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Assassinatos de jornalistas holandeses em El Salvador serão julgados após 42 anos de impunidade

Koos Koster, um jornalista holandês de 46 anos, chegou a El Salvador em março de 1982 em uma missão para a empresa de televisão holandesa IKON.

Ele foi designado para fazer um documentário que mostraria o contraste entre a vida em San Salvador e nas áreas rurais, onde o conflito entre as forças armadas do país e o grupo insurgente FMLN estava ocorrendo. Koster foi acompanhado pelo produtor Jan Kuiper, pelo técnico de som Hans teer Laag e pelo cinegrafista Joop Willemsen, todos de nacionalidade holandesa.

A guerra civil de 12 anos em El Salvador, que culminou com os Acordos de Paz de 1992, havia começado dois anos antes. As autoridades salvadorenhas sabiam do projeto jornalístico liderado por Koster e o consideravam favorável aos guerrilheiros da FMLN, de acordo com o relatório da Comissão da Verdade.

Koster, que falava espanhol e tinha contatos na região, não tinha muita simpatia entre as autoridades salvadorenhas depois de ter feito uma reportagem em 1980 sobre os chamados esquadrões da morte, que, na opinião das autoridades, também favorecia a FMLN.

Como resultado, o relatório da Comissão da Verdade afirma que a polícia de inteligência começou a seguir a equipe holandesa que produzia o documentário. Por fim, as autoridades ordenaram uma emboscada pelas forças do Estado, na qual os quatro jornalistas foram mortos, juntamente com alguns guerrilheiros que atuaram como guias para os jornalistas ao levá-los para as áreas de maior conflito, conclui o relatório.

Já se passaram 42 anos desde o crime e os responsáveis ainda não foram levados à justiça. Entretanto, o andamento de dois processos judiciais, um civil nos Estados Unidos e outro criminal em El Salvador, pode significar que alguém será punido pelo crime.

“Suas mortes marcaram a vida das pessoas em luto”, disse Gert Kuiper, irmão de Jan que está liderando o processo civil nos Estados Unidos, à LatAm Journalism Review (LJR) por meio de um advogado do Center for Justice and Accountability (CJA).

“Para mim, pessoalmente, é essencial alcançar o reconhecimento formal da conspiração para o assassinato e a punição dos responsáveis”, acrescentou Gert Kuiper.

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Jan Kuiper, Koos Koster, Joop Willemsen e Hans teer Laag, os quatro jornalistas holandeses assassinados em 1982 em El Salvador. (Foto: Comitê de Imprensa das Forças Armadas)

O caso nos Estados Unidos é contra o ex-coronel Mario A. Reyes Mena, comandante da Quarta Brigada de Infantaria, que, de acordo com o relatório da Comissão da Verdade do país, planejou a emboscada. Hoje ele tem 85 anos e vive nos Estados Unidos há mais de uma década.

Enquanto isso, em um dos avanços mais importantes no crime dos jornalistas em El Salvador, em 22 de agosto, a juíza encarregado do processo criminal no país determinou que o caso poderia avançar para a fase de julgamento. Essa decisão tornou-se definitiva depois que o Tribunal Penal de Santa Tecla rejeitou o recurso apresentado pela defesa dos acusados em 22 de outubro.

Três comandantes militares de alto escalão da época, acusados de serem responsáveis pelo assassinato dos quatro jornalistas, estão sendo processados: o ex-ministro da Defesa, José Guillermo García; o ex-diretor da Polícia do Tesouro [uma espécie de polícia de inteligência], Francisco Antonio Morán; e o ex-comandante Reyes Mena. Duas outras pessoas citadas nos eventos já estão mortas.

“Seria muito importante para nós porque é histórico”, disse à LJR Oscar Antonio Pérez, diretor da Fundação Comunicándonos – uma organização que, juntamente com a Associação Salvadorenha pelos Direitos Humanos (ASDEHU), representa as famílias dos jornalistas em El Salvador.

“É o primeiro caso que aparece no relatório da Comissão da Verdade que será julgado e é o primeiro caso em que oficiais militares de alto escalão que fizeram parte do conflito passado serão julgados. É muito importante quebrar essa cadeia de impunidade aqui”, acrescentou.

Verdade truncada pela lei de anistia

Os eventos que levaram ao assassinato dos jornalistas e o crime em si estão registrados no relatório da Comissão da Verdade “Da loucura à esperança: a guerra de 12 anos em El Salvador”, publicado em 15 de março de 1993.

