"Em Veracruz foi possível matar tantos jornalistas porque fazer isso não tem nenhum custo político", disse a jornalista independente Paula Mónaco Felipe à LatAm Journalism Review (LJR).
Veracruz é um dos estados mexicanos mais perigosos para ser jornalista e o México é considerado um dos países mais perigosos do mundo para exercer o jornalismo. Entre os anos de 2010 e 2016, pelo menos 17 jornalistas foram assassinados em Veracruz e outros três desapareceram.
"Decidimos olhar para trás e estudar esse período de tempo para responder à pergunta: por que matam jornalistas?", acrescentou Mónaco, que foi responsável por reportagem, redação e edição da recente investigação "Veracruz de los silencios" (“Veracruz dos silêncios”).
De acordo com a equipe de investigação, nos 20 casos estudados, mais de 60 pessoas foram identificadas pelas autoridades como possíveis autores, mas apenas 29 pessoas foram investigadas, acusadas e algumas presas.
A violência letal contra jornalistas em Veracruz e suas consequências são conhecidas mundialmente, mas a investigação da Artigo 19 traz novas descobertas.
A primeira coisa que Mônaco e Maria De Vecchi, oficial do Programa de Verdade e Memória da organização, disseram à LJR é que a censura, o medo e o silêncio persistem para os jornalistas em Veracruz e para as famílias dos jornalistas assassinados. Elas também comentaram que ainda não há "quase nenhum acesso às fontes oficiais originais" da época relacionadas a esses casos.
Uma das principais contribuições da pesquisa é a abordagem macrocriminal, liderada pela especialista María Eloisa Quintero, advogada, pesquisadora e consultora internacional em macrocriminalidade. O conceito se refere a atos criminosos que ocorrem em grande escala ou a crimes internacionais que incorporam políticas e práticas institucionais.
Elas identificaram que a maioria dos corpos dos jornalistas assassinados foi deixada em vias públicas (apenas dois corpos foram encontrados em fossas), "uma mensagem de terror para gerar silêncio", explicou De Vecchi.
Mas também "descobrimos que a maioria dos jornalistas assassinados foi vítima de tortura. Eles ficaram por um período de tempo nas mãos de seus captores, que obtiveram informações por meio de tortura e, em alguns casos, levaram suas ferramentas de trabalho", disse Mónaco. "O Estado minimizou o fato de que eles eram jornalistas, mas essa informação nos ajuda a entender que eles podem ter sido assassinados por seu trabalho jornalístico.”
Em um cenário de impunidade como o de Veracruz, as pesquisadoras enfatizaram que o trabalho dos jornalistas assassinados e desaparecidos foi apagado: "A maioria das páginas onde eles publicavam está fora do ar. Nas empresas onde trabalhavam, nada foi guardado. Na hemeroteca estatal, disseram-nos que haviam jogado fora todos os jornais daquele período, e as famílias deixaram de ter o arquivo por medo do que isso poderia implicar", explicou Mónaco. "É como se esse período nunca tivesse existido.”
A investigação foi realizada entre junho de 2022 e outubro de 2023. A equipe de pesquisa fez quatro viagens a Veracruz. Elas entrevistaram 33 jornalistas, familiares de vítimas, ex-funcionários públicos e especialistas sobre a violência em Veracruz e no México entre 2010 e 2016.
Também analisaram mais de 350 fontes abertas (de acesso e uso público) para conhecer o discurso das autoridades antes e depois dos assassinatos e desaparecimentos de jornalistas. Fizeram 288 solicitações de informações via transparência para autoridades federais, estaduais e locais. Obtiveram 86 documentos do Registro Público de Comércio e 20 de outros registros e cadastros oficiais.
Mónaco disse que solicitou "ao Ministério Público e a vários órgãos do governo de Veracruz comunicações e boletins oficiais sobre os casos, acesso a arquivos, notícias sobre linhas de investigação, acordos e contratos de publicidade, e quase todos foram negados. Nos disseram 'não temos essa informação, ela não existe mais'".
Além disso, a jornalista reconheceu que "foi muito difícil para as pessoas quererem falar, colocar seu rosto e sua voz nas entrevistas. É por isso que chamamos [a investigação] de Veracruz dos silêncios.”
De acordo com as autoras da investigação, um fato que não é menor, mas é pouco discutido no México, é o papel da mídia ("empresas", como foram chamadas) nos assassinatos e desaparecimentos de jornalistas.
"Nos primeiros anos de assassinatos contra a imprensa no México, as pessoas pensavam que eram os traficantes de drogas que os matavam. Depois se soube que eles também eram assassinados pelo Estado, entre 40% e 65% das agressões contra a imprensa [assassinatos, ameaças, sequestros, entre outros] no México foram perpetradas por agentes do Estado", disse Mónaco. "Esses são os dois elementos analisados até agora."
Para tornar esse quadro mais complexo, durante a investigação elas encontraram duas condições que, segundo elas, os meios de comunicação permitem e facilitam a violência contra a imprensa: concentração da mídia e conflito de interesses por parte de seus proprietários.
A equipe de investigação descobriu que, durante o período de seis anos analisado, havia 108 veículos de mídia impressa no estado de Veracruz, e que 19 dos 20 jornalistas assassinados e desaparecidos durante esse período trabalhavam em um desses meios (não em rádio ou televisão).
