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Arquivo pessoal de ex-editora do jornal Tico Times encontra novo lar em biblioteca no Texas

No final da década de 1970, quando o principal jornal de língua inglesa da Costa Rica estava cobrindo as várias guerras na América Central, exemplares do The Tico Times circulavam entre leitores de todo o mundo, do Afeganistão ao Alasca.

No mês passado, edições do jornal mais uma vez fizeram uma viagem transnacional, desta vez para seu novo lar na Coleção Latino-Americana Nettie Lee Benson da Universidade do Texas em Austin.

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O Tico Times, fotografado aqui em 1990, serviu como um campo de treinamento para jornalistas que trabalhavam em inglês na América Central. (Foto cedida por Lezak Shallat)

Os 45 tomos que compõem a história impressa da premiada publicação em inglês estavam na casa da falecida editora e publisher Dery Dyer, que morreu em setembro de 2020 devido a um câncer de pulmão. O viúvo de Dyer, Jim Molloy, estava vendendo o imóvel e não sabia o que fazer com eles.

"Eu realmente queria colocar os arquivos pessoais de Dery em um lugar onde pudessem ser acessados por pessoas interessadas e eu não sabia onde ir", disse Molloy à LatAm Journalism Review (LJR).

De 1956 a 2012 – com um breve intervalo de 12 anos a partir de 1960 – o The Tico Times publicou um jornal semanal e serviu como campo de treinamento para aqueles que se depararam com sua sede em San José, Costa Rica, ou que o procuraram como ponto de entrada para reportagens sobre a América Latina.

Uma dessas jornalistas era Lezak Shallat. Há cerca de um ano, a jornalista freelancer se viu relembrando com uma amiga sobre uma viagem à Nicarágua no final dos anos 1970, quando estava a serviço do The Tico Times.

De repente, um pensamento preocupante passou por sua cabeça.

"Fiquei paralisada e disse: 'Espere, mas onde está o The Tico Times?”, disse Shallat, que agora mora na Califórnia, à LJR. “Naquele momento, ocorreu-me que ninguém realmente sabia e que eu precisava entrar em contato com Jim e descobrir.”

Shallat, que havia feito mestrado em Estudos Latino-Americanos na Universidade do Texas em Austin, pensou imediatamente na Benson, uma das principais bibliotecas relacionadas à América Latina do mundo. Ela decidiu procurar uma pessoa na biblioteca indicada por um antigo professor.

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A Benson Latin American Collection tem mais de um milhão de recursos dedicados à América Latina e às comunidades latinas dos EUA, de acordo com Daniel Arbino, diretor de desenvolvimento de coleções da biblioteca. (Hugo Ortiz/Centro Knight)

"O Tico Times cobria a Costa Rica e a América Central em uma época em que a região estava imersa em conflitos e era objeto de atenção da mídia internacional. Publicou muitas reportagens importantes e serviu de base para jornalistas estrangeiros que faziam reportagens sobre a região", escreveu Shallat em um email para Daniel Arbino, diretor de desenvolvimento de coleções da Benson.

Um ano depois, os 45 livros extragrandes que compõem o arquivo pessoal da família Dyer do The Tico Times começaram sua jornada para o Texas, chegando finalmente em setembro de 2023.

"Esse é um jornal muito especial para nós", disse Arbino à LJR enquanto folheava os pesados volumes que atualmente estão sobre uma mesa em seu escritório, onde também estão dispostos nas prateleiras e no chão em grandes caixas cinzas.

De um projeto no ensino médio à cobertura das crises da América Central

Os expatriados norte-americanos Elisabeth e Richard Dyer fundaram o The Tico Times em maio de 1956, depois que ela foi procurada por alunos do ensino médio da Lincoln School, em San José, que queriam aprender sobre jornalismo. Elisabeth Dyer havia trabalhado para o New York Post e publicações da editora Hearst, e seu marido para a Associated Press e o International News Service.

O jornal deixou de ser impresso temporariamente em 1960, quando os Dyer se mudaram para o Chile. Após a morte de Elisabeth, Richard Dyer e sua filha Dery retornaram à Costa Rica em 1971, e a impressão foi retomada em fevereiro de 1972 com Dery como editora.

Cover page of The Tico Times in 1973

Eduardo Ulibarri, ex-diretor do jornal costarriquenho La Nación, disse que o The Tico Times era independente e crítico das políticas dos EUA. (Hugo Ortiz/Centro Knight)

 

 

"Durante o período de crise na América Central, quando o confrontamento ideológico estava em seu auge, com os contras na Nicarágua e o apoio do governo de Ronald Reagan aos contras, [o Tico Times] sempre manteve uma posição muito independente e crítica em relação às políticas do governo dos Estados Unidos", disse Eduardo Ulibarri, ex-diretor do jornal costarriquenho La Nación, ao AmeliaRueda.com após a morte de Dery Dyer.

Um exemplo é a reportagem do jornal sobre a descoberta de uma pista de pouso usada pelos contras, contrarrevolucionários nicaraguenses que eram apoiados pelo governo dos EUA.

A crise atingiu tragicamente o jornal em 1984, quando uma de suas repórteres, Linda Frazier, foi morta em um atentado a bomba em uma conferência de imprensa realizada pelo líder guerrilheiro Edén Pastora na Nicarágua.

