Com o aumento da preocupação global com as mudanças climáticas, meios de comunicação do mundo todo passaram a ver com crescente interesse a Amazônia, considerada por muitos como o epicentro do aquecimento global.
No entanto, depois que o jornalista britânico radicado no Brasil Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Pereira desapareceram enquanto realizavam uma cobertura na floresta em junho deste ano, e foram encontrados mortos dias depois, se impuseram no centro da discussão os perigos que a cobertura da Amazônia representa para os trabalhadores da imprensa.
Assim como Phillips e Pereira, cerca de 60 líderes e moradores indígenas foram mortos entre 2016 e 2021 na região amazônica de Brasil, Colômbia, Equador e Peru, segundo o site especialista em meio ambiente Mongabay. De acordo com o site, acredita-se que, na maioria dos casos, os possíveis autores dos referidos assassinatos sejam membros de grupos dedicados a atividades ilícitas, como tráfico de drogas ou mineração e extração ilegais de madeira.
Mas, apesar das circunstâncias, a cobertura jornalística na Amazônia continuou e se fortaleceu nos últimos anos graças a múltiplos fatores, entre os quais se destacam o jornalismo colaborativo, iniciativas de organizações não governamentais e metodologias com novas tecnologias.
Consultados pela LatAm Journalism Review (LJR), cinco jornalistas com experiência na cobertura de conflitos na Amazônia compartilharam algumas medidas e dicas básicas para uma cobertura bem-sucedida e segura dessa região natural da América do Sul.
Antes de pisar em território amazônico, jornalistas que vão fazer uma investigação devem ter um plano estabelecido em forma de roteiro, detalhando exatamente o que querem alcançar e como vão chegar lá.
Fazer investigação documental prévia e identificar as fontes com antecedência é o mais fundamental, segundo jornalistas que cobrem aquele território. Também é aconselhável consultar pessoas que conhecem melhor o território, como ambientalistas, cientistas, jornalistas comunitários da Amazônia ou organizações sem fins lucrativos, entre outros.
“Toda situação precisa de um planejamento super detalhado. É quase fazer uma história antes da história. E isso eu diria que é o começo: nunca saia pensando 'agora eu vou e vamos ver o que acontece'”, disse Gustavo Faleiros, cofundador do portal brasileiro de geojornalismo e jornalismo de dados InfoAmazonia, à LJR. "Muito antes de entrar em campo, muita atenção e planejamento são essenciais, pois as situações sempre mudam."
A partir do planejamento dessa abordagem inicial, o jornalista deve estar ciente de que os conflitos dentro da Amazônia são complexos e requerem contexto suficiente para que os leitores possam entendê-los em sua devida dimensão. Portanto, os repórteres devem entender que sua abordagem dos fenômenos da Amazônia não pode ser a mesma que exercem em outras coberturas, mesmo de outras regiões naturais, considera o jornalista colombiano César Molinares.
“Muitas vezes o que eles procuram são notícias e isso [a Amazônia] tem outra narrativa, tem outra aproximação”, disse Molinares à LJR. "Estamos acostumados a um jornalismo mais urbano, mas [a Amazônia] tem outra face, outros riscos, outra abordagem."
Os mecanismos de busca para localizar Dom Phillips e Bruno Pereira foram acionados quando a dupla não comunicou sua chegada à cidade de Atalaia do Norte, onde deveriam ter chegado na manhã do domingo em que foi noticiado o desaparecimento.
Por isso, é fundamental que qualquer jornalista que pretenda entrar na Amazônia estabeleça protocolos de comunicação detalhados com sua equipe na redação.
“O que precisamos é de treinamento [...] em como manter a comunicação e como responder a situações de emergência em todas as investigações de campo que incluem viagens a locais com algum risco. Os protocolos de comunicação devem ser muito claros e com uma resposta muito clara em caso de prisão ou desaparecimento”, disse Faleiros.
Molinares concorda que, muito antes de sair a campo, deve-se definir claramente quem será o integrante da redação que acompanhará a cobertura, quem atuará como contato de emergência e deverá estar pronto para responder em caso de qualquer eventualidade.
Da mesma forma, os protocolos de comunicação devem incluir quem o denunciante deve contatar em caso de emergência no local, bem como quem são as autoridades locais que podem apoiá-lo.
“Você tem que ter as provisões de segurança, avisar toda vez que chegar a algum lugar, ligar para um contato e dizer 'cheguei a esse local”, disse Molinares.
Fazer esforços investigativos concentrados entre dois ou mais meios de comunicação, ou entre meios de comunicação e organizações sem fins lucrativos, ajuda a aprofundar as histórias e ampliar seu alcance e difusão. Mas no caso da Amazônia, o jornalismo colaborativo é um fator que também contribui para questões de segurança e na difusão das mensagens adequadas.
“As alianças são algo que facilita as reportagens, as aprofunda. Se eu quiser entender como é a mineração na Venezuela, é muito mais fácil para mim entrar em contato [com jornalistas locais] para colaborar do que tentar ler os documentos sozinho e tentar entender tudo desde o início”, disse à LJR o jornalista independente brasileiro Hyury Potter.
O jornalista realizou investigações na Amazônia com o apoio da Rainforest Investigations Network (RIN) do Pulitzer Center e em aliança com organizações como a norte-americana Earthrise Media, que se dedica a desenvolver iniciativas de inteligência artificial, machine learning e design para combater as mudanças climáticas.
A RIN promove a colaboração transfronteiriça para "abordar histórias na interseção das mudanças climáticas, corrupção e governança nas três principais regiões de floresta tropical do mundo: a Amazônia, a Bacia do Congo e o Sudeste Asiático".
