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Assembleia Nacional do Equador elimina controverso órgão de sanções com reforma na Lei de Comunicação

Após um segundo e último debate, em 18 de dezembro, a Assembléia Nacional do Equador aprovou reformas na Lei Orgânica de Comunicação (LOC) do país, indicada por especialistas como a mais repressiva do continente.

Um dos elementos mais significativos da reforma é a eliminação da Superintendência de Informação e Comunicação (Supercom), criada pela LOC quando foi aprovada em 2013, quando Rafael Correa era presidente. Esse órgão era responsável por monitorar o conteúdo da mídia e fazer cumprir a lei, com a capacidade de iniciar investigações contra a mídia ou jornalistas, bem como impor sanções quando considerasse necessário. As sanções variavam de multas a publicação de retificações ou desculpas públicas.

A existência dessa entidade, que poderia ser juiz e júri em casos contra a mídia, foi um dos pontos mais criticados da LOC. Sua primeira decisão de forçar um cartunista a publicar uma retificação de seu trabalho apenas levantou mais questionamentos e críticas ao seu trabalho. Nos primeiros quatro anos de operação - de acordo com um relatório da própria entidade - 1.081 casos contra a mídia e jornalistas foram abertos. De acordo com um estudo de 2017 da Fundamedios, 675 terminaram em sanções que vão desde retificações, respostas, entregas de cópias de programas, sanções públicas, medidas administrativas, entre outras.

O projeto também eliminou a figura do “linchamento midiático”, que tinha o poder de transformar uma investigação jornalística em crime. Códigos éticos e regras de comunicação também foram eliminados, informou a Assembleia.

“De certa forma [o sentimento é] celebrar o desmantelamento do sistema punitivo, o sistema de sanções contra a mídia que foi o epicentro de um sistema repressivo no Equador”, disse César Ricaurte, diretor da Fundamedios, ao Centro Knight. Fundamedios é uma das organizações que formaram o Grupo Democrático pela Reforma da Lei da Comunicação. Um grupo que liderou as discussões - por pouco mais de oito meses - sobre a reforma que a lei deveria ter.

"O desmantelamento desse sistema punitivo é algo realmente digno de destaque e nosso sentimento é de alívio que o esforço que foi feito ao longo desses meses de discutir a reforma da lei valeu a pena", acrescentou Ricaurte.

A reforma dá ao Supercom um prazo de 180 dias para rever seus processos e reverter as sanções onde devem ser dadas, disse Ricaurte.

“Há um elemento muito interessante para deixar claro também que o que aconteceu com a Lei de Comunicação no Equador foi parte de uma política estatal de abuso sistemático na área de direitos humanos”, disse Ricaurte.

No entanto, ele ressaltou que eles estão "razoavelmente felizes", mas não "satisfeitos". Ricaurte disse que, mesmo que o resultado final possa ser balanceado, a reforma seria 70% positiva, mas ainda há um caminho para melhorar as garantias de liberdade de expressão no país.

Por exemplo, ele destacou como preocupante que o órgão regulador que permanece na lei, o Cordicom (Conselho de Regulação, Desenvolvimento e Promoção da Informação e Comunicação) "não corresponde aos padrões internacionais para um organismo dessa natureza", segundo Ricaurte. Embora o Cordicom não assuma as responsabilidades do Supercom, ele possui funções reguladoras e normativas, ao emitir regulamentações, por exemplo.

“As normas internacionais dizem que uma organização dessa natureza deve ser absolutamente apolítica, sem influência do governo e de alto nível técnico”, explicou Ricaurte. Com a composição atual, ele disse, o governo tem uma grande influência nisso.

Outra questão que não foi revogada tem a ver com o artigo sobre circulação de informações restritas. Este artigo restringe a publicação de casos judiciais pela mídia, que em seu entendimento “limita de alguma forma o exercício do jornalismo investigativo”.

A profissionalização do trabalho jornalístico também preocupa a comunidade. “É lamentável que não se entenda que na realidade não estamos falando de uma lei para jornalistas, mas de uma lei que regule um direito humano fundamental que é a liberdade de expressão”, disse Ricaurte, para quem este artigo apenas coloca obstáculos para a exercício deste direito.

Sem dúvida, uma das questões mais controversas tem a ver com a concessão de frequências. Por meio de uma cláusula transitória, "aprovada no último minuto", segundo Ricaurte, uma renovação automática é feita para os meios de comunicação que finalizaram o contrato com o Estado, incluindo mídia pública, privada e comunitária. No entanto, de acordo com Ricaurte, “basicamente favorece a mídia privada”.

“É uma reforma com a qual não concordamos, por isso expressamos isso em uma declaração pública. Acreditamos que deve haver processo de licitação para frequências, e devem ser processos realizados com transparência e com absoluta imparcialidade e com absoluta adequação. Essa forma direta que acreditamos não é a mais adequada ”, explicou Ricaurte.

Uma agenda de reformas

Ricaurte salienta que, embora este seja um desenvolvimento muito significativo, a implementação, como tal, da lei reformada requer trabalho e a junção de forças por mídia, jornalistas, sociedade civil e pelo próprio Estado.

Com a eliminação do Supercom, é necessário desenvolver um "sistema sólido de auto-regulação", de acordo com Ricaurte, para que a mídia possa atender às necessidades de seus públicos e responder clara e prontamente a futuras reivindicações.

Ele também considera a formação de operadores de Justiça do país em padrões internacionais de liberdade de expressão mais relevantes do que nunca. Tendo em mente que alguns casos devem ser resolvidos por juízes, eles devem se apropriar desses padrões para que “possam pesar na devida forma os direitos que podem entrar em conflito”.

Mas a estrada não termina aqui. Para organizações como a Fundamedios, o trabalho para melhorar as garantias da liberdade de expressão requer não apenas uma boa implementação da reforma, mas também trabalhar na reforma e na criação de outras leis.

"Eu diria que 2019 é um ano em que temos que trabalhar na implementação da lei e outras reformas legais", disse Ricaurte. "Não é apenas a lei da comunicação, a Lei da Comunicação foi a ferramenta fundamental deste regime de sanções, deste regime de repressão contra a liberdade de expressão - criado durante o ‘correísmo’ - mas não é a única ferramenta."

Por exemplo, de acordo com Ricaurte, é necessário começar a debater seriamente sobre a criação de uma lei sobre mídia pública e sobre publicidade oficial, e sobre reformas profundas para as leis sobre a proteção de dados pessoais e acesso à informação pública.

O projeto de lei que reforma a LOC recebeu 75 votos a favor da reforma, 25 contra e 7 abstenções, informou o jornal El Comercio. O documento passou agora para as mãos do presidente do país, Lenín Moreno, que pode fazer observações ou vetos, para finalmente ser publicado no Diário Oficial, acrescentou o jornal.

O projeto de reforma foi promovido por Moreno e enviado à legislatura em maio passado. Depois de tomar conhecimento da aprovação da Assembléia, Moreno expressou gratidão em sua conta no Twitter por uma lei que “recupera a liberdade de expressão e pensamento”. “Eu parabenizo todos os cidadãos por essa conquista. Não vamos esquecer que, com liberdades, vêm grandes responsabilidades”, escreveu o presidente.

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