A cobertura das eleições parlamentares deste 6 de dezembro na Venezuela se tornou um grande desafio para jornalistas nacionais e internacionais.
Denúncias de censura, falta de acesso à informação pública, excesso de rumores, medo de um blackout de internet, violência contra repórteres e apreensão de equipamentos de trabalho são alguns dos aspectos do ambiente no qual se movem os jornalistas que cobrirão o 6D, como se popularizou este dia nas redes sociais.
Estas eleições capturaram maior atenção internacional pela tensão política que aumenta conforme o dia se aproxima. A aparente vantagem eleitoral da oposição pela primeira vez em 16 anos de ‘chavismo’, o recente assassinato de um dirigente de um partido opositor em meio a um evento eleitoral, denúncias de atentados por parte de líderes opositores, e a renúncia das autoridades do país em aceitar alguns observadores internacionais são algumas das causas.
Organismos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) se pronunciaram sobre o clima de violência que impera neste processo eleitoral. Um clima que sem dúvida afeta a cobertura jornalística.
“[Cobrir as eleições] representa um desafio adicional por várias razões. O jornalismo na Venezuela de hoje é exercido em meio a um apagão informativo sobretudo dos meios tradicionais (imprensa, rádio e televisão) que são dominados pelo Governo chavista”, disse Omar Lugo, diretor do portal El Estímulo, em conversa com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.
“Nos últimos tempos piorou o acesso às fontes, aos dados e números oficiais. Os meios independentes têm poucas páginas e uma distribuição limitada. É muito complexo saber com razoável aproximação o que em realidade ocorre no resto dos estados e cidades; as fontes temem dar informação, especialmente por telefone; a segurança física é um risco constante sobretudo em coberturas em zonas politicamente conflitivas; e o Governo impõe condicionamentos para ampliar credenciamentos a jornalistas nacionais e internacionais”, acrescentou Lugo.
Um ponto com o qual concorda Luz Mely Reyes, diretora geral do portal Efecto Cocuyo, também entrevistada pelo Centro Knight. “Nunca a censura nos meios tradicionais foi tão grande quanto agora”, disse. É por este motivo que ela a vê como um desafio adicional para os jornalistas que vão trabalhar na cobertura deste domingo, 6 de dezembro.
Pelos problemas nos meios tradicionais, Luz Mely Reyes aponta as redes sociais e os meios digitais como os que levarão a liderança nos esforços de informar sobre o processo pré-eleitoral e se preparam para fazê-lo no dia das eleições.
Não é de estranhar então que uma das principais preocupações entre repórteres seja a possibilidade de um ‘blackout de internet’ como foi denunciado ocorreu durante os protestos de 2014 e nas eleições de 2013.
“Nestes últimos dias houve problemas na internet. Não sabemos se porque há uma maior demanda e o tamanho de banda aqui é minímo. Mas temos medo que se produza um blackout como ocorreu por uma hora em 2013”, afirmou Reyes. “Estamos nos preparando para isso”.
Além de estratégias tecnológicas, os meios locais apostam em alianças estratégicas para garantir que a informação seja publicada em diferentes plataformas.
“Quem entende que deve contar esta história de vários pontos de vista, para além da polarização política, e usando todas as ferramentas disponíveis, têm mais êxito nestas eleições e em tudo o que se segue”, assegurou Lugo. “Por isso surgiram iniciativas especiais colaborativas para unir esforços entre portais, grupos de jornalistas, empresas, meios e instituições com o propósito de se apoiar mutuamente e oferecer a melhor cobertura”
Assim, por exemplo, Efecto Cocuyo se aliou com o diario 2001, os portais Analítica e El Estímulo, diários do interior do país e uma cadeia de televisão local de Caracas, informou Reyes.
Outras alianças conhecidas foi a conformada pelos portais informativos TalCual, Runrun.es, Crónica Uno, El Pitazo e Poderopedia, e a ONG Transparencia Venezuela.
