O fotojornalista Aldair Mejía estava nas proximidades do aeroporto Inca Manco Cápac, na cidade peruana de Juliaca, departamento de Puno, no sul do Peru, cobrindo confrontos entre manifestantes e policiais quando foi ferido na perna e ameaçado de morte por policiais.
Era 7 de janeiro de 2023, dia que marcou um mês da destituição e prisão do presidente Pedro Castillo, que deu origem a uma série de protestos violentos que deixaram quase 50 mortos até 10 de janeiro em várias cidades do país. Desde aquele dia, foram registrados mais de 70 casos de ataques de diversos tipos contra membros da imprensa, nove dos quais nos primeiros 10 dias de 2023.
Mejía contou que por volta das 10 horas da manhã, logo após o início do protesto, dois policiais correram em direção a ele e um deles o derrubou com o escudo.
“Eu dizia: 'imprensa, imprensa, eu sou da imprensa!'. E ele me dizia que eu era um rebelde. Eu não sou um rebelde, sou apenas um jornalista. Ele pegou a minha credencial com força, como se quisesse rasgá-la", disse Mejía ao Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS) do Peru.
Enquanto o fotojornalista se levantava para ir embora, o policial tentou pegar a câmera dele e o ameaçou dizendo que se não saísse dali "explodiria a cabeça [do jornalista]", disse Mejía à Associação Nacional de Jornalistas do Peru (ANP). Momentos depois, quando o jornalista se colocou entre os manifestantes e a polícia para captar imagens, ele foi baleado pela polícia.
“Eu estava olhando meu celular e de repente senti que minha perna ficou dormente e falei ‘eita’ e doeu. Aí então eu vi que estava sangrando e levantei [minha calça] e havia um buraco e as pessoas gritavam ‘bala, bala’”, disse Mejía. Ele acrescentou que no começo não sentia muita dor, mas que com o passar dos minutos começou a sentir.
“Os manifestantes me carregaram para um mercadinho, me isolaram da polícia, e lá limparam o sangue, fizeram um torniquete aqui no joelho para não sair muito sangue”, disse.
Mejía foi transferido para a Clínica Americana de Juliaca, onde, segundo informações da ANP, as autoridades da instituição tentaram dar informações errôneas sobre a origem do ferimento na perna do fotojornalista.
“O que nós, Associação Nacional de Jornalistas, lamentamos é que temos informações de que eles queriam mudar o relatório médico. Apesar de ter sido uma bala de borracha, o chefe da clínica queria dizer que tinha sido uma pedra”, denunciou Zuliana Lainez, presidente da ANP.
Mejía não foi o único jornalista agredido pela polícia durante as manifestações em Juliaca. O IPYS informou que José Yupanqui, da rede Exitosa Noticias, e Reynaldo Coila, da estação local Juliaca la Decana, foram agredidos a empurrões para impedir que cobrissem os confrontos entre policiais e manifestantes.
“O tempo todo os jornalistas se identificavam como imprensa e mostravam suas credenciais. Os policiais tentavam roubá-las e insultavam e ameaçavam", diz um comunicado publicado pelo IPYS.
Dois dias antes, em 5 de janeiro, jornalistas foram agredidos e perseguidos em Lima, capital do país, durante protestos contra o governo de Dina Boluarte, que assumiu o poder após a destituição de Castillo.
O repórter da Panorama TV Bryan Matías foi impedido de cobrir os eventos por manifestantes que jogaram água e objetos nele, e o insultaram.
O fotógrafo Walter Hupiu foi espancado e arrastado por agentes da Polícia Nacional do Peru, apesar de estar claramente identificado como trabalhador da imprensa.
“Sabendo o que eu estava fazendo, sabendo que eu era da imprensa, tentaram me algemar. [...] Acho que a única coisa que os impedia de me algemar era que eu já estava no chão e estava sendo arrastado. Então isso não pode ser normalizado, isso não pode ser recebido de forma alguma pela opinião pública como um procedimento", disse Hupiu durante entrevista coletiva concedida no dia 10 de janeiro por representantes da ANP, IPYS e outras organizações de defesa da liberdade de imprensa, que se reuniram para condenar conjuntamente a violência contra a imprensa e exigir medidas de proteção para os jornalistas.
“As violações à liberdade de informar em uma democracia são inadmissíveis. Rejeitamos qualquer abuso de autoridade, uma vez que estes incidentes não são casos isolados. Exigimos garantias para os colegas que cobrem informações nos protestos e exigimos o fim das perseguições e ameaças à liberdade de imprensa”, lê-se no comunicado conjunto apresentado na conferência de imprensa, da qual participaram representantes da Coordenadoria Nacional dos Direitos Humanos do Peru (CNDDHH), da Associação de Fotojornalistas e da Coordenadoria Nacional de Comunicação.
Até agora, 2022 foi o ano mais violento deste século para a imprensa no Peru. No ano passado houve 303 ataques a jornalistas e meios de comunicação no país, o que supera o recorde de 2020, quando foram registradas 239 agressões, de acordo com o relatório anual da ANP.
Em 2022, dezembro foi o mês com mais ataques às equipes de imprensa, com 63 casos registrados. Os protestos sociais após a destituição de Castillo e contra o governo Boluarte foram o principal fator por trás do aumento dos ataques à imprensa. Segundo a ANP, uma alta porcentagem da violência registrada em dezembro veio de manifestantes.