Também descobriram que, entre eles, três grupos corporativos editavam 24 dos meios impressos mais influentes do estado.
"A mídia concentrada em poucas famílias que também pertencem à classe política é uma trama obscura que permite a violência contra jornalistas", de acordo com Mónaco.
"Essas empresas operavam de forma bastante opaca, a maioria delas eram sociedades anônimas com capital variável. Elas tinham ações que não eram muito transparentes em termos de tributação, e apenas uma delas tinha o objetivo corporativo de editar meios de comunicação", explicou Mónaco. Ela acrescentou que as demais estavam autorizadas a vender aparelhos de ar condicionado, televisores, geladeiras e a realizar trabalhos de construção, mas não a editar meios.
"As famílias proprietárias desses meios de comunicação participavam da vida política e ocupavam cargos políticos em Veracruz, portanto, alocavam fundos públicos para suas próprias empresas", explicou Mónaco em uma entrevista.
"Essas são as empresas que pagam aos jornalistas 200 dólares por mês para cobrir temas perigosos enquanto recebem milhões de pesos. Isso condicionou a linha editorial e os jornalistas não sabiam de que lado estavam jogando", disse Mónaco.
Embora haja muito pouco registro do trabalho dos jornalistas assassinados e desaparecidos durante o período de 2010-2016 em Veracruz, Jorge Sánchez está mantendo vivo o legado de seu pai.
Moisés Sánchez era um jornalista de destaque em Medellín de Bravo, uma cidade localizada no estado de Veracruz. Seu corpo foi encontrado em 24 de janeiro de 2015, depois de ter sido sequestrado de sua casa e desaparecido. Desde o início, houve suspeitas – inclusive das autoridades – de que o então prefeito da cidade, Omar Cruz Reyes, e membros da Polícia Municipal poderiam estar envolvidos. No entanto, Cruz negou o fato e ninguém foi acusado.
A luta de Jorge Sánchez não envolve apenas exigir justiça pelo assassinato de seu pai, mas ele continua a editar o meio de comunicação independente que Moisés fundou: La Unión Veracruz. Sánchez aprendeu seu ofício na prática com seu pai desde os 13 anos de idade e depois estudou ciência da computação.
"Meu pai me disse que o governo não faz nada a menos que haja pressão social, e a mídia está lá para exercer pressão", disse Sánchez à LJR, explicando uma das razões pelas quais ele continua com o meio.
Sánchez disse que seu pai começou a trabalhar como jornalista na década de 1980 e sempre trabalhou de forma independente. Ele era responsável por todo o processo: fazer as entrevistas, coletar as informações, escrever, diagramar, imprimir e distribuir os exemplares. Dessa forma, de acordo com Sánchez, ele se tornou um jornalista de destaque na região.
Atualmente, Sánchez disse que, em Veracruz, "muitas vezes alguém publica a notícia de que uma pessoa foi assassinada ou sequestrada e depois falam com você para retirar a informação, que não se pode cobrir isso, que não foi um sequestro. Os narcopolíticos identificaram muito claramente o que querem divulgar e o que não querem".
Em seu caso, ele acrescentou que decidiu deixar a "cobertura de crimes porque é muito complicado trabalhar nessa área". Além disso, ele disse que "a informação é muito controlada e, se um jornalista é assassinado, a mensagem imediata é que ele deve estar fazendo alguma coisa, que não estava tramando nada de bom".
"[No México], ninguém fica chocado e ninguém sabe quantos jornalistas foram assassinados", disse Mónaco.
Durante a entrevista com a LJR, as pesquisadoras compartilharam uma série de medidas que, segundo elas, ajudariam a mitigar a violência contra jornalistas em Veracruz e no México.
Por exemplo, limitar a quantia de dinheiro que as autoridades distribuem como publicidade oficial, que, segundo elas, até o momento é dada de forma desigual e por decisões políticas.
"Quando o governo de Duarte terminou, pelo menos 16 meios de comunicação foram fechados; esse era o nível de dependência econômica", disse Mónaco.
Javier Duarte de Ochoa foi governador de Veracruz no período de 2010 a 2016, agora condenado por associação criminosa e lavagem de dinheiro e atualmente na prisão. Ele também foi acusado do crime de desaparecimento forçado.
Além disso, Mónaco disse que é necessário evitar o conflito de interesses entre os setores político e empresarial e a mídia; salvaguardar o trabalho dos jornalistas assassinados para facilitar a investigação do crime e construir a memória; facilitar o acesso aos arquivos para as famílias dos jornalistas assassinados e a representação legal; investigar os casos além dos autores materiais e responsabilizar os autores intelectuais; e melhorar o mecanismo de proteção para os jornalistas no México, que não é suficiente para o nível de violência a que estão expostos por causa de seu trabalho.
Para as pesquisadoras, também é importante melhorar as condições de trabalho dos jornalistas e exigir que a mídia responda por seus assassinatos e desaparecimentos. Caso contrário, acontecerá o que Mónaco contou sobre o assassinato de Gregorio Jiménez, um jornalista de Veracruz que foi sequestrado por um grupo armado em 5 de fevereiro de 2014 e depois encontrado morto em uma fossa: "Fui ao funeral de Gregorio Jiménez e os meios para os quais ele trabalhava não quiseram nem pagar pelo caixão".