Já são quinze os jornalistas assassinados no México até o momento em 2022. Agosto tem sido um mês particularmente violento para os meios de comunicação no país, com o assassinato de três jornalistas e quatro funcionários de uma estação de rádio.
O assassinato mais recente foi o do jornalista Fredid Román, na noite de segunda-feira, 22 de agosto, em Chilpancingo, capital do estado de Guerrero. Román era fundador e editor do semanário La Realidad e escrevia colunas para meios locais, incluindo "La Realidad Escrita" no Vértice Diario.
Román, 58 anos, deixou seu escritório por volta das 16h e entrou em seu carro quando dois homens em uma motocicleta abriram fogo contra ele. O jornalista foi baleado pelo menos quatro vezes, de acordo com o jornal La Jornada.
Apenas alguns minutos antes, Román havia publicado em seu perfil no Facebook o que seria sua última coluna, na qual ele criticou as ações do presidente Andrés Manuel López Obrador na investigação do desaparecimento de 43 estudantes da cidade de Ayotzinapa, no mesmo estado, em 2014.
O Ministério Público de Guerrero disse em um comunicado que uma das primeiras linhas de investigação do crime estava relacionada ao assassinato de Bladimir Román, filho do jornalista, que foi morto a tiros em 1 de julho deste ano.
Na terça-feira, 23 de agosto, Juan Esteban Román, um dos cinco filhos vivos do jornalista, anunciou no Facebook que seu pai seria velado e enterrado um dia depois na comunidade de Buenavista de la Salud.
Enquanto a violência contra membros da imprensa continua e organizações nacionais e internacionais pedem justiça e exigem medidas para proteger os jornalistas, o governo mexicano insiste em negar a realidade violenta vivida pela imprensa no país e até se constitui como principal origem das agressões.
Em seu relatório semestral, publicado em 18 de agosto, a organização Artigo 19 disse que é preocupante que López Obrador qualifique os números de violência contra jornalistas como uma tentativa de atacar sua administração e desvie a responsabilidade do Estado pelo clima de violência contra a imprensa.
"Longe de assumir a obrigação do Estado de proteger, investigar, punir, reparar os danos e, sobretudo, impedir que a impunidade continue a prevalecer nos casos de assassinatos contra jornalistas, ele nega que há um cenário de profunda violência contra a imprensa que deve ser detida com urgência", escreveu a Artigo 19 em seu relatório.
Outra maneira pela qual a administração López Obrador nega a realidade da violência contra a imprensa, de acordo com a organização, é descartar a ligação entre os crimes e o trabalho das vítimas, que às vezes também foram culpabilizadas por seus próprios assassinatos.
É o caso do jornalista Roberto Toledo, do Monitor Michoacán, que foi assassinado em 31 de janeiro. Após o crime, as autoridades locais, estaduais e municipais negaram que o assassinato estivesse relacionado ao trabalho jornalístico de Toledo. O governador de Michoacán disse até mesmo que tudo indicava que o assassinato estava relacionado ao trabalho de Toledo como colaborador em um escritório de advocacia.
Entretanto, apenas algumas semanas depois, o diretor do Monitor Michoacán, Armando Linares, foi assassinado. As autoridades culparam o jornalista por não aceitar as medidas de proteção oferecidas a ele após a morte de seu colega Toledo.
A Artigo 19 enfatizou que embora existam possíveis ligações entre os assassinatos de jornalistas e o crime organizado, o Protocolo de Investigação de Crimes contra a Liberdade de Expressão da Procuradoria Geral da República indica que, além de investigar todos os possíveis autores intelectuais e materiais dos crimes, o motivo da liberdade de expressão e o trabalho jornalístico das vítimas deve ser levado em conta como o foco principal das investigações.
"As investigações sobre os assassinatos de jornalistas são marcadas pela desvinculação de seu trabalho com os crimes, pela re-vitimização das vítimas e, sobretudo, pela negação pelas autoridades de sua obrigação de proteger e investigar todos os assassinatos, estejam eles ligados ou não ao crime organizado", afirma o relatório.
Tal negação e re-vitimização pelas autoridades pode ser claramente vista nas conferências de imprensa matinais do presidente mexicano, particularmente nas seções "Impunidade Zero" e "Quem é Quem nas Mentiras". Na primeira, o Subsecretário Federal de Segurança Pública, Ricardo Mejía Berdeja, apresenta todas as quintas-feiras os avanços nas investigações de casos de ataques a jornalistas.
No entanto, de acordo com a Artigo 19, esta seção tem repetidamente dissociado o trabalho jornalístico como uma linha de investigação dos assassinatos, revitimizado as vítimas e disseminado informações discrepante das informações das autoridades locais.
"O espaço 'Impunidade Zero' tenta equiparar mandados de prisão, réus ou acusados com justiça; tomando por certo que tais avanços em si mesmos são um sinal da redução da impunidade", diz o relatório. "O governo informa sobre os assassinatos cometidos em 2022, sem prestar contas dos cometidos durante o restante do período de seis anos e das administrações anteriores.”
Enquanto isso, "Quem é quem na mentira" é uma seção na qual Ana Elizabeth García Vilchis, diretora de Redes da Coordenação Geral de Comunicação Social e Porta-voz Presidencial, desmente supostas notícias falsas sobre o governo López Obrador. No entanto, para a Artigo 19, a seção é um espaço de estigmatização e desinformação no qual os meios de comunicação e os jornalistas são atacados e desqualificados.
