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Como o México (e o mundo) sustentará o jornalismo diante das ameaças à segurança digital e física de seus jornalistas?

  • Por Mariana Alvarado
  • 4 setembro, 2024

Diante das ameaças tanto físicas quanto digitais à segurança dos jornalistas no México, um grupo de líderes da sociedade civil, dos meios de comunicação, de empresas de tecnologia, da academia e do governo se reuniu recentemente para discutir como manter o jornalismo em um país que registrou 144 mortes de jornalistas e trabalhadores da imprensa desde o ano 2000 até hoje.

"A segurança dos jornalistas está sob ameaça em nível global, mas com maior intensidade em certas partes do mundo. O México é um desses lugares", cita o relatório elaborado após o evento.

Os participantes da reunião privada compartilharam não apenas sobre as ameaças tanto físicas quanto digitais à segurança dos jornalistas, mas também sobre como a tecnologia pode ajudá-los a se proteger. Também discutiram o impacto das políticas governamentais na indústria.

As recomendações? Mais projetos colaborativos, construção de alianças, melhoria da alfabetização midiática e digital e maior atenção à cibersegurança. Também comentaram que deve aumentar a pressão global e gerar mais apoio público ao jornalismo, assim como um maior desenvolvimento de ferramentas tecnológicas.

Lutando contra diferentes tipos de violência

O evento "Mantendo o Jornalismo diante das Ameaças à Segurança" foi realizado no dia 25 de junho na Cidade do México e foi convocado e copatrocinado pelo Center for News, Technology & Innovation (CNTI) e pela empresa de notícias Organização Editorial Mexicana (OEM).

Não se mata a verdade matando jornalistas

(Raquel Abe/Knight Center)

A reunião faz parte dos encontros interindustriais do CNTI, que promovem conversas baseadas em evidências, reflexivas, e com o objetivo de construir confiança e relações contínuas.

Um dos principais objetivos do CNTI é analisar o que acontece com a cibersegurança dos jornalistas e os danos e abusos online que os jornalistas estão enfrentando, explicou sua diretora executiva, Amy Mitchell.

"O México é, em geral, um dos países mais perigosos para jornalistas, particularmente nessas duas áreas (cibersegurança e danos online e abusos), então faz muito sentido realizar este encontro na Cidade do México", disse Mitchell à LatAm Journalism Review (LJR).

Embora o plano original fosse focar mais na segurança digital, os participantes expressaram que era necessário também falar das ameaças físicas enfrentadas pelos jornalistas no México, explicou Martha Ramos, diretora editorial da OEM, em entrevista à LJR.

De acordo com um estudo da Repórteres Sem Fronteiras, o México é um dos países mais perigosos para ser jornalista. E mais de 40% dos ataques, tanto físicos quanto digitais, documentados no México estavam vinculados a atores governamentais, segundo um relatório da Artigo 19.

Os mais de 20 participantes da reunião também se aprofundaram nos diferentes tipos de violência que os jornalistas enfrentam no México, incluindo assédio online, difamação, espionagem e ameaças. Os atores que realizam esses atos não incluem apenas o crime organizado, mas também autoridades, movimentos civis e cidadãos.

"O CNTI ficou muito impressionado, pois não conheciam profundamente a penetração da violência em todos os âmbitos devido ao crescimento do crime organizado. Ou seja, como o crescimento dos próprios cartéis penetrou em níveis de governo de vários escalões", explicou Ramos.

"Sempre chama a atenção como isso se espalhou tanto, que cobrir um acidente de trânsito na rua pode ser algo que te custe a vida, porque resulta que o envolvido no acidente era uma pessoa sobre quem você não deveria reportar", acrescentou.

Infelizmente, a violência contra jornalistas permeou muito mais nas áreas mais marginalizadas do México, em grande parte devido à ausência de jornalismo profissional e de empresas de mídia organizadas que possam proteger seus jornalistas, disse Ramos.

"Há uma ausência de proteção do Estado, e há a necessidade de comunicar. Essa necessidade de comunicar leva as pessoas a criar páginas no Facebook, a denunciar através de redes sociais, que não têm um meio formal, não têm formação, e isso acaba colocando-as em um nível de risco altíssimo", disse Ramos.

A natureza dessa violência varia conforme as diferentes formas em que os jornalistas realizam seu trabalho no México, cita o relatório.

"Em algumas regiões e localidades, os jornalistas escrevem suas histórias à mão, que depois são distribuídas dentro das comunidades locais, o que aumenta o risco de enfrentar ameaças físicas e violência", cita o relatório.

Monster coming out of computer to eat woman

(Raquel Abe/Knight Center)

As ameaças também estão chegando online para os jornalistas. Por exemplo, o relatório cita que houve um vazamento maior de informações pessoais de jornalistas em janeiro de 2024, ou ameaças cibernéticas sofisticadas que atacaram jornalistas.