Um dos primeiros casos deste ano foi o da jornalista Josefina Townsend, do programa de televisão “Sálvese Quien Pueda”. No dia 7 de janeiro ela foi cercada por manifestantes quando cobria o início dos protestos perto do Congresso peruano, em Lima. Uma pessoa puxou o cabelo dela enquanto vários outros a insultavam. Quando ela tentou fugir, os manifestantes a seguiram, continuaram a insultá-la e jogaram objetos contra ela.
Dias depois, em 10 de dezembro, na cidade de Huacho, policiais bateram com cassetetes nos jornalistas Williams Moreno, da Rádio Stereo 92.1, e Sergio García, da Rádio Máxima, que tentavam registrar em vídeo a brutalidade policial contra manifestantes em uma estrada.
O dia 12 de dezembro foi um dos mais violentos do mês para a imprensa peruana. Na cidade de Ica, no sul do país, o jornalista Alí Ayala e seu colega cinegrafista Rafael Palacios, da rede TV Peru, estavam fazendo uma transmissão ao vivo de um protesto em uma estrada quando se aproximou um ônibus do qual saiu um grupo de pessoas que atacaram os jornalistas.
Um dos agressores começou a agredi-los com uma mangueira com ponta de metal até que ambos caíram no chão e foram chutados. Os agressores quebraram os vidros do automóvel de Ayala e Palacios e destruíram a câmera.
“Entendemos as queixas, a situação de crise do país, mas eles vieram contra nosso meio de comunicação, que na verdade estamos cobrindo todos esses protestos, todas essas reivindicações, e eles vieram diretamente, sem dizer uma palavra, nos atacar, para quebrar nosso equipamento de televisão”, disse Ayala durante transmissão da TV Peru.
Nesse mesmo dia, as instalações de pelo menos quatro meios de comunicação foram violentamente vandalizadas em Lima. Um grupo de cerca de 20 pessoas chegou à sede da Panamericana Televisión, jogou pedras nas janelas e entrou no prédio. Segundo imagens divulgadas nas redes sociais, o saguão do canal ficou parcialmente destruído. Os agressores conseguiram entrar na área dos fóruns e as pedras que atiraram chegaram no segundo andar, onde os jornalistas trabalham. Depois, o grupo se dirigiu às sedes do Canal N e da América Televisión, onde realizaram atos semelhantes.
Também em Lima, na mesma noite, um automóvel pertencente à rede Exitosa Notícias foi vandalizado e o motorista, Víctor Nolly, que estava lá dentro esperando seu colega repórter e cinegrafista, foi espancado e insultado. Em imagens transmitidas pela TV, um grupo de pessoas pode ser visto balançando o carro até ele virar.
"Delinquentes atacaram @exitosape. Destruíram nossa unidade móvel e espancaram o motorista. Isso não é um protesto pacífico”, tuitou o jornalista Jesús Verde.
Diante de eventos dessa magnitude, as condenações e o repúdio de parte da sociedade e de organizações de direitos humanos não demoraram. O Relator Especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Pedro Vaca, manifestou preocupação com os acontecimentos e viajou ao país para observar de perto as condições em que ocorre a cobertura jornalística.
“Associo-me à preocupação quanto às condições de segurança para o deslocamento dos jornalistas e ao repúdio a toda a violência que tem sido exercida nas últimas semanas. É importante convocar expressamente as autoridades para que contribuam para um ambiente favorável à deliberação pública”, disse Vaca em áudio reproduzido durante a coletiva de entidades defensoras da liberdade de imprensa no dia 10 de janeiro.
No mesmo evento, a presidenta da ANP disse que os ataques contra jornalistas representam um comportamento sistemático que remonta a muito tempo atrás e que isso se deve em grande parte ao fato de que no Peru não existe um protocolo que garanta o exercício seguro do jornalismo.
“Nossa primeira revindicação é que as responsabilidades sejam identificadas imediatamente [...]. Queremos um processo de fiscalização rápido, para saber quem é o responsável [por cada ataque], que sejam punidos de forma exemplar para evitar que esses eventos voltem a acontecer. Isso, e estabelecer um protocolo de atuação entre a imprensa e a polícia o quanto antes é fundamental”, disse Zuliana Lainez ao telejornal 24 Horas após a entrevista coletiva.
Por sua vez, Adriana León, chefe da Área de Liberdade de Imprensa do IPYS, disse que a imprensa tem um papel fundamental na crise política e social que o Peru vive atualmente e lamentou que os meios de comunicação não estejam registrando a situação como deveriam.
Representantes do Conselho de Imprensa Peruana (CPP) reuniram-se no fim de dezembro com a presidente Boluarte para pedir que ela assinasse a Declaração de Chapultepec, o decálogo que compromete os governos signatários a garantir o respeito à liberdade de expressão e de imprensa acima de qualquer lei ou ato de poder.
A presidenta do CPP, María Eugenia Mohme, disse que ela e outros líderes da organização expressaram à presidente do país sua preocupação com as mortes nos protestos e com a integridade dos jornalistas em meio aos excessos. Pediram medidas para que a imprensa possa trabalhar.
Por sua vez, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) expressou sua preocupação com os perigos que os jornalistas peruanos enfrentam. Segundo a SIP, o trabalho dos profissionais tem sido prejudicado durante a cobertura jornalística devido a ataques, ameaças e roubo de equipamentos.
“[Pedimos às autoridades que] ativem com urgência seus protocolos de segurança e proteção para evitar que os jornalistas se exponham a riscos durante o trabalho”, disse Carlos Jornet, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, em comunicado.