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Alerta em El Salvador, onde aumentam a violência e discursos estigmatizantes contra jornalistas

O ano de 2021 parece ser um dos mais violentos e restritivos contra jornalistas em El Salvador, segundo a Associação de Jornalistas de El Salvador (APES).

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Coletiva de imprensa da Associação de Jornalistas de El Salvador. (Captura de tela)

“Até hoje (7 de setembro de 2021), temos 177 agressões contra jornalistas, 34 deles da Polícia Nacional Civil”, explica César Fagoaga, presidente da APES.

A Polícia Nacional Civil é o grupo que até agora lidera as violações contra jornalistas, informou a APES. O segundo lugar é ocupado por funcionários públicos com 19 ataques e em terceiro lugar por órgãos eleitorais, com 17 ataques.

Fagoaga, também co-fundador e CEO da agência de jornalismo investigativo  Factum Magazine, disse à  LatAm Journalism Review (LJR) que o discurso de ódio do governo Nayib Bukele está envenenando as instituições do estado.

Por meio do monitoramento que realiza diariamente nas redes sociais e por meio de seus canais de denúncia direta, a APES registrou 173 violações de jornalistas entre 1º de janeiro e 30 de agosto de 2021. Em todo o ano de 2020, a associação registrou 125 agressões no total, sendo agentes públicos os maiores agressores.

Entre as várias violações, até o momento 86 restrições ao jornalismo, 14 casos de intimidação, 13 bloqueios de acesso à informação, 13 casos de assédio digital, 13 declarações estigmatizantes, 10 ataques físicos, cinco casos de censura, quatro casos de ameaças à vida, três ataques digitais, um caso de dano ao equipamento de trabalho, etc.

Um dos casos recentes incluídos no monitoramento da APES é a detenção e agressão a dois jornalistas por agentes da Polícia Nacional Civil.

O repórter do jornal El Mundo, Kevin Castillo, e o cinegrafista da Salvadoreña Telecorporación, Nelson Rodríguez, cobriam a descoberta de um corpo perto do mercado municipal da região, quando a polícia bloqueou agressivamente sua passagem, danificou sua câmera de vídeo e apreendeu uma telefone celular depois que os mantiveram detidos por uma hora, de acordo com o site ElSalvador.com.

Em julho, o repórter do El Diario de Hoy, Jorge Beltrán Luna, foi esbofeteado por um subinspetor de polícia durante uma cobertura jornalística, segundo a organização Arpas publicada em seu site. Em sua conta no Twitter, um alto funcionário do governo chamou o policial de "herói do país".

Em junho, a Justiça Cível censurou a matéria do Diario Colatino sobre uma empresa agrícola, ordenando-lhe a retirada das informações de seu site.

No mesmo mês, em cobertura do Congresso, um policial e um legislador impediram o jornalista Marvin Díaz, da revista Gato Encerrado, de entrevistar o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas após uma reunião, informou a APES.

Em entrevista à  LJR, o Relator para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca, afirmou que, do ponto de vista histórico, El Salvador não é um país com um padrão tão elevado de violência policial contra jornalistas.

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Pedro Vaca, Relator para a Liberdade de Expressão da CIDH. (Twitter)

“Você tem que se perguntar o que mudou. Parte da resposta pode ser que as forças policiais obedecem a uma estrutura hierárquica obrigatória. E quando as ligações são feitas dos níveis mais altos dessa hierarquia para garantir a atividade jornalística, a proteção aumenta. Mas em El Salvador a tendência é inversa, ou seja, das altas autoridades e dos porta-vozes públicos, as garantias de liberdade de imprensa estão sendo corroídas”, disse Vaca.

Isso pode criar um ambiente mais permissivo para restringir a imprensa, acrescentou o relator, fazendo com que as forças policiais sintam que é permitido agredir jornalistas.

Segundo Fagoaga, desde que Bukele destituiu os magistrados do mais alto tribunal de justiça do país, a Câmara Constitucional, no início de maio para indicar pessoas do seu grupo político, além da maioria parlamentar obtida pelo partido no poder, Novas Ideias, nas eleições legislativas de fevereiro, um regime autoritário começou em El Salvador.

“Não só acabou a democracia neste país e iniciamos um regime totalmente autoritário onde as decisões de todo o Estado são tomadas na Casa Presidencial, mas também vimos comportamentos contra os meios de comunicação e jornalistas em todo o Estado”, afirmou Fagoaga.

Nesse sentido, o presidente da APES anunciou que buscará se reunir nos próximos dias com o diretor da Polícia Nacional Civil para que haja uma diretriz de respeito aos jornalistas quando os agentes realizam seu trabalho.

Reformas constitucionais

Com base em uma publicação do El Faro que revelou  supostas negociações políticas entre Bukele e gangues de criminosos, o deputado do partido no poder, Jorge Castro, disse que uma nova legislação deve ser proposta para que haja  "responsabilidades legais" para os meios de comunicação em relação às suas reportagens, publicado ElSalvador.com.

A respeito dessas declarações, Fagoaga alertou para a possível inclusão de uma lei da mordaça que buscaria censurar o trabalho jornalístico no projeto de reforma da Constituição Política que o governo vem promovendo. O projeto será anunciado em 15 de setembro, Dia da Independência de El Salvador.

Haveria 215 reformas que mudariam significativamente a atual Magna Carta do país, informou El Faro.

“Sem dúvida, o ano de 2021 é um ano regressivo para o direito à liberdade de expressão em El Salvador”, disse Vaca, o Relator. “Os passos e caminhos que o Estado tem dado não são orientados, pelas informações de que dispomos, para dar maiores garantias ao pluralismo e à deliberação, mas muito pelo contrário, para minimizar os espaços de crítica sobre questões de interesse público e fechar as possibilidades de garantias à liberdade de imprensa”.

Vaca observou com preocupação a ausência do Estado salvadorenho no período ordinário de audiências públicas da CIDH, em junho e julho de 2021. “Não é um bom sinal”.

O Relator expressou a esperança de que o Estado salvadorenho volte a discutir os temas de direitos humanos na Comissão.

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