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2022 foi o ano mais violento para a imprensa na América Latina, mostra relatório da Voces del Sur; Repórteres Sem Fronteiras também aponta deterioração

No âmbito do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, as organizações Voces del Sur (VDS) e  Repórteres Sem Fronteiras (RSF) publicaram seus relatórios anuais, que incluem informações sobre violações da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e acesso à informação na América Latina. O ano de 2022 foi o mais violento para a imprensa da região latino-americana nos últimos cinco anos, segundo o informe da VDS, que é focado especificamente na região.

A Voces del Sur, uma rede de 17 organizações da sociedade civil que monitora, analisa e informa sobre a situação da liberdade de expressão, liberdade de imprensa e direito de acesso à informação na América Latina, apresentou o relatório comemorativo marcando seus cinco anos de operação.

As organizações da rede registraram 31 assassinatos de jornalistas em 2022. Também houve 1.953 agressões e agressões contra jornalistas na região na forma de ataques, agressões físicas, ataques à infraestrutura, destruição de equipamentos, ameaças de morte, entre outros. Por sua vez, a rede registrou 20 casos sob o novo indicador de violência sexual.

“Infelizmente, o Relatório Sombra (Informe Sombra, no nome original em espanhol) de 2018 em diante têm se caracterizado mais por suas semelhanças ou continuidades do que por suas diferenças. Este ano, a ênfase do relatório foi analisar as tendências dos padrões de violência no nível regional. Através da análise dos dados que a rede conseguiu consolidar nestes cinco anos de monitoramento, encontramos 10 padrões que parecem não só se repetir anualmente, mas que infelizmente parecem piorar ou agravar-se a cada ano", disse à LatAm Journalism Review (LJR) Miguel Antonio Gómez, encarregado da investigação e análise do estudo.

Os padrões que se agravam ano após ano e se tornaram tendências nos alertas documentados e reportados pela rede são: o ressurgimento da violência, o aumento da violência em meio aos protestos, a estigmatização que incita mais violência, o Estado como principal agressor, a crescente ameaça do crime organizado, a inadequação dos mecanismos de proteção existentes, o abuso do poder do Estado, as leis e a justiça como instrumentos de silêncio, impunidade e autocensura, e o exílio.

Os dados do relatório Sombra de la Red VDS 2022, conforme diz seu nome completo, refletem claramente um aumento da violência em comparação a 2021. Três elementos destacam-se: o fechamento de espaços, a autocensura e o exílio.

Em 2022, registrou-se o fechamento de centenas de veículos de comunicação, principalmente devido a medidas administrativas e judiciais arbitrárias. Soma-se a isso o fechamento maciço da mídia ocorrido durante os anos da pandemia e a crise do modelo de negócios de mídia baseada em publicidade.

“Essas duas situações, uma de violência e outra de precariedade, levaram a uma situação em que poderíamos afirmar que estamos ficando sem jornalistas e meios de comunicação. Obviamente é um exagero, mas já em países como Cuba, Nicarágua e Venezuela é uma situação que começa a preocupar seriamente as organizações locais que estão vendo o êxodo em massa de jornalistas e o fechamento em grande escala dos meios de comunicação”, disse Gómez.

Perspectiva de gênero e inclusão 

Conforme explicado no relatório, a Rede VDS, com base nas recomendações metodológicas das Nações Unidas, incorporou um indicador transversal de gênero para documentar ameaças e ataques diferenciados contra mulheres jornalistas ou jornalistas de diversidade sexual.

“O 'Alerta de Gênero' é emitido quando uma violação da liberdade de expressão contém elementos de discriminação com base em gênero, bem como aparência física, sexualidade, expressão de gênero, identidade de gênero ou orientação sexual de pessoas jornalistas. Além disso, este ano, a Rede VDS desenhou um novo indicador de 'Violência Sexual' para tornar ainda mais visíveis as formas diferenciadas de violência sofridas por mulheres jornalistas e jornalistas da diversidade sexual”, diz o relatório.

Segundo Gómez, as organizações da rede devem entender e entender melhor como funciona a violência contra mulheres jornalistas e jornalistas da diversidade sexual, já que possuem características especiais que as distinguem da violência contra jornalistas homens. “A principal diferença é, sem dúvida, a conotação sexual ou sexualizada que muitos desses ataques adquirem. Estamos falando de ameaças de violência sexual, mas também de que as mulheres tendem a ser menos representadas na mídia, que sofrem comentários machistas ou misóginos que aludem à sua condição de gênero. Também é muito mais comum ver [ameaças] envolvendo família ou círculo interno, etc”, disse ele.

A investigadora considera também que existe seguramente uma subnotificação significativa porque a identificação da violência de gênero nem sempre é fácil de rastrear e depende fundamentalmente das capacidades das organizações que integram a rede para conseguirem detectar estas formas diferenciadas de violência.

A situação alarmante no México

Segundo o relatório, os três países mais mortíferos para a imprensa na região da América Latina foram México, Honduras e Equador. No caso de assassinatos de jornalistas, houve um aumento alarmante no México, passando de seis casos relatados em 2020 para nove casos em 2021 e 15 em 2022.

Em geral, no México há níveis muito altos de estigmatização e, ao mesmo tempo, é um dos países mais perigosos da região para o jornalismo junto com Brasil, Venezuela, Colômbia e Equador.