O relatório relata as entrevistas que os jornalistas tiveram com prisioneiros acusados de pertencer à guerrilha, bem como com contatos da FMLN. O relatório também observa como os jornalistas foram seguidos e até mesmo como seus quartos de hotel foram revistados no dia anterior ao crime.

A Comissão da Verdade concluiu que “há plena evidência” de que o assassinato dos jornalistas “foi consequência de uma emboscada planejada com antecedência pelo Comandante da Quarta Brigada de Infantaria, Coronel Mario A. Reyes Mena, com o conhecimento de outros oficiais”. O relatório afirma que a emboscada se baseou em um trabalho de inteligência e foi realizada por uma patrulha de 25 homens do Batalhão Atonal sob o comando do sargento Mario Canizales Espinoza (que também está morto).

Apesar das informações coletadas pela Comissão e dos compromissos assumidos nos Acordos de Paz que estabeleceram medidas de reparação para todas as vítimas e o estabelecimento de um sistema de Justiça Transicional para julgar os crimes cometidos durante o conflito, a aprovação da “Lei de Anistia Geral” em 20 de março de 1993 impediu que os acusados dos crimes fossem julgados.

Foi somente em 2016, quando a Suprema Corte do país declarou essa lei inconstitucional, que alguns crimes cometidos durante a guerra começaram a ser processados. Em março de 2018, a queixa criminal foi apresentada em El Salvador, mas, de acordo com Pérez, a promotoria demorou e somente em 2021 o caso foi processado e passou para a primeira instância.

Nos últimos dois anos, dois dos acusados estiveram em prisão preventiva, embora tenham estado no hospital, alegando problemas de saúde. Reyes Mena está nos Estados Unidos com um aviso vermelho da Interpol para sua eventual captura e extradição.

Processo civil nos EUA abre esperança para El Salvador

Quando a família de Jan Kuiper soube que o ex-coronel Reyes Mena estava nos Estados Unidos há mais de uma década, entrou em contato com a CJA para entrar com uma ação civil, disse Claret Vargas, advogada sênior da CJA.

O caso foi investigado por vários anos antes de a ação civil ser ajuizada em 9 de outubro no Tribunal Distrital dos EUA para o Distrito da Virgínia, disse Vargas à LJR.

Como os Estados Unidos só permitem ações civis contra residentes americanos que cometeram crimes em outras jurisdições, essa ação busca uma compensação monetária, bem como o reconhecimento da responsabilidade pelo crime. No entanto, seu principal objetivo é ter algum impacto sobre os processos criminais em El Salvador, disse Vargas.

Em um caso não relacionado envolvendo outro crime, o ex-ministro García perdeu um processo civil nos Estados Unidos e foi extraditado para El Salvador, disse Vargas. Os advogados esperam que algo semelhante aconteça com Reyes Mena.

“A esperança é sempre essa, mas não temos controle sobre o que as autoridades de imigração vão fazer, nem há uma via legal pela qual possamos pedir isso”, disse Vargas. “Obviamente, o que esperamos é que isso contribua para o caso lá, porque, no final das contas, nosso trabalho é contribuir para os esforços de combate à impunidade no país onde o crime foi cometido.”

O processo legal nos EUA não tem um cronograma claramente definido. Levando em conta as ações da defesa e as decisões do juiz responsável pelo caso, a sentença pode levar até um ano para ser proferida.

Embora a longa espera seja preocupante, para Gert Kuiper esses casos têm a ver principalmente com a criação de precedentes para a justiça de crimes cometidos durante a guerra.

“Não se trata de os três homens receberem sentenças longas. Eles são muito idosos. O interesse das famílias em luto é que eles sejam responsabilizados e que a justiça seja feita”, disse Gert Kuiper. “Quando o caso criminal for finalmente apresentado em El Salvador, a jurisprudência poderá ser construída para que outros 200 casos de assassinatos relacionados à guerra possam ser ouvidos.”

Pérez, no entanto, acredita que a inevitável passagem do tempo para vítimas e perpetradores poderia aprofundar a impunidade.

“O problema é que nossas vítimas estão morrendo. Assim como os criminosos, que estão morrendo sem prestar contas”, disse Pérez.

Traduzido por Carolina de Assis
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