A tarde do primeiro dia do 25o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ) começou com um painel sobre inteligência artificial (IA) nas redações, um dos temas em maior evidência no debate internacional sobre jornalismo.
Trei Brundrett, consultor dos estúdios de produto e IA e de startups do American Journalism Project, moderou o painel “AI in the newsrooms: What is working now and how it is helping to improve journalism” (“IA nas redações: o que está funcionando agora e como está ajudando a aprimorar o jornalismo”). Brundrett comparou a chegada da IA ao começo da internet e seu impacto inicial no jornalismo.
“O motivo pelo qual temos o ISOJ é que a internet surgiu e foi transformadora para o nosso setor e para a forma como atendemos nosso público e cumprimos nossas missões. Algumas pessoas ficaram entusiasmadas e outras não, mas o importante foi que aprendemos como ela nos ajudaria a realizar nosso importante trabalho. (...) É importante que aprendamos sobre essa nova tecnologia para que estejamos bem informados sobre os desafios e perigos, mas também sobre as grandes oportunidades”, disse ele.
Lilian Ferreira, gerente geral de estratégia e métrica do UOL, compartilhou como o portal brasileiro tem testado e usado diversas ferramentas de inteligência artificial para produzir jornalismo e para entregá-lo a seu público. Sua apresentação foi realizada por meio de um vídeo produzido com ferramentas de IA que usaram a imagem e a voz de Ferreira para criar uma peça audiovisual.
Entre as aplicações desenvolvidas pelo UOL estão uma ferramenta de transcrição baseada no Whisper, da OpenAI. Passou a ser possível transcrever inclusive entrevistas e pronunciamentos ao vivo, o que facilitou o trabalho de jornalistas cobrindo entrevistas coletivas e discursos de políticos em eventos, disse ela. O portal também desenvolveu uma ferramenta que gera textos a partir de seu próprio acervo.
“Depois que o texto é escrito, há sempre um editor que verifica se tudo está correto e, em seguida, sempre mencionamos que o artigo foi escrito com base em dados de outros artigos”, disse Ferreira.
Além dos sucessos, ela também compartilhou as dificuldades que o UOL enfrentou no desenvolvimento de algumas ferramentas, como a apresentadora Dia.
“No fim das contas, foi muito caro para nós gerar essa apresentadora usando IA”, disse Ferreira. “Em vez de facilitar nosso trabalho, ela acabou nos dando ainda mais trabalho, por isso aposentamos o Dia por enquanto.”
“Também testamos várias ferramentas. Não pense que a primeira será a melhor nem que você encontrará uma ferramenta perfeita que atenda a todas as suas necessidades. Não achamos que todos os resultados sejam ótimos, mas acreditamos que o teste é sempre válido”, disse ela.
Aimee Rinehart, gerente sênior de produtos da estratégia de IA da Associated Press, compartilhou os resultados de uma pesquisa sobre IA generativa realizada em dezembro de 2023. O estudo “Generative AI in Journalism: The Evolution of Newswork and Ethics in a Generative Information Ecosystem” (“IA Generativa no Jornalismo: A Evolução do Trabalho com Notícias e Ética em um Ecossistema de Informação Generativo”) foi lançado em 9 de abril e contou com a participação de quase 300 profissionais de mídia, majoritariamente da América do Norte e da Europa.
“As principais conclusões são que muitas das explorações de IA estão acontecendo na produção de conteúdo”, disse Rinehart.
81,4% dos respondentes disseram ter algum conhecimento sobre IA generativa e 73,8% disseram que já haviam usado a tecnologia de alguma forma. Quase metade disse que as tarefas e os fluxos de trabalho em suas redações já mudaram por causa da IA generativa.
Segundo ela, há uma “oportunidade não atendida” para o design de novas interfaces para apoiar o trabalho de jornalistas com a IA generativa, especialmente para possibilitar a supervisão e a checagem necessárias.
