texas-moody

Ação judicial de US$ 5,5 milhões de ex-presidente ameaça importante jornal panamenho

La Prensa, um jornal panamenho de grande prestígio e com uma longa trajetória de desafios às autoridades, está sob ameaça existencial. Uma ação civil movida por um ex-presidente está agora perante a Suprema Corte e pode levar ao fechamento da publicação, que tem 44 anos de existência.

O ex-presidente Ernesto Pérez Balladares está argumentando, em um caso de 12 anos atrás, que o jornal lhe causou “dano moral” ao publicar informações incorretas fornecidas pela promotoria em uma investigação de corrupção.

O promotor se enganou na quantidade de dinheiro movimentada por uma conta off-shore à qual Pérez estava vinculado. Embora La Prensa também tenha publicado a versão da história do ex-presidente, Pérez Balladares afirma em sua demanda que quer que o jornal lhe pague US$ 5,5 milhões (R$ 31,08 milhões) em danos.

“Que um ex-presidente te processe por 5 milhões de dólares (R$ 28,2 milhões) por um erro que foi cometido pela promotoria não tem nem pé nem cabeça”, disse à LatAm Journalism Review (LJR) Annette Planells, presidente-executiva da Corporación La Prensa (Corprensa). “Quando você vê os montantes das demandas, há uma intenção por trás que vai muito além de reparar algum dano, mas sim de afetar a sustentabilidade do meio”.

Esta não é a primeira vez que La Prensa, fundada por exilados políticos em 1980, é confrontada pelas autoridades. Em 1982, o editor do jornal foi preso por escrever um artigo acusando o presidente de incitar a violência contra as instalações do jornal.

Agora, La Prensa enfrenta 15 casos civis e cinco denúncias criminais de outros ex-funcionários do governo, que podem representar mais de US$ 50 milhões (R$ 282 milhões) em multas e danos. A demanda de Pérez Balladares pode ser o maior desafio até agora.

Um erro publicado por vários meios

A origem do caso remonta a 2009, quando jornalistas de La Prensa investigaram as concessões que o governo do Panamá fez para que particulares pudessem operar cassinos durante a presidência de Pérez Balladares, de 1994 a 1999. Pérez Balladares havia privatizado as empresas estatais de telefonia e eletricidade, e a investigação de La Prensa descobriu que pessoas próximas a ele – incluindo um irmão e um genro – se beneficiaram de concessões para jogos de azar, que de outra forma estariam sob controle do Estado.

As investigações de La Prensa revelaram que algumas das empresas que receberam concessões realizavam depósitos em uma conta bancária nas Bahamas de uma sociedade cujos documentos de constituição foram assinados por Pérez Balladares.

Após a publicação de La Prensa, a promotoria especializada em crime organizado anunciou que abriria uma investigação e convocou Pérez Balladares para prestar depoimento por suposta lavagem de dinheiro e corrupção de funcionários.

Em 2011, a promotoria informou que a referida conta nas Bahamas teve movimentações superiores a US$ 176 milhões (R$ 992,64 milhões) entre 2009 e 2010.

No entanto, a defesa do ex-presidente informou que houve uma interpretação equivocada desses movimentos, que correspondiam a todos os clientes com contas no banco durante esse período.

Naquele ano, Pérez Balladares e 14 pessoas acusadas de lavagem de dinheiro foram absolvidos pelo

Imágenes de diferentes medios dando cobertura a la misma noticia.

Vários meios de comunicação cobriram a investigação contra Pérez Balladares e até mesmo publicaram o erro do promotor (Cortesia de La Prensa)

Nono Tribunal Penal. Para a justiça, o Ministério Público não conseguiu provar suas acusações.

La Prensa publicou tanto a versão da promotoria quanto da defesa, explicou Planells. O jornal segue os padrões internacionais de transparência e responsabilidade do Trust Project, acrescentou.

