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‘Esta é uma renúncia forçada diante de uma situação muito grave’, diz jornalista colombiana Claudia Duque após abrir mão de proteção estatal

Pouco mais de um mês depois de ter devolvido o esquema de proteção que lhe foi concedido pela Unidade Nacional de Proteção (UNP) da Colômbia após denunciar irregularidades no mesmo, a jornalista Claudia Julieta Duque já sofreu “dois incidentes de segurança delicados”.

Uma situação que gera mais preocupação depois que a juíza Yanet Martínez negou-lhe em 7 de março uma tutela (mecanismo legal na Colômbia que visa proteger direitos fundamentais) contra o UNP por violação de direitos de privacidade, habeas data, liberdade jornalística e segurança pessoal.

Claudia Julieta Duque (Twitter)

Claudia Julieta Duque. (Twitter).

Na tutela, entre outras coisas, Duque pediu que a UNP seja condenada a restabelecer o esquema de proteção sem o GPS instalado no veículo que o integra. Em suas considerações, a juíza destacou que não é de sua competência decidir sobre quais mecanismos de proteção são adequados – referindo-se ao Comitê encarregado de avaliar a situação de segurança das pessoas ameaçadas – e destacou que a UNP tem estado à disposição para oferecer proteção à jornalista, conforme decisão a que a LatAm Journalism Review (LJR) teve acesso.

Para Duque, os argumentos apresentados pela juíza não levam em conta sua situação particular de segurança, como o fato de que, como resultado do acordo entre o Estado e a jornalista no contexto das medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a avaliação de segurança de Duque é feita pelo Alto Comissariado para os Direitos Humanos e não pela UNP.

“A UNP e a juíza atribuem a responsabilidade de proteção a mim. ‘É culpa dela ter entregado o esquema. Então as medidas estão sendo seguidas.’ É ridículo. Isso é muito grave”, disse Duque em entrevista à LJR. "Esta é uma carta branca para qualquer coisa acontecer comigo e a UNP lavar as mãos dizendo 'olha, mas foi ela ela renunciou'. E esta não é uma renúncia voluntária, é uma renúncia forçada diante de uma situação muito grave”.

A renúncia de Duque a seu esquema de segurança — que ocorreu em 8 de fevereiro — ocorreu depois que ela e a Fundação para a Liberdade de Imprensa (FLIP) denunciaram a coleta massiva de dados sensíveis da jornalista que não só a colocavam em risco, mas também seus familiares e fontes jornalísticas, de acordo com a denúncia na época.

Em outubro de 2021, a FLIP alertou que a UNP havia coletado mais de 25 mil registros de Duque entre fevereiro e agosto de 2021 por meio do GPS instalado no veículo que fazia parte do esquema de proteção.

Segundo carta pública enviada na época pelo diretor-executivo da FLIP ao diretor da UNP, “o monitoramento é permanente e detalhado, às vezes realizado em intervalos de 30 segundos”. Os registros incluem data, hora, endereço de localização exata, direção em que o veículo está indo e um link de localização no Google Maps, entre outros dados.

Também em outubro, a jornalista encaminhou um direito de petição à UNP solicitando todos os dados coletados, a retirada do GPS do veículo, bem como a realização de uma reunião para acordar as medidas cautelares da CIDH.

Em resposta, a UNP afirmou que a informação solicitada era de “natureza reservada” e acrescentou que é de “natureza geral e estatística, e não compromete informações privadas de pessoas protegidas”, informou a FLIP em comunicado.

Posteriormente, em 9 de dezembro de 2021, foi realizada uma reunião no Ministério do Exterior onde foi discutido o uso de GPS em veículos e onde Duque novamente solicitou a retirada do aparelho de seu veículo. Naquele momento não houve uma resposta final. Em 13 de dezembro, outro pedido foi feito para remover o GPS, e a UNP posteriormente negou, argumentando que era "a única ferramenta que a UNP tem para controlar a atividade de proteção de maneira adequada e eficaz", explicou a FLIP.

Duque disse à LJR que propôs trocar o GPS por um tacógrafo digital, tendo em conta que segundo a UNP o GPS era utilizado para controlar a velocidade, bem como o estado do veículo. Algo que também não foi aceito pela UNP.

A jornalista também assegurou que durante este processo a UNP mentiu e não cumpriu as medidas cautelares da CIDH. Por exemplo, ela assegurou que entre as pessoas que tiveram acesso aos dados coletados pela UNP está pelo menos um membro do antigo Departamento Administrativo de Segurança (DAS).

O DAS, que era a agência de inteligência do estado, foi extinguido em 2011 após escândalos de monitoramento e perseguição ilegal de jornalistas, políticos e até magistrados do Supremo Tribunal de Justiça, entre outras pessoas. No caso de Claudia Julieta Duque, ex-funcionários do DAS foram indiciados pelo crime de tortura psicológica agravada em 2013. O crime contra Duque foi classificado como crime contra a humanidade pela Procuradoria-Geral da Colômbia em 2017.

"Ver o nome daquele cara, ali trocando informações sobre mim, me pareceu super grave, me pareceu revitimizador, uma total zombaria de tudo o que aconteceu", disse Duque. “Então, antes de tudo isso, sinto que não tinha outra opção e por isso fui obrigada a entregar o carro, porque sinto que o que aconteceu nestes últimos meses foi uma zombaria por parte do Estado, um zombaria tenaz”.

A jornalista acrescentou que durante este processo também foram descobertos outros dispositivos dentro do veículo, bem como que uma função de desligamento remoto, desativação remota das travas das portas do veículo e bloqueio de todos os dispositivos de transmissão de sinal (como o telefone celular). "Com o qual se podia parar remotamente o carro, desbloqueá-lo, impedir que a pessoa protegida enviasse um alerta sobre o que aconteceu e realizar ataques ou assassinatos", disse ela.

A FLIP, organização que acompanha a jornalista nesse processo, manifestou sua preocupação com a segurança de Duque, especialmente agora que não foram adotadas "medidas integrais de proteção por parte do Estado".

“Por isso, solicitamos à CIDH que realize um acompanhamento especial das medidas cautelares concedidas em favor da jornalista, no qual avalie os riscos do uso de tecnologias no mecanismo de proteção e reitere ao Estado que as mesmas serão combinadas com a beneficiária e de acordo com sua situação de risco”.

Duque garantiu que conta com o apoio das Brigadas da Paz, ONG que costuma proteger pessoas ameaçadas no país como defensoras de direitos humanos. No entanto, juntamente com outras organizações que demonstraram seu apoio, eles estão analisando quais outras opções de proteção podem ter.

Para a jornalista, seu caso demonstra uma questão mais global do mecanismo que deve ser revista. “Aqui estamos, diante de uma situação de gravíssimas irregularidades dentro do chamado mecanismo de proteção”, assegurou.

LJR pediu ao diretor da UNP, Alfonso Campo, declarações sobre o assunto, mas até o fechamento desta nota, não houve resposta.

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