*Por David Maas, publicado originalmente por IJNet.
Carlos Dada nunca quis virar notícia.
Para Dada, os laços entre o governo de El Salvador e as infames gangues do país são as histórias que valem a pena contar. Assim como o são as viagens de "pesadelo” que muitos salvadorenhos fizeram para imigrar para os Estados Unidos e a corrupção disseminada no governo.
Dada e sua equipe do El Faro ("O Farol") têm iluminado os cantos sombrios de seu país e da região desde a fundação do veículo — a primeira iniciativa de mídia exclusivamente digital na América Latina — junto com o empreendedor Jorge Simán em 1998. Por causa disso, eles provocaram a ira de um governo cada vez mais autoritário.
"Não é ideal que nenhum jornalista se torne a notícia. Nós escrevemos notícias. Nós investigamos notícias. Nós não somos as notícias", diz Dada. Porém, em janeiro foi revelado que o atual governo de Nayib Bukele monitorou os repórteres do El Faro com o spyware Pegasus por mais de um ano, de junho de 2020 a novembro de 2021. "De repente, nós viramos a notícia. E isso tem demandado muitos recursos."
Dada e sua equipe já tinham sido vigiados antes, bem como tiveram suas conversas grampeadas, ele explica. Mas a revelação sobre o uso do Pegasus foi longe demais. "Perceber que as pessoas que querem te machucar têm fotos das pessoas que você ama, da sua família, as conversas com a sua família [...] Eles não precisavam mais seguir a gente. Eles tinham nossa geolocalização. Eles tinham nossas conversas", diz Dada.
“Eles tinham tudo. Isso ultrapassou os limites.”
Durante a sangrenta guerra civil de 12 anos de El Salvador que deixou 75.000 pessoas mortas, Dada viveu com sua família no exílio no México. Após a guerra, que terminou em 1992, ele começou a passar o verão novamente em seu país de origem, antes de retornar de vez em 1997.
Com a entrada de El Salvador em seu futuro pós-guerra, Dada e Simán vislumbraram o papel crítico que um veículo jornalístico poderia desempenhar. "Era ainda mais óbvio que a nova era que o país estava entrando precisava de um novo tipo de mídia", diz Dada. Com o objetivo em mente, os dois lançaram o El Faro um ano depois.
Desde então o El Faro deixou sua marca por meio de investigações narrativas renomadas e criadas de forma única. Com uma cobertura tanto em espanhol quanto em inglês, o veículo também publicou livros e produziu documentários e podcasts.
Dentre as reportagens mais conhecidas de Dada estão sua investigação sobre o consequente assassinato do arcebispo Oscar Arnulfo Romero, cuja morte foi um ponto de ruptura de El Salvador rumo à guerra civil, e seu mergulho profundo na conspiração por trás do assassinato de seis padres jesuítas em 1989. No ano passado, Dada revelou ligações entre traficantes de drogas e líderes políticos em Honduras.
Junto com os repórteres do El Faro no México, Dada liderou reportagens aprofundadas sobre as tristes realidades da vida nas rotas de migração de El Salvador até os Estados Unidos. "Nós entendemos muito rapidamente que esse era um mundo que não tínhamos visto antes e que milhões de salvadorenhos conheciam", relembra Dada. "Isso mudou nossa perspectiva sobre o porquê tantas pessoas estavam dispostas a passar por esse pesadelo, esse inferno, para fugir do país."
As revelações sobre o uso do Pegasus são um resumo do olhar atento sob o qual Dada e seus colegas têm estado por anos por causa de seu trabalho. A intimidação também é corriqueira. "Em todos esses anos, recebemos todos os tipos de ameaças. Ameaças de traficantes de drogas. Ameaças da polícia. Ameaças de gangues. Ameaças de políticos. Ameaças de ex-criminosos de guerra", diz Dada.
O presidente salvadorenho Bukele acusou Dada publicamente de lavagem de dinheiro, uma tática vista em outros países autoritários como a vizinha Guatemala, que usou acusações similares recentemente para deter o jornalista José Rubén Zamora. Buekele e seus apoiadores também fomentaram a violência online, no Twitter, Facebook e YouTube, contra repórteres do El Faro e suas fontes, conta Dada.
"Nós nunca enfrentamos uma situação como a que vivemos agora, em que as ameaças vêm de um regime inteiro", diz. "Quando uma pessoa tão poderosa ou um grupo no poder te declara como inimigo, significa que eles têm o poder para usar toda a institucionalidade do estado contra você. Não há muitas formas de você se defender. Eles provaram seguidas vezes o quanto querem nos silenciar."
Em abril deste ano, El Salvador aprovou uma lei que criminaliza reportagens sobre gangues, com penas de até 15 anos na prisão. Ela é conhecida coloquialmente como a "lei El Faro", observa Dada — uma retaliação à cobertura da redação sobre negociações entre os principais partidos políticos do país e gangues para apoio eleitoral. A lei forçou a redação do El Faro a um semiexílio atualmente, com os repórteres saindo e voltando ao país regularmente.
"Nós decidimos que não queremos ficar em silêncio", diz Dada. “Seguimos publicando, mas cada vez que publicamos algo sobre [as gangues] precisamos levar um repórter para fora do país, às vezes por meses.”
Dada é o vencedor do prêmio Inovador Knight 2022 do ICFJ. Ao aceitar a honraria, Dada espera chamar atenção para o trabalho feito pelos colegas jornalistas em El Salvador e em toda a América Central que têm menos visibilidade que ele.
"Este é um momento em que precisamos lançar luz sobre a situação dos nossos colegas na América Central — principalmente aqueles que têm menos visibilidade", diz. "Esse é um momento de urgência para muitos colegas."
Dada não ficou sem receber reconhecimento internacional ao longo dos anos por seu jornalismo. Mas é difícil não ficar cínico: a democracia está se enfraquecendo na América Central em favor do autoritarismo, com a mídia independente na mira.
Diante do retrocesso democrático e a crescente insegurança em El Salvador, Dada repetiu uma citação que ele atribui ao editor-executivo do El Faro, Óscar Martinez, que o faz seguir em frente: "Com o nosso trabalho, deixamos a vida um pouco mais difícil para esses desgraçados, e acho que isso é bom o bastante."