Neste sentido, em fevereiro deste ano, o relator especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para a liberdade de expressão, Pedro Vaca, exortou o governo López Obrador a cancelar a seção "Quem é quem nas mentiras", porque destaca e expõe jornalistas que criticam o governo e porque envia mensagens confusas sobre a intenção das autoridades de garantir a liberdade de imprensa.
No primeiro semestre do quarto ano de mandato do presidente Andrés Manuel López Obrador, foram registrados 331 ataques contra jornalistas e meios de comunicação, representando um aumento de 51,83% em comparação com o mesmo período do presidente anterior, Enrique Peña Nieto. Isto significa que, em média, um ataque contra representantes da imprensa é registrado a cada 14 horas no México.
"Em um país onde a imprensa é atacada a cada 14 horas por realizar seu trabalho, o estigma e a desqualificação só agravam o contexto hostil no qual a imprensa realiza seu trabalho, contrariando a pluralidade de debates e a tolerância à crítica e à diversidade, ambos essenciais para a democracia", disse a Artigo 19. "Os 331 ataques contra a imprensa registrados durante seis meses refletem claramente as ações e omissões das autoridades no agravo da imprensa. Neste contexto, as autoridades negam a violência contra a imprensa, ao mesmo tempo em que praticam diretamente agressões contra jornalistas e meios. Neste sentido, apesar de este ser um dos momentos mais críticos para a imprensa no México, se vislumbram poucas ações para combater a impunidade".
Antes do assassinato de Fredid Román, organizações internacionais já haviam condenado o aumento da violência contra a imprensa mexicana nas últimas semanas, marcado pelo assassinato de seis trabalhadores da mídia em duas semanas.
Em 9 de agosto de 2022, o jornalista Juan Arjón López, originalmente de San Luis Río Colorado, no estado mexicano de Sonora, foi visto pela última vez. Colegas da imprensa do Estado, cidadãos e organizações sociais saíram em busca dele por vários dias sem encontrá-lo. Tal foi o eco do desaparecimento nas redes sociais que o Ministério Público de Sonora lançou uma investigação apesar do fato de que não houve nenhuma queixa formal.
Na terça-feira, 16 de agosto, as autoridades anunciaram a descoberta do corpo sem vida de Arjón López, 62, próximo a uma rodovia. O jornalista tinha sofrido traumatismo cranioencefálico, segundo o Ministério Público, o que indicou que ele poderia ter sido espancado até a morte.
Arjón López tornou-se o 14º membro da imprensa a ser assassinado no México até agora em 2022. Poucos dias antes, em 11 de agosto, quatro funcionários de uma estação de rádio haviam sido mortos em meio a tiroteios do crime organizado em Ciudad Juárez, no estado vizinho de Chihuahua. E no mesmo mês, em Guanajuato, o jornalista Ernesto Méndez, diretor do site Periódico Tu Voz, também foi morto a tiros.
Após a morte de Arjón López, o Escritório no México do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) pediu que o assassinato fosse esclarecido e que o trabalho da vítima como jornalista não fosse descartado como uma linha de investigação.
"O número de assassinatos de jornalistas no México é motivo de preocupação", disse Jesús Peña Palacios, representante adjunto do ACNUDH no México, em uma declaração. “Uma das medidas mais eficientes contra a repetição de assassinatos e ataques é a luta contra a impunidade, ou seja, levar à justiça tanto os autores materiais quanto os intelectuais”.
A organização destacou o fato de que Arjón López cobriu questões relacionadas a queixas de cidadãos e assuntos policiais em San Luis Río Colorado para o meio nativo no Facebook A Qué le Temes. Poucos dias antes de sua morte, em 2 de agosto, o jornalista havia publicado o que seriam seus dois últimos artigos, sobre a prisão de suspeitos de roubo em sua cidade.
"Punir os responsáveis por esses assassinatos, respeitando as garantias do devido processo, é essencial para as vítimas jornalísticas e seus entes queridos, assim como para todos os jornalistas e trabalhadores da mídia, que através de seu trabalho fortalecem a democracia e o Estado de Direito”, acrescentou o relator.
A chamada foi ecoada pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). A organização pediu às autoridades mexicanas que conduzissem uma investigação séria sobre a morte de Arjón López, levassem os responsáveis à justiça e determinassem se os eventos estavam relacionados ao seu trabalho como jornalista.
"A trágica morte de Juan Arjón López é a mais recente morte de um comunicador no que se tornou um dos anos mais violentos da história da imprensa mexicana", disse Jan-Albert Hootsen, representante da CPJ no México, de acordo com um comunicado. "O atual clima de impunidade continua a alimentar estes ataques. As autoridades mexicanas devem conduzir uma investigação rápida e completa sobre o assassinato de Arjón".
Por sua vez, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) emitiu uma declaração sobre os assassinatos de Allan González, um radialista do grupo MegaRadio em Ciudad Juárez, Chihuahua, e seus colegas Armando Guerrero, Lino Flores e Alejandro Arriaga. A organização disse que estes crimes põem em evidência o estado de terror que se vive no México e que afeta particularmente a imprensa mexicana.
"É hora de o governo do Presidente Andrés Manuel López Obrador estabelecer urgentemente medidas concretas para conter a violência e a impunidade desses crimes e garantir a proteção dos jornalistas no exercício de seu trabalho", afirmou uma declaração da SIP assinada pelo Presidente Geral da entidade, Jorge Canahuati, e pelo Presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP, Carlos Jornet.