A cada 13 horas um jornalista é atacado no México. Segundo Paula Saucedo, oficial do programa de Proteção e Defesa da Artigo 19, isto se deve a várias razões. “Tem a ver com a impunidade dos crimes contra a liberdade de expressão, que é de quase 98%. Quase nenhum crime é investigado, e dos que são investigados, quase nunca são encontrados os autores intelectuais dos crimes, nem se sabe ao certo sua motivação. Não há reparação por danos às vítimas ou à sociedade, e isso permite que mais ataques sejam feitos", disse Saucedo à LJR. 

“Além disso, quem mais ataca a imprensa no México são servidores públicos, e o maior número de ataques contra a imprensa está ligado a investigações de corrupção, então parece que é um círculo em que a imprensa é atacada para silenciá-la. É um contexto perfeito para atacar a imprensa”, acrescentou.

Também no México, Honduras, Equador, Bolívia e Argentina, foi relatado um aumento preocupante das violações à liberdade de expressão e de imprensa, provenientes de grupos do crime organizado. “Pessoalmente, isso me assusta porque é ver como esses grupos estão penetrando, se organizando e se consolidando na região, infelizmente muitas vezes em conluio com as autoridades locais, especialmente em áreas vulneráveis, longe das capitais”, disse Gómez.

“Embora o Estado continue sendo apontado como o principal responsável pelas violações à liberdade de expressão, é assustador o aumento de alertas que apontam o narcotráfico e os grupos armados como responsáveis ​​e esses grupos são os principais responsáveis ​​pelos crimes mais atrozes como os assassinatos” , acrescentou.

Para Saucedo, uma forma de mitigar os riscos é criar redes de apoio para proteção e segurança da imprensa. Além de continuar denunciando a violência. “Embora às vezes seja complicado em contextos tão hostis, as redes de apoio entre e para os jornalistas são muito importantes. Vimos que, ao longo da história do México e da América Latina, os coletivos impulsionam muitas mudanças sociais”.

Repórteres Sem Fronteiras também registram deterioração

Outro estudo sobre a liberdade de imprensa, o 21º Índice Global de Liberdade de Imprensa da Repórteres Sem Fronteiras (RSF),  divulgado nesta quarta-feira, também mostra uma deterioração das condições para o exercício do jornalismo na região. Segundo o estudo, “a polarização e a instabilidade institucional que caracterizam vários países da região têm fomentado a hostilidade e a desconfiança dos meios de comunicação”. 

O país que mais perdeu posições no ranking da RSF foi o Peru, que caiu 33 posições e agora está em 110º no ranking. O principal motivo da queda foi o uso generalizado da força pelas autoridades após a mudança de governo em dezembro de 2022, quando, prestes a ser deposto, o então presidente Pedro Castillo tentou dar um golpe de Estado fracassado. 

“Desde a mudança de governo em dezembro de 2022, a polícia intensificou o uso de força excessiva contra jornalistas que cobrem prisões arbitrárias, assassinatos e violência durante os protestos. Nesse contexto, o Exército também espalhou desinformação e perseguiu jornalistas que não seguem a linha do governo. A grande mídia classificou os participantes dos protestos de dezembro de 2022 como terroristas e os manifestantes, por sua vez, atacaram alguns de seus repórteres. Jornalistas continuam sendo alvo de ataques de ativistas de extrema direita desde 2018, quando foram publicadas investigações jornalísticas sobre o caso de corrupção da Odebrecht”, escreveu a RSF. 

O Haiti caiu 29 posições, e aparece em 99º lugar no ranking. A situação securitária é o principal motivo. “Cada vez mais difamados e vulneráveis, os jornalistas também foram alvo de gangues nos últimos dois anos: eles foram sequestrados ou assassinados com total impunidade. Em 2022, pelo menos seis jornalistas foram mortos em conexão com seu trabalho, tornando o Haiti um dos países mais perigosos da região para o pessoal da mídia”, diz a RSF. 

Há menções negativas ainda ao Equador  (queda de 12 posições, para o 80º lugar), onde a crescente influência de organizações criminosas causou uma deterioração significativa das condições de trabalho dos jornalistas, e ao México (uma posição a menos, para 128º), onde “a extrema violência dos cartéis e seu frequente conluio com autoridades e políticos locais continuaram a destruição do jornalismo”. 

Além disso, a região perdeu o seu último membro onde a imprensa tinha uma situação considerada positiva: a Costa Rica perdeu 15 posições, e passou para o número 23 do ranking, com um status considerado regular. Isso se deveu à situação política: em 2022, o governo do presidente Rodrigo Chaves “sujeitou alguns meios de comunicação e jornalistas a ataques verbais, e algumas entidades estatais se recusaram a fornecer informações de interesse público aos meios de comunicação”, disse a RSF. 

A mudança positiva segundo a organização aconteceu no Brasil. O país subiu 18 posições, e agora é o 92º do ranking. O motivo para isso foi a troca de presidente. “A saída do presidente Jair Bolsonaro, que atacou sistematicamente jornalistas e meios de comunicação ao longo do mandato, reacendeu as esperanças de um retorno à normalidade nas relações entre governo e imprensa”, disse a RSF.

(Colaborou André Duchiade)

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