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8 expressões jornalísticas em português, inglês e espanhol que todo jornalista latino-americano deve saber

Atualizado em 9 de fevereiro de 2021*

A LatAm Journalism Review (LJR) é uma revista digital trilíngue. Todos os nossos artigos são publicados em três idiomas: português, espanhol e inglês. Isso você sabe. Toda semana, Marina Estarque e eu traduzimos textos das nossas colegas Paola Nalvarte e Silvia Higuera para o português, e elas traduzem os nossos artigos para o espanhol. Já nossa editora Teresa Mioli traduz as matérias de todos nós para o inglês.

O que você não sabe é que, já que escrevemos sobre jornalismo, vez ou outra nos deparamos com expressões e jargões da profissão que são específicos e originais de um idioma. É claro que a maioria tem tradução, mas nem sempre é tão simples.

Por exemplo, você, meu caro falante de português, imaginaria que nossos colegas jornalistas nativos em inglês não têm uma palavra multi-uso com a nossa “pauta”? Ou, caros colegas hispanohablantes, vocês sabiam que no Peru os jornalistas usam la pepa para descrever a declaração mais importante de uma entrevista? Aliás, por falar nisso, há uma enorme diversidade regional também, não só linguística, como podemos imaginar.

Por isso, nesse último artigo de 2020, a equipe da LJR decidiu compartilhar com vocês uma pequena lista de algumas das expressões jornalísticas originais dos três idiomas e suas traduções. Divirta-se e por favor nos envie nossas críticas e sugestões: latamjournalismreview@austin.utexas.edu:

1. Furo / Scoop / Primicia

Começamos com um dos mais importantes e conhecidos jargões para a prática jornalística em qualquer idioma. No português brasileiro, “furo” é a notícia exclusiva em primeira mão, divulgada por um jornalística ou veículo de informação antes dos seus competidores.

É o mesmo sentido do scoop, em inglês, e de primicia, em espanhol. Apesar de serem usadas da mesma forma, as três palavras têm traduções literais bem diferentes.

A tradução literal de furo em espanhol é agujero e, em inglês, hole. Apesar de muitas versões sobre o uso desta palavra no jornalismo, não há consenso da origem do uso com este sentido. Uma pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil encontrou a referência mais antiga no jornal A Pacotilha, do Maranhão, em 9 de abril de 1897. No século XIX, a busca digital da hemeroteca traz registros semelhantes no Jornal Cidade Nova (1897) e no Jornal do Brasil (1899).

“As notícias vinham de navio. Alguns jornalistas iam de bote aos navios para pegar a notícia antes de atracarem. Furavam a chapa, molde ou não sei o quê do jornal pré-pronto para dar a notícia antes dos concorrentes,” disse à LJR o jornalista, professor e escritor Deonísio da Silva.

Apesar da boa história, ela carece de comprovação histórica, como admite o professor: “Nunca escrevi sobre isso porque não pude comprovar como se deu a passagem das expressões para a vida das redações. Nos anos 1970, em meus primeiros tempos de colunista, perguntei a profissionais de 70 ou mais anos. Continuei perguntando e pesquisando. Nada descobri até hoje.”

[Caso leitores brasileiros tenham uma explicação mais factual ou uma história melhor sobre a origem do ‘furo’, podem mandar ‘cartas para a redação’ da LJR: latamjournalismreview@austin.utexas.edu]  

Mais bem documentada está a origem de scoop. A palavra é a tradução literal de concha ou pá. O uso para expressar notícia de primeira mão surgiu em 1874 em Illinois em referência a um jornal quase sendo vencido por um concorrente, conforme registra o Dicionário Oxford da Língua Inglesa.

Um artigo do Wall Street Journal informa que por volta de 1850 o termo ganhou a conotação de vencer alguém em uma competição. Daí para virar sinônimo de notícia exclusiva é um pulo, uma vez que o scoop carrega a noção de bater a concorrência.

