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Jornalistas dizem que pelo menos 30% das notícias na América Latina deveriam incluir questões climáticas, em vez dos atuais 2%, segundo estudo

O último inverno na América do Sul teve temperaturas escaldantes extremamente atípicas para a época, em mais uma prova da urgência da necessidade de medidas contra a mudança do clima. No entanto, menos de dois meses depois do dia mais quente já registrado no planeta (o último 6 de julho), um novo estudo afirma que a cobertura sobre assuntos climáticos na América Latina tem muito a melhorar. 

A pesquisaCobertura das mudanças climáticas, biodiversidade e economia circular: desafios e soluções para jornalistas e outros atores na América Latina e no Caribe verificou que praticamente a metade dos jornalistas da região entende que temas ambientais e climáticos deveriam estar presentes em 30% das notícias publicadas pela imprensa, em comparação aos atuais 2%. A diferença de 15 vezes deixa clara a diferença entre a magnitude da crise e sua atual representação na mídia.

Lançada no dia 29 de setembro, a pesquisa foi conduzida pelas plataformas climáticas latino-americanas Libélula e ConexiónCOP, em colaboração com a Fundação Konrad Adenauer. O trabalho envolveu pesquisas com jornalistas em Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, Uruguai, e Venezuela, além de Estados Unidos e Espanha.

A sua principal conclusão aponta “a urgência de os meios de comunicação social aumentarem a cobertura das alterações climáticas, da biodiversidade e da economia circular para 30% do total de notícias nos meios de comunicação social da região”, segundo aproximadamente 50% dos profissionais consultados, conforme afirma o comunicado de divulgação.

Mapa climático da América do Sul mostrando calor anômalo com temperaturas de até 38 graus Celsius nos Andes durante o inverno, cores avermelhadas e pretas indicam as zonas mais quentes

Onda de calor na América do Sul no inverno de 2023: temperaturas superaram 38 graus nos Andes em agostoFsnInteresse do público

O estudo utilizou três métodos principais. Em primeiro lugar, foi realizada uma análise quantitativa e qualitativa de notícias sobre mudança climática na América Latina e no Caribe ao longo de seis anos, de 2017 a 2022. Ao lado disso, foi feita uma pesquisa envolvendo mais de 130 jornalistas de 18 países da América Latina e do Caribe. Por fim, foram feitas entrevistas detalhadas com editores e ex-editores de veículos com vasta experiência ambiental.

Combinando esses três métodos, o estudo chegou a oito achados principais. Além da necessidade de incremento da cobertura,  verificou-se que, apesar da já citada cobertura insuficiente, 64% dos respondentes acreditam que o público se interessa por temas ambientais. 

Segundo a pesquisa, essa percepção é corroborada por um estudo de 2022 do Instituto Reuters e da Universidade de Oxford, que revelou um interesse de 42% a 52% entre o público em notícias sobre mudança climática na América Latina, um dos índices mais altos globalmente.

A nova pesquisa também constatou que, na percepção dos jornalistas, ao longo da última década, houve uma melhoria na cobertura de tópicos como mudança climática, biodiversidade e economia circular – isto é, um processo econômico que prima pelo equilíbrio entre o sistema econômico, a sociedade e o meio ambiente, no qual, todos os materiais são devolvidos ao ciclo produtivo através da reutilização, redução e reciclagem. Tal progresso é atribuído principalmente ao crescente interesse do público, ao acesso a fontes especializadas e à relevância inerente destes temas.

Outro achado importante diz respeito às fontes de informação utilizadas. Em sua maioria, os jornalistas recorrem a fontes internacionais, especialmente agências de notícias e organizações internacionais, para cobrir mudanças climáticas, biodiversidade e economia circular. 

Esta dependência, diz o estudo, pode limitar a perspectiva regional e local das notícias. O documento aponta a base de dados da Climate Tracker como uma alternativa para localizar fontes locais. 

“Embora as organizações da ONU sejam relevantes para a informação se disseminar globalmente, é importante trabalhar também com informações de fontes locais. Para isso, é crucial identificar e construir bancos de dados de fontes locais e reconhecer as contribuições das universidades e centros de pesquisa nos países”, afirma. 

A pesquisa também verificou que a maioria dos veículos da região não dispõe dos recursos necessários para abordar de forma frequente, nuançada e profunda temas ambientais. Apenas 19% dos jornalistas consultados acreditam que a linha editorial dos veículos é propícia a coberturas sobre o clima.

Muitos jornalistas consultados (87%) veem o jornalismo como um meio de promover políticas públicas relacionadas ao clima, biodiversidade e economia circular. Informar sobre as oportunidades e impactos das mudanças climáticas é visto como uma maneira de alcançar esse objetivo. “É possível e fundamental massificar e levar para a agenda pública os temas ambientais, e a imprensa é uma aliada para isso”, diz o estudo.

Uma constatação interessante é de que apenas 22% dos jornalistas acreditam que estão fazendo o máximo possível para proteger os recursos naturais. No entanto, 77% reconhecem a importância de contribuir através de suas reportagens para questões ambientais se tornarem uma prioridade nas sociedades.

Recomendações

Para suprir essas deficiências e melhorar a qualidade das coberturas, o estudo propõe a adoção de três medidas.

A primeira delas é “apostar na transformação do jornalismo”. Segundo o estudo, a inteligência artificial “pode ajudar os jornalistas a processar quantidades significativas de dados, realizar análises complexas e gerar conteúdo personalizado. A IA pode ser útil para cobrir esses temas, que exigem uma compreensão em profundidade da ciência e da tecnologia”.

O jornalismo transmídia, por sua vez, “permite que os jornalistas contem histórias de forma mais imersiva e interativa. Isso pode ajudar os leitores a entender melhor os problemas ambientais e tomar medidas para resolvê-los”.

Em segundo lugar, o estudo recomenda “investigar rigorosamente e apresentar fatos apoiados pela a ciência para neutralizar a desinformação”. Nesse sentido, cobrir as últimas descobertas científicas sobre a mudança climática e a biodiversidade, entrevistar especialistas e realizar fact checking são úteis para diminuir a desinformação.

: "Capa do relatório 'Cobertura das mudanças climáticas, biodiversidade e economia circular: desafios e soluções para jornalistas e outros atores na América Latina e no Caribe' com um fundo rosa e uma mão feminina segurando um microfone à esquerda, seguido do título e os patrocinadores abaixo

Capa do relatório 'Cobertura das mudanças climáticas, biodiversidade e economia circular: desafios e soluções para jornalistas e outros atores na América Latina e no Caribe'

Por fim, a terceira recomendação é “relacionar este problema global com a nossa realidade local”. Segundo o estudo, “a mídia da região deve equilibrar a cobertura dos impactos negativos com histórias locais sobre as soluções e oportunidades oferecidas pela mitigação e adaptação às alterações climáticas, recuperação da biodiversidade e da economia circular”.

Em um evento online para o lançamento do relatório, Julia Sandner, diretora do Programa Regional Segurança Energética e Mudanças Climáticas na América Latina da Fundação Konrad Adenauer, afirmou que “o objetivo não foi apenas diagnosticar a situação atual, mas também propor soluções e refletir sobre como o jornalismo ambiental pode ser um agente de mudança".

Pilar Celi Frías, editora do Radar Climático e da Libélula que conduziu a pesquisa, fez um diagnóstico sombrio.

“Nos demos conta de que realmente os meios de comunicação não refletem a magnitude da crise que enfrentamos como humanidade”, afirmou.

(Foto: Vulcão Nevado de Quewar, em Salta, na Argentina - Bachelot Pierre J-P, CC BY-SA 3.0)

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