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Publicidade oficial é usada para censurar a mídia e ‘autopromover’ governantes na Colômbia, afirma FLIP

Na Colômbia, “o uso indevido da publicidade oficial é o principal motivo de censura nos meios de comunicação depois da violência”, afirmou Jonathan Bock, diretor da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), à LatAm Journalism Review (LJR).

E, quando falamos de violência na Colômbia, nos referimos a mais de 60 anos de conflito armado interno que o país sofre.

Após doze anos investigando o uso da publicidade oficial na Colômbia, esta é uma das três principais conclusões alcançadas pela equipe de pesquisa da FLIP, organização colombiana especializada em liberdade de imprensa.

A fundação também descobriu que “a publicidade oficial funciona como um subsídio disfarçado”, explicou Bock. “Muitos meios de comunicação dependem economicamente e em grande medida destes recursos publicitários, que são atribuídos sem regras de jogo claras e desviando-se da finalidade que têm”.

Segundo Bock, se os recursos publicitários oficiais fornecidos pelo Estado fossem restringidos, isso afetaria as finanças de 50% ou 60% da mídia colombiana.

Além disso, “nos casos que documentamos, que são centenas nos últimos 12 anos, a publicidade oficial acaba por comprar a posição editorial dos meios de comunicação”, disse o diretor da FLIP. “Esses recursos afetam sim a linha editorial da mídia, que cede suas páginas ao conteúdo de marketing das instituições. Também publicam informações institucionais disfarçadas de jornalismo, sem mencionar que se trata de conteúdo pago, ou então publicam, por exemplo, uma entrevista com um prefeito previamente combinada, sem mencionar isso”.

Os dados que a Pesquisa Nacional sobre Liberdade de Expressão e Acesso à Informação 2023, realizada pelo escritório Cifras & Conceptos, confirma as afirmações de Bock: 44% das 585 pessoas entrevistadas afirmaram conhecer alguém em seu departamento que havia parado de publicar por medo de perder publicidade oficial. E não só: 48% conheciam casos de jornalistas que modificaram a sua posição editorial em troca de um contrato oficial de publicidade.

Um gasto milionário

Para demonstrar os gastos milionários com publicidade oficial e seu impacto na liberdade de expressão, a FLIP realizou uma investigação sobre os gastos realizados pelas administrações públicas colombianas durante a sua gestão nos últimos quatro anos. Sua recente publicação foi intitulada “O custo do ruído” e pode ser baixada aqui.

Os pesquisadores mostram que nos últimos quatro anos foram gastos 650 bilhões de pesos (R$ 839 milhões) colombianos em publicidade oficial, o que para Bock é uma soma muito elevada para esses recursos.

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Jonathan Bock, diretor da Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP), organização que investiga o uso da publicidade oficial na Colômbia. (Foto: Acervo pessoal)

Na publicação da FLIP, os autores dão como exemplo o caso do ex-presidente Ivan Duque (2018-2022), que durante a Greve Nacional, iniciada em 28 de abril de 2021, destinou recursos “para direcionar a opinião pública, com o claro objetivo de criar a narrativa de que os que protestavam nas ruas estavam afetando os interesses do país e de mitigar o risco reputacional” de Duque. Durante seu mandato, o ex-presidente gastou 46 bilhões de pesos colombianos (R$ 59,3 milhões) em publicidade oficial.

Bock disse ainda que esta última investigação durou oito meses, e disse que o acesso às informações que procuravam foi muito difícil.

“Na Colômbia existe uma plataforma onde todas as entidades públicas devem fazer disponibilizar os contratos que realizam, mas não é fácil ter acesso a estes documentos. Os contratos rapidamente têm adendos e alterações, esclarecer as informações é difícil e demorado”.

Além disso, ele disse que, quando consultaram diretamente as instituições públicas sobre o assunto, elas não responderam de forma clara nem com informações completas.

“A opacidade dificulta a realização dessas investigações”, acrescentou.

Outra das dificuldades que o diretor da FLIP identificou ao investigar a publicidade oficial na Colômbia é que “esse tema é um assunto de que ninguém gosta”.

“Quando é discutido e mostrado, ninguém sai bem, nem as autoridades públicas, nem a mídia. É uma vergonha para os meios de comunicação social e pode afetar ainda mais a sua credibilidade porque, no meio da crise midiática, eles aceitam que o seu principal motor são as instituições públicas e adaptam-se às exigências que as instituições lhes impõem.” disse Bock.