Posteriormente, os jornalistas do jornal também cobriram os Acordos de Paz da América Central no final da década de 1980.

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Lezak Shallat brinca com o gato do The Tico Times, Beanbag, na redação do jornal em 1981. (Foto cedida por Lezak Shallat)

"O Tico Times tinha uma visão única dos acontecimentos na Costa Rica e na América Central porque podíamos cobrir os fatos semana a semana e nos aprofundar um pouco", disse John McPhaul, um veterano do Tico Times, à LJR. “Toda a iniciativa de paz do [ex-presidente da Costa Rica Óscar] Arias foi um processo, e o The Tico Times conseguiu cobri-lo em profundidade.”

Depois que Arias ganhou o Prêmio Nobel em 1987, disse McPhaul, pessoas de todo o mundo começaram a procurar o The Tico Times para obter informações sobre a possibilidade de se estabelecer ou investir na Costa Rica. Quando entrou para o jornal em 1980, disse ele, o público era formado principalmente por líderes costarriquenhos e pela comunidade local de cidadãos estrangeiros, bem como por jornalistas de jornais locais.

À medida que o ecoturismo crescia na Costa Rica, esse também se tornou um tema para os jornalistas. Eles também cobriram o desmatamento e os esforços para reflorestar as áreas afetadas.

"Na década de 2000, o jornal se tornou uma importante fonte de informações para a crescente comunidade de expatriados americanos e europeus", observou McPhaul em um comovente tributo de 2020 a Dery Dyer, que se tornou publisher em 1996, após a morte de seu pai.

Um legado

Em 2006, 50 anos após sua fundação, Dery Dyer refletiu sobre o legado do jornal.

"Por um lado, tentamos explicar o que é a Costa Rica e suas idiossincrasias aos leitores que conhecem o país. Por outro lado, tentamos trazer ideias que não são familiares no país. Por exemplo, há muitos anos insistimos na questão do cuidado com o meio ambiente", disse Dery Dyer ao jornal La Nación.

Na época, o The Tico Times tinha mais de 60 funcionários e uma tiragem de 15 mil exemplares. Também tinha um pequeno jornal de língua inglesa na Nicarágua, o "The Nica Times".

No entanto, a crise do modelo de negócios que tirou a vida de muitas publicações impressas em todo o mundo também chegou à Costa Rica. O Tico Times encerrou sua edição impressa em 2012 após sofrer grandes perdas em publicidade. A publicação online, depois de muitas mudanças de proprietários, existe até hoje.

Two volumes of The Tico Times, one red and one green

Impresso de 1956 a 2012, o The Tico Times cobriu a América Central para um público de língua inglesa na Costa Rica e no exterior. (Hugo Ortiz/Centro Knight)

Entre os legados do jornal está seu papel na campanha para acabar com a licença obrigatória para jornalistas trabalharem no país.

Em 1983, um jornalista do Tico Times, Stephen Schmidt, recebeu uma pena suspensa de três meses de prisão por exercer o jornalismo sem licença. Todos os jornalistas que trabalham na Costa Rica precisavam ser licenciados pelo Colegio de Periodistas, a associação nacional de jornalistas.

Em um parecer consultivo de 1985, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) rejeitou os argumentos do Estado para o licenciamento compulsório no que "se tornou o padrão predominante sobre essa questão no Sistema Interamericano", de acordo com a Organização dos Estados Americanos (OEA).

A Suprema Corte da Costa Rica finalmente anulou a lei de licenciamento em 1995. Nesse mesmo ano, Richard Dyer recebeu o Grande Prêmio de Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) por sua luta contra a exigência de licença.

The Rare Books Reading Room at the Benson Latin American Collection

O arquivo do Tico Times estará disponível ao público para acesso na Sala de Leitura de Livros Raros da biblioteca Benson. (Hugo Ortiz/Centro Knight)

O Tico Times também foi reconhecido por outros prêmios na região, incluindo o prestigioso Prêmio Maria Moors Cabot da Universidade de Columbia, que Richard e Dery Dyer receberam em 1985.

O jornal também recebeu elogios de colegas de publicações concorrentes.

Um artigo da Associated Press de 1979 – frequentemente citado por ex-trabalhadores do jornal – citou o editor do La Nación, Guido Fernández, dizendo que o The Tico Times "introduziu o profissionalismo no jornalismo costarriquenho" e "liderou o jornalismo investigativo" no país.

Os jornalistas que trabalharam com os Dyers também fazem parte do legado do The Tico Times.

"[Dery Dyer] tinha muito orgulho do fato de que muitos dos jornalistas do Tico Times passaram a ter empregos jornalísticos maiores e mais importantes e muitos deles atribuíram o início e o aprendizado do jornalismo a Dery e ao tempo que passaram no Tico Times", disse Molloy.

Agora que os arquivos do The Tico Times estão em Austin, assim que forem catalogados, estarão disponíveis ao público na Sala de Leitura de Livros Raros. Shallat disse que ela e seus ex-colegas estão planejando uma viagem para folhear as páginas e encontrar reportagens antigas.

Molloy expressou sua gratidão à ex-jornalista do Tico Times por seu trabalho para garantir que as edições impressas encontrassem um porto seguro.

Quanto a como Dery Dyer se sentiria, "acho que ela estaria muito feliz", disse ele.

Traduzido por Carolina de Assis
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