Já o idioma espanhol ganha a disputa pelo termo mais direto. Em espanhol, furo é primicia. No sentido original, é o “fruto primeiro de qualquer coisa,” ensina a Real Academia Espanhola. Não é muito difícil entender porque a palavra também é o mesmo que “fato tornado conhecido pela primeira vez.”

Seria simples se não fosse pelo regionalismo. Na Colômbia, a primicia jornalística é chamada de chiva, que significa, literalmente, cabrita. Ou seja, dar uma cabrita na Colômbia pode ser o ponto alto de uma carreira jornalística. Importante destacar que o maior jornalista da história da Colômbia (e um dos maiores do mundo), Gabriel Garcia Marquez, não era um grande fã das chivas.

O regionalismo nos jargões jornalísticos, como se deveria supor, não é exclusividade do espanhol. Os jornalistas portugueses até dão furos, mas preferem dar a cacha. A palavra tem origem no francês cacher, ou seja, esconder, já que para publicar uma notícia em primeira mão é necessário mantê-la em segredo, explicou a RTP em um vídeo. Se você ficou curioso como eu, os jornalistas franceses usam scoop, em inglês mesmo.

Atualização: graças à colaboração dos nossos leitores-correspondentes na Venezuela, conhecemos a expressão tubazo. “Um tubazo se diz, coloquialmente, quando te acertam com um tubo ou cano de água. O furo de um veículo concorrente é como se te dessem um tubazo na cabeça,” nos escreveu a jornalista Yelitza Linares.

2. La pepa

seed in dirtNo Peru, la pepa é a declaração mais importante de uma entrevista. A palavra significa semente de uma fruta, em tradução literal. Ou seja, indica a parte central da declaração à imprensa.

Em outros países hispanohablantes, é mais comum dizer “qual é a notícia”, ou “qual é o mais importante”. O mesmo acontece em português e no inglês, mas algumas vezes podemos dizer “qual é o lide” para se referir ao que há de mais importante numa entrevista.

Particularmente, acho que essa é uma expressão que devemos adotar todos, independente da nossa língua nativa.

3. La nota roja 

chalk outline of bodyA nota rojase refere ao jornalismo popular com foco na cobertura sensacionalista de crimes violentos, acidentes e desastres naturais. No México, é considerado um gênero jornalístico à parte, que fez a fama, ou má-fama, de dezenas de jornalistas e publicações que priorizam uma cobertura sensacional da violência.

A pesquisadora María del Carmen Ruiz Castañeda afirma que o termo tem origem no selo vermelho usado pela Inquisiçãono México para anunciar punições como castigos físicos e execuções. Coincidentemente ou não, vermelho também é a cor do sangue que espirra deste tipo de jornalismo.

No Brasil, espreme que sai sangue é um termo usado para designar jornais populares das grandes cidades que dedicavam a maior parte da sua cobertura a crimes. Da mesma forma, a expressão em inglês if it bleeds, it leads, que significa que uma reportagem sobre uma ação violenta terá prioridade no noticiário.

4. Beat reporting

reporter's notebookEm inglês, os jornalistas usam beat para descrever o assunto ou área de cobertura regular. A palavra é a mesma usada no idioma para descrever a área de patrulha de um policial: beat e no jornalismo evoluiu para se tornar sinônimo de especialização.

Numa entrevista ao podcast “On the Media”, da WNYC, o biógrafo James McGrath Morris afirma que o editor Charles E. Chapin criou os beats na redação do “The World”, de Nova York, no início do século XX. A ideia era dar aos repórteres áreas de cobertura bem determinadas, as quais eles deveriam conhecer melhor que os competidores.

Em português, os setoristas cuidam de assuntos e áreas de cobertura específicas dentro de uma editoria. Já no espanhol, se diz “cubro a fonte policial,” ou a “fonte judicial” para designar a área de cobertura de um repórter.