A transformação da publicidade oficial na era digital

Bock não falou apenas sobre a má gestão da publicidade oficial por parte das administrações públicas na Colômbia e como os governantes utilizam esses recursos para a “autopromoção” da sua imagem e dos seus esforços. Falou também sobre uma prática que é tendência na região e que anda de mãos dadas, segundo ele, com a falta de transparência: as novas estratégias de comunicação digital implementadas pelas administrações públicas.

“Há uma mudança na forma como as administrações públicas estão a deixar de contratar meios de comunicação tradicionais, e a optar por fazer as suas estratégias de comunicação em redes sociais ou plataformas digitais, e a contratar influenciadores”, afirmou.

Ele deu o exemplo do político Daniel Quintero, ex-prefeito de Medellín entre 2020 e 2023, que, ao final de seu mandato, foi acusado publicamente de ter assinado contratos milionários com influenciadores para promover sua gestão. Quintero rebateu as acusações em sua conta no X (Twitter).

“Em princípio, a utilização destas novas estratégias de comunicação digital pelos governantes é boa, mas com ela surgem outros problemas, como a utilização de recursos públicos para a autopromoção”, disse Bock.

Por exemplo, “com o fenômeno dos influenciadores, não se sabe se a pessoa está dizendo algo de forma orgânica ou porque recebeu recursos públicos”, acrescentou.

“Acho que isso contamina a conversa digital e está colocando um ponto adicional nesses problemas da publicidade oficial: como regular também a contratação de influenciadores? É mais fácil identificar essa publicidade na mídia do que nas redes sociais”, disse Bock.

Por uma publicidade oficial regulamentada

“Falta legislação na Colômbia para regular a forma como esses recursos públicos são distribuídos”, disse à LJR Tatiana Velásquez, quando consultada sobre o uso de publicidade oficial na Colômbia. Ela é cofundadora e repórter de La Contratopedia Caribe, meio de comunicação dedicado ao monitoramento da administração pública no Caribe.

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Tatiana Velásquez, repórter e co-fundadora da La Contratopedia Caribe, veículo dedicado ao acompanhamento da administração pública na região. (Foto: Acervo pessoal)

“A atribuição destes recursos não está sendo tratada como recursos públicos do Estado ou recursos oficiais, mas como recursos governamentais, ou seja, dependendo das condições impostas pelo governo no poder”, afirmou.

É assim que, segundo ela, as administrações públicas na Colômbia destinam os montantes de publicidade oficial a alguns meios de comunicação em detrimento de outros, guiadas pelo “clientelismo” ou preferências de linhas editoriais.

Sobre a censura que se exerce com o uso indevido da publicidade oficial na Colômbia, Velásquez considerou que “o padrão acaba influenciando ou direcionando a forma como a mídia cobre as notícias, e às vezes é mais evidente nas regiões [fora da capital], porque se torna a principal, ou mesmo única, fonte de renda da mídia”.

Ela acrescentou que a publicidade oficial não é utilizada apenas pelas administrações públicas para “forçar uma linha editorial específica alinhada com o governo no poder, mas também para silenciar vozes e evitar uma cobertura desconfortável ou um contrapeso ao poder”.

Por tudo isto, a jornalista considerou que na Colômbia é necessária uma publicidade oficial regulamentada e regulada: “para que não seja utilizada como meio de intimidação ou censura aos meios de comunicação, para que os jornalistas não tenham medo de atuar como contrapoder, e para que muitos meios de comunicação possam continuar a subsistir”.

“O que está em jogo é a liberdade de expressão, o direito que os colombianos têm de estar bem informados, de que a informação não seja manipulada por interesses políticos ou econômicos e de que seja o mais próxima possível da realidade ou que inclua a maior quantidade possível de vozes”, acrescentou Velásquez.

Ela disse que La Contratopedia Caribe não aceita publicidade oficial e não o fará até que esta seja regulamentada na Colômbia. O meio é financiado com recursos internacionais baseados em bolsas que não implicam comprometimento de sua agenda, bem como um programa de financiamento colaborativo.

Bock, da FLIP, também mencionou a urgência de regulamentar a publicidade oficial no país e questionou como os recursos publicitários oficiais poderiam ser alocados para um fundo de promoção do jornalismo.

“Seria importante que este recurso criasse um fundo dirigido à comunicação social, sem permitir que fosse um instrumento ao serviço das autoridades”, afirmou.

Traduzido por André Duchiade
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