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) revisou as publicações de La Prensa e não encontrou violações à ética jornalística, disse Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, à LJR. “Refletia a instância judicial que estava em curso e é próprio do que deve fazer um meio de comunicação quando há uma figura pública sendo questionada ou apontada pela justiça”, disse Jornet.

Apesar disso, Pérez Balladares processou La Prensa em 2012 por “dano moral” com base nas informações relacionadas à conta bancária nas Bahamas.

O caso ficou paralisado no sistema judiciário até 2020, quando o ex-presidente solicitou o embargo de bens do meio, o qual foi aprovado. A Justiça panamenha aprovou a apreensão preventiva de bens do meio no valor superior a US$ 1 milhão (R$ 5,64 milhões), razão pela qual a empresa-mãe de La Prensa teve uma conta bancária congelada.

Em junho de 2023, um tribunal de primeira instância deu razão a La Prensa e condenou o ex-presidente a pagar as custas do processo. Em novembro de 2023, um tribunal de segunda instância reverteu essa decisão e condenou a Corprensa a pagar US$ 5 mil (R$ 28.200) ao ex-presidente por danos morais.

Agora será a Suprema Corte que decidirá finalmente este caso.

A LJR consultou o advogado do ex-presidente Pérez Balladares, José María Castillo, que se recusou a fazer comentários. Em vez disso, ele compartilhou uma carta de resposta às preocupações expressas pela SIP.

Na carta, Castillo assegurou que a ação contra La Prensa não pode ser considerada assédio, uma vez que busca proteger a honra de seu cliente. Ele afirmou que quem sofreu assédio foi o ex-presidente Pérez Balladares.

Em La Prensa “não tiveram a capacidade de se desculpar e muito menos de publicar uma correção devida”, escreveu Castillo em sua carta. “Resistiram por um ano à obrigação moral e ética que tinham de corrigir seu erro. Um ano depois, diante dessa atitude, apresentamos a demanda”.

A carta não aborda questões como o valor pedido em reparação, nem a publicação em La Prensa da versão da defesa. Tampouco menciona o erro de informação originado na promotoria e que foi publicado por outros meios.

A diretora de relações públicas da Suprema Corte, Marisol Velasco, disse à LJR que não podem fazer declarações sobre casos que chegam à Corte.

Impactos no jornalismo panamenho

Este não é o único caso aberto contra La Prensa. Outros ex-presidentes, como Ricardo Martinelli e sua esposa, funcionários públicos, deputados, ex-contratantes do Estado e outras figuras públicas têm ações contra La Prensa.

Desde 2006, La Prensa enfrentou cerca de 30 queixas criminais e 21 ações civis, que representavam US$ 60 milhões (R$ 338,4 milhões), disse Planells. Conseguiram encerrar algumas causas.

“Os gastos com advogados foram enormes”, explicou Planells. “Se a isso somarmos a possibilidade de que essas ações prosperem, bem, estamos diante da possibilidade de fechar o meio, estrangulado financeiramente.”

Imágenes de noticias del diario La Prensa cubriendo el caso del expresidente Pérez Balladares.

La Prensa afirma que sempre deu voz à defesa do ex-presidente Pérez Balladares (Cortesia de La Prensa)

Planells disse que esses casos promoverão a autocensura em outros meios e jornalistas, especialmente em temas relacionados à corrupção.

“Gera uma autocensura que só faz o terreno ficar fértil para que continuem cometendo desmandos, abusando do poder em benefício próprio”, disse Planells.

Para Jornet, da SIP, a situação que La Prensa enfrenta é representativa das forças que desafiam a liberdade de imprensa no Panamá. A SIP manifestou a necessidade de uma mudança na jurisprudência que aborde temas como os embargos a veículos de mídia, altas quantias de indenização, bem como o assédio judicial.

“As demandas totalmente inusitadas, desproporcionais, que de início já se sabe que são uma forma de pressão, mais do que buscar uma reparação”, disse Jornet. “Há uma desproporção clara, manifesta, e o que se busca é gerar uma pressão muito forte contra o meio de comunicação e condicionar sua linha editorial”.

Regras para republicação

Artigos Recentes