens mais compartilhadas nos grupos e concluiu que apenas quatro delas eram comprovadamente verdadeiras. A partir deste estudo, Cristina Tardáguila, da Lupa, Pablo Ortellado, da USP, e Fabrício Benvenuto, da UFMG, publicaram um artigo no jornal norte-americano The New York Times com sugestões de medidas que o aplicativo poderia tomar para diminuir o problema, como restringir encaminhamentos e transmissões e limitar o tamanho de grupos na plataforma.
A empresa disse que não é possível implementar estas medidas a tempo do segundo turno das eleições, conforme reportou o Estadão.
O WhatsApp foi a única plataforma online presente na reunião no TSE que não enviou um representante, segundo apurou o Centro Knight. Dois representantes da empresa entraram por videoconferência desde os Estados Unidos e deixaram a reunião no meio da fala dos checadores, escreveu Cristina Tardáguila, diretora da Agência Lupa.
Segundo informou Tardáguila em seu texto e em conversa com o Centro Knight, os representantes da empresa não souberam responder a perguntas dos checadores e das autoridades brasileiras sobre a desinformação por meio do aplicativo no Brasil.
No dia 19 de outubro, o WhatsApp informou à Agência Brasil que havia cancelado “centenas de milhares de contas durante o período das eleições no Brasil”. A declaração se deu em resposta ao questionamento da agência sobre denúncia da Folha de S. Paulo publicada no dia 18 de que empresas de marketing digital custeadas por empresários estariam disseminando conteúdo em milhares de grupos do aplicativo em benefício do candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL).
O WhatsApp disse estar “tomando medidas legais imediatas para impedir empresas de enviar mensagens em massa via WhatsApp” e que baniu contas associadas a estas empresas.
“Temos tecnologia de ponta para detecção de spam que identifica contas com comportamento anormal para que não possam ser usadas para espalhar spam ou desinformação”, acrescentou a nota do WhatsApp à Agência Brasil.
O Centro Knight tentou entrar em contato com o WhatsApp, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.