Esta parceria se formou no dia 28 de junho no marco das eleições primárias do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e desde então se mantém. Para o 6D, mais de 100 jornalistas em 23 diferentes cidades do país estarão informando de forma conjunta, afirmou IPYS Venezuela.
Nesta linha de inovação, algumas plataformas de meios estão utilizando o crowdsourcing para monitorar o processo eleitoral e oferecer aos cidadãos uma ferramenta para denunciar possíveis irregularidades.
Imprensa internacional e denúncias de censura
A situação não deve ser enfrentada só por jornalistas nacionais. Em 1º de dezembro, o Instituto Imprensa e Sociedade (IPYS) Venezuela divulgou uma carta de compromisso que o Ministério do Poder Popular para a Comunicação e Informação (Minci) estaria obrigando os correspondentes estrangeiros a assinarem como requisito para cobrir as eleições.
De acordo com IPYS, o documento observa que a credencial dada ao jornalista pelas autoridades do país sería revogada em caso de descumprimento do referido compromisso, que inclui desde “exercer um jornalismo honesto e equilibrado como se estabelece no Código de Ética do Jornalista Venezuelano” até “respeitar em todo momento o processo democrático e de paz que cobrirá na Venezuela”.
IPYS Venezuela ressatou que esta medida não está contemplada nos procedimentos estabelecidos pelo Minci para credenciar jornalistas estrangeiros segundo uma resolução de abril de 2004.
A isso se somam as várias denúncias de correspondentes estrangeiros de que teriam sido impedidos de levar seus elementos de trabalho ao ingressar na Venezuela.
Isso teria acontecido em 2 de dezembro com Patricia Janiot, da CNN en Español, Guillermo Panizza, de Telefe de Argentina, e Marco Antonio Coronel, de Televisa, México. Segundo o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa (SNTP) a detenção dos equipamentos só seria revertida depois do domingo, ou seja, após as eleições.
A lo largo de un mes de trámite con Minci, CNE y Cancillería a los q se mandó lista de equipos, nunca nos pidieron la declaración temporal
— Patricia Janiot (@patriciajaniot) December 3, 2015
Estas medidas “pretendem isolar o país e impedir o seguimento e cobertura de meios internacionais” disse Marco Ruiz, secretário geral do SNTP, em um comunicado. “Em primeiro lugar, e diferente do que ocorreu em anos anteriores, solicitaram um visto especial cuja aprovação exigiu inclusive que funcionários da embaixada dessem uma opinião sobre os jornalistas que apresntaram o pedido; segundo, foi imposta a assinatura de uma carta compromisso que formalizava a ideia de que os jornalistas são delinquentes da informação; e, mais recentemente, a retenção dos equipamentos dos repórteres estrangeiros que chegam a Caracas”.
Diante da situação, Ruiz denunciou os fatos “que atentam contra o direito à informação dos venezuelanos” perante a missão eleitoral da Unasur em uma carta apresentada na tarde de 3 de dezembro.
“Solicitamos urgentemente sua mediação com as instituições do Estado correspondentes para que cessem estas ações que constituem um assédio e atropelo a jornalistas e meios de comunicação”, observa a carta entregada pelo SNTP.
No documento, também pediram aos representantes da Unasur uma reunião com organizações que monitoram a liberdade de expressão no país para chegar a acordos antes das eleições.
O presidente Nicolás Maduro expressou em várias oportunidades seu descontentamento com alguns meios internacionais e inclusive utilizou xingamentos e denúncias de que haveria planos para desestabilizar a chamada revolução bolivariana.
Durante a cobertura dos protestos de fevereiro de 2014, o presidente Maduro ordenou a expulsão do canal internacional NTN24 dos canais a cabo, que continua fora do país, assim como a retirada das credenciais a jornalistas estrangeiros da cadeia CNN en Español em fevereiro, maio e outubro desse mesmo ano. Estes últimos fatos foram revertidos posteriormente, informou IPYS Venezuela.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.