5. Slug

slug from a printing pressOk, essa me surpreendeu. Sabe a palavra ou frase que usamos para identificar um artigo em produção? Por exemplo, este artigo se chamava apenas glossário na fase de edição, que é como eu e os demais colegas na LJR nos referimos a ele. Pois em inglês, há um termo específico para isso: slug, ou, literalmente, lesma (em espanhol, babosa).

Mas calma lá que não é bem assim. Slug aqui é uma peça de chumbo usada na composição tipográfica dos textos publicados nos jornais em máquinas de linotipo. Uma única linha a ser impressa é chamada de slug e o termo passou a ser usado para identificar um texto que ainda está em produção editorial.

6. Quebra-queixo, scrum e chacaleo 

Sabe quando um entrevistado está cercado de microfones e gravadores a poucos centímetros do seu rosto? Isto é um quebra-queixo, expressão usada por jornalistas brasileiros para descrever coletivas de imprensa informais.

 

O nome em português indica um risco, nunca comprovado, de lesão grave e fratura no queixo do entrevistado. Este estilo é comum em casos de grande repercussão na sociedade, que atraem jornalistas de diversos veículos, e também na cobertura política e esportiva.

Em inglês, o quebra-queixo jornalístico é um media scrum, termo que é mais usado entre jornalistas canadenses na cobertura legislativa. O nome é inspirado em um momento do rugby, quando a partida é iniciada, ou reiniciada, e os jogadores se agrupam em um círculo para disputar a posse da bola.

Atualização: no jornalismo mexicano, segundo leitores da LJR que nos enviaram mensagens após a publicação da lista, usa-se o termo chacaleo. A referência é ao chacal, especialista em roubar a presa de outros predadores. A presa, no caso, seria uma informação que poderia exclusiva caso a entrevista não estivesse rodeada de chacais.

7. Pingue-pongue

interview between a journalist and a sourceUma entrevista que é publicada no formato perguntas e respostas. Em inglês se diz Q&A (question and answer). Em espanhol, pregunta-respuesta. Em português? Pingue-pongue, numa referência ao tênis de mesa. Assim como eu defendo a adoção de pepa pelos jornalistas brasileiros, pelos mesmos motivos os colegas de outros países deveriam adotar pingue-pongue para entrevistas. É só uma sugestão.

8. Pauta

Essa talvez seja uma das traduções mais difíceis para a equipe da LJR, porque a palavra tem usos variados no português e não encontra termo tão disseminado nas outras línguas.

hands typingPor exemplo, pauta é (1) o conjunto de informações pesquisadas que dão início ao trabalho de reportagem. Ou seja, antes de ir a campo, produz se uma pauta (em inglês, algo como guide, schedule)

O termo também é usado para (2) descrever as ideias que os repórteres apresentam a seus editores (em inglês, story ideia)  nas (3) reuniões de pauta (em inglês, editorial meeting). Cada um (4) vende a sua pauta (em inglês, pitch your story) da melhor forma possível para conquistar o maior espaço na edição ou no noticiário.

A pauta também é sinônimo de (5) tarefa para um repórter (em inglês, news assignment) e o (6) ato de passar essa tarefa é expresso no verbo pautar (em inglês, to assign).

O termo é tão importante no jornalismo brasileiro que uma das funções tradicionais de uma redação é o (7) pauteiro, o jornalista que elabora as pautas para uma edição do noticiário.

Colabore

Essa lista de expressões está longe de ser suficiente para dar conta de todos os termos que usamos no nosso dia como jornalistas na América Latina. Que expressão você gostaria de conhecer a origem ou saber mais sobre o seu uso em outros países do continente? Manda a sua sugestão em qualquer língua para latamjournalismreview@austin.utexas.edu, ou então nos envie uma mensagem no Twitter.

*Atualizado para incluir as colaborações recebidas dos leitores: chacaleo e tubazo.

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