No caso da segurança de jornalistas que cobrem a Amazônia, as alianças são um fator importante quando os meios da região se juntam à equipe.
“Criar condições para que esses jornalistas cheguem ao lugar com segurança, acredito, pode ser alcançado com colaborações entre meios locais e internacionais: levando os recursos que meios internacionais têm para os meios locais e abrindo frentes de investigação”, disse Faleiros.
O interesse de meios internacionais pela Amazônia vem crescendo desde a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2007 em Bali, na Indonésia, que incluiu formalmente o desmatamento na agenda climática global, de acordo com um estudo da cientista Anne R. Kapuscinski, editora-chefe da revista Elementa: Science of the Anthropocene da Universidade da Califórnia em Santa Cruz.
Para esses jornalistas estrangeiros, é fundamental colaborar com os colegas locais para entender o contexto da floresta, livrar-se de vieses e preconceitos, bem como transmitir as mensagens corretas e evitar a reprodução de estereótipos, acredita Potter.
“É importante quando as pessoas da Amazônia contam as histórias da Amazônia porque nós temos uma visão diferente, uma forma diferente de contar histórias, sem preconceitos”, disse o jornalista, que é natural de Belém, capital do estado brasileiro do Pará e um dos pontos de entrada para a floresta amazônica. “Outra forma seria o jornalista morar na Amazônia por meses, mas isso é difícil de fazer e é muito caro. Então [...] acho que a forma mais prática é entrar em contato com jornalistas locais e tentar fazer alianças”.
Identificar-se como jornalista na Amazônia pode ser perigoso, porque grupos criminosos que atuam na floresta e algumas autoridades tendem a ver a imprensa como inimiga, segundo Faleiros. O mesmo acontece com ambientalistas e defensores de direitos humanos cujas agendas são consideradas contrárias aos interesses desses grupos, pelos quais se sentem empoderados para atacá-los.
No entanto, é aconselhável que os repórteres que cobrem a floresta ajam com total transparência na interação com as comunidades e grupos que ali vivem, concordam os jornalistas.
“Jamais aconselharia alguém a criar algum tipo de mentira ou disfarce para fazer uma investigação”, disse Faleiros. "Não é assim que se faz, você sempre tem que ser bem claro ao investigar, dizer 'sou jornalista'. Isso, em qualquer situação”.
“Sou muito contrário a câmeras escondidas ou a não dizer quem você é”, disse Molinares por sua vez. "Você tem que dizer isso nessas áreas."
Apresentar-se como um membro da imprensa faz parte da conquista da confiança dos habitantes e das fontes amazônicas no terreno, o que pode ser um grande desafio, já que os meios externos não fazem parte da realidade de muitas dessas comunidades.
“Não é fácil ganhar a confiança das pessoas nesta região”, acrescentou Molinares. “Estamos indo para comunidades onde as formas de comunicação são diferentes: se comunicam por rádio-telefone, voz a voz, não têm televisão, não têm internet, não sabem o que são os meios de comunicação, então não é fácil para você chegar e dizer 'sou jornalista, me conte sua história'”.
O apoio de fixers ou jornalistas comunitários geralmente facilita o acesso às comunidades que estão nos pontos mais remotos da floresta, além de poderem servir como facilitadores no processo de conquista da confiança dos moradores, disse o jornalista colombiano, quem este ano realizou investigações como “El ganado acorrala a la Amazonía” e “La deforestación tras la carne que comemos en Bogotá” para o meio independente 360-grados.co.
Em abril deste ano, o Facebook revelou que dois oficiais do Exército brasileiro foram responsáveis por divulgar informações falsas sobre desmatamento na Amazônia e atacar organizações legítimas desde o perfil de uma suposta ONG ambientalista.
Em 2019, uma série de imagens de supostos incêndios florestais na Amazônia viralizou após ser compartilhada por políticos e celebridades de diversos países, na tentativa de conscientizar sobre a crise climática. Mais tarde descobriu-se que essas imagens não correspondiam à floresta amazônica ou haviam sido feitas há vários anos.
Por ser um território inóspito em que ainda há regiões inexploradas, a Amazônia é terreno fértil para as notícias falsas. Por esse motivo, jornalistas que desejam cobrir esse território devem evitar ao máximo contribuir para a disseminação de desinformação.
"Ainda há pessoas que negam as mudanças climáticas, ainda há pessoas que não prestam a atenção que deveriam à Amazônia, então realmente é uma possível fonte de desinformação", disse à LJR Alexis Serrano, editor do site de checagem de fatos Ecuador Chequea, da organização Fundamedios. “Nós, jornalistas, devemos colocar muito mais uma lupa sobre aquela região […]. Quanto mais muros de contenção contra a desinformação puderem ser estabelecidos, melhor. E sempre falamos com nossos usuários: 'não seja apenas mais um elo da corrente [de desinformação]'".
A melhor maneira de jornalistas evitarem cair na desinformação sobre a Amazônia é estudar o tema em profundidade, documentar-se e consultar fontes variadas e especializadas sobre o assunto, aconselhou o jornalista colombiano Antonio Paz, editor do Mongabay.
“Ao contrário de outros temas, onde várias disciplinas podem falar com grande propriedade sobre o mesmo tema, em temas ambientais e científicos você tem que recorrer à especificidade”, disse Paz à LJR. “Gostaria que houvesse uma fórmula mágica, mas neste caso quando falamos sobre esses assuntos é necessário se preparar muito bem e estudar os temas sobre os quais você vai falar, porque se não, você pode cair na desinformação mesmo sem ter esse objetivo em mente como jornalista”.