Outro problema vem dos próprios telefones dos jornalistas.

"Uma das coisas que ouvimos na reunião na Cidade do México, e em outras partes, é que em muitos casos os jornalistas estão trabalhando em dispositivos que são de quatro gerações atrás, que também são seus dispositivos pessoais. Como a tecnologia pode, então, construir ferramentas mais robustas que realmente possam atender às necessidades desse momento?", questionou Mitchell.

Armando Talamantes, diretor executivo do Quinto Elemento e um dos participantes da reunião, enfatizou em entrevista à LJR que a situação da imprensa no México é precária.

"Agora vivemos em um contexto em que o locutor do noticiário de rádio mais popular pode ser alvo de um ataque armado na Cidade do México, ou em que uma mulher jornalista pode ser assediada por dias nas redes sociais apenas porque fez uma pergunta incisiva ao presidente", disse.

Passos recomendados

Apesar do contexto adverso em termos de segurança física e digital enfrentado pelos jornalistas no México, os participantes da reunião identificaram passos práticos para minimizar os danos. Embora estejam direcionados a jornalistas no México, são aplicáveis em todo o mundo, segundo o relatório.

A primeira recomendação está relacionada à alfabetização digital e cibersegurança.

"Esse tipo de conhecimento requer dedicação por parte dos jornalistas e de seus empregadores a um novo tipo de capacitação que busca construir conhecimento contínuo e conforto com a tecnologia, as formas de utilizá-la para sua proteção e as maneiras pelas quais as práticas e programas atuais podem incorporá-la", cita o relatório.

Outras recomendações decorrentes desta reunião foram o maior desenvolvimento de ferramentas tecnológicas e o uso de inteligência artificial. O objetivo é construir ferramentas tecnológicas mais robustas e integradas para combater os ataques online.

"Tais ferramentas, juntamente com uma maior alfabetização digital, podem ajudar a fazer com que os benefícios da tecnologia superem os danos", menciona o relatório.

Os participantes também discutiram a exploração de opções regulatórias, o que é especialmente difícil porque líderes governamentais no país estão frequentemente à frente dos ataques a jornalistas.

"Isso torna a regulamentação um caminho problemático que pode não apenas falhar em seu objetivo, mas até mesmo ser contraproducente", cita o relatório.

Protests against murders of journalists in Mexico

Protesto na Cidade do México contra assassinatos de jornalistas. (Fundação Knight)

Alguns participantes compartilharam que estão trabalhando há décadas por proteções legislativas, mas sem nenhuma melhoria na segurança dos jornalistas no México.

Por fim, os participantes mencionaram a importância de reconhecer a importância do Estado e de aumentar a pressão da comunidade global.

A comunidade global também tem um papel na tarefa de levar casos de abuso à Justiça para estabelecer precedentes legais. E a comunidade global pode criar espaços seguros para o intercâmbio de conhecimentos e lições.

Finalmente, os participantes disseram que os meios de comunicação devem construir a confiança com o público para que os cidadãos apoiem o jornalismo e incentivem jovens jornalistas que queiram seguir a profissão.

Próximos passos

E justamente para que a reunião não fique apenas nisso, Ramos disse que, uma vez publicado o relatório do CNTI, um dos próximos passos seria estabelecer uma rede de comunicação com os participantes para concretizar projetos com objetivos em comum que abordem a problemática discutida. Ela espera que esse esforço seja concretizado antes de finalizar o ano, para o que se deve continuar insistindo na colaboração e união da indústria jornalística mexicana.

Mitchell disse que o CNTI continuará compartilhando as descobertas e os passos recomendados surgidos da reunião no México. Outro dos planos é lançar uma pesquisa internacional para jornalistas no final de setembro. Esta será parcialmente baseada na experiência do México e atualmente está sendo elaborado seu rascunho.

"Será traduzido para pelo menos nove idiomas. Tem o potencial de alcançar um bom número de jornalistas em nível global", disse Mitchell. "Esta será uma ótima forma de reunir mais informações sobre o que estão enfrentando, se têm espaços para falar sobre isso, para compartilhar informações, e se não, quais são os mecanismos para facilitar isso".

Além disso, o CNTI está revisando a possibilidade de criar uma base de dados em tempo real para jornalistas, que seja segura e protegida, onde possam compartilhar o que estão vivenciando e se conectar com outros colegas que enfrentam temas similares em outras partes do mundo, afirmou Mitchell. Ter uma base de dados que está continuamente coletando informações facilita para as empresas de tecnologia terem uma ideia melhor do que está acontecendo, acrescentou.

"Esta não é a primeira vez que uma organização externa se interessa pelo que acontece no México, mas é necessário que haja mais acompanhamento e documentação do que acontece no país", considerou Ramos.

Traduzido por Carolina de Assis
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