“Jornalistas precisarão de interfaces de edição bem projetadas para usar efetivamente a IA generativa em várias tarefas. E sejamos francos, estamos todos aqui por causa de uma interface de usuário chamada ChatGPT, que realmente conscientizou as pessoas sobre os recursos da IA de uma forma muito evidente, e será preciso realizar algo semelhante para as redações”, disse Rinehart.
Algumas das conclusões da pesquisa, segundo Rinehart, são que políticas de uso de IA precisam ser mais concretas para guiar um uso mais responsável da tecnologia no jornalismo; há muitas alegações sobre eficiência e ferramentas de IA, mas nenhuma evidência concreta, portanto é necessária a realização de mais pesquisas sobre quais tarefas e usos realmente propiciam ganhos de eficiência e desempenho; e as próprias ferramentas poderiam ser avaliadas com mais rigor para garantir o alinhamento com as expectativas e normas jornalísticas.
Andrew Rodriguez Calderón, líder de projetos de dados do The Marshall Project, se apresentou como membro de vários grupos sociais que foram “submetidos a exploração, extração ou exclusão tanto pelo setor de mídia quanto pelo setor de tecnologia”.
“Quando adotamos novas tecnologias, trazemos todo esse histórico conosco, e é muito importante desenvolver práticas, à medida que usamos essa nova tecnologia, que reconheçam esse passado”, disse ele.
Ele propôs uma reflexão sobre como o design colaborativo pode ajudar jornalistas a aplicar a IA a serviço das pessoas afetadas pelas questões que estão sendo cobertas. Tal metodologia implica compreender os contextos histórico e social e acolher as contribuições das comunidades afetadas para que as ferramentas criadas com IA tenham impacto positivo.
Calderón usou o exemplo do desenvolvimento de uma ferramenta do The Marshall Project que permite que as pessoas consultem quais livros estão proibidos nas prisões de cada estado dos Estados Unidos, feita a partir de levantamento das políticas públicas dos estados sobre o tema. A ferramenta foi desenvolvida com a colaboração de pessoas encarceradas, pessoas que já saíram da prisão e seus famliares, entre outros grupos de interesse, que a cada etapa do processo contribuíram para que o meio desenvolvesse algo que permitisse o acesso a direitos.
“A IA, o design e o jornalismo, juntos, como ferramentas nesse processo de design, podem produzir histórias e produtos que empoderam, podem criar caminhos alternativos para a prestação de contas que partam da base para o topo, e também podem abordar lacunas de informações fundamentais em escala”, disse Calderón.
“Minha principal conclusão é que não acho que a IA seja o grande objetivo ou solução; ela é uma ferramenta, mas não é neutra. É importante termos uma estrutura de trabalho que informe a maneira como usamos a IA como ferramenta e como ela perpetua e motiva nosso jornalismo."
Zach Seward, diretor editorial de iniciativas de IA no The New York Times, comentou que a IA generativa encantou o grande público a partir do lançamento de ferramentas capazes de escrever poemas, criar imagens e até inventar canções a partir de orientações dadas pelos usuários.
“Tudo isso pode ser muito divertido, mas, um ano depois, parece claro que apresentar ao mundo a IA generativa por meio de truques de salão como esse criou algumas impressões distorcidas sobre a utilidade da tecnologia ou, pelo menos, sobre o que ela faz de melhor”, disse ele.
Para Seward, o uso mais poderoso da IA generativa não é a criação de textos ou imagens totalmente novos, mas a criação de estruturas a partir de dados “bagunçados” que já existem. Projetos celebrados de uso de IA generativa no jornalismo, como o do The Marshall Project citado por Calderón, têm em comum o fato de que não estão de fato gerando algo novo, mas sim “criando resumos, extraindo informações e estruturando dados em um formato mais utilizável”, afirmou.
Ele citou outros exemplos nesse sentido, tanto realizados por cidadãos quanto por seus colegas no NYT.
“A vida real é uma bagunça. O jornalismo, em sua melhor forma, ajuda as pessoas a dar sentido a essa bagunça. Usar a IA para estruturar dados bagunçados é, portanto, uma forma pura de jornalismo”, disse Seward.
