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Guia propõe cobertura jornalística da crise climática com foco em saúde pública

Uma das maiores, senão a maior, coberturas jornalísticas da atual geração é a crise climática e suas consequências para a humanidade. Se por um lado as questões econômicas e políticas da crise do clima têm espaço de destaque na cobertura jornalística, o mesmo não se pode dizer do impacto do aquecimento global na saúde pública.

Um guia recém-lançado pela organização Saúde sem Dano pretende fornecer ferramentas a jornalistas da América Latina para incluírem a perspectiva da saúde pública nas pautas sobre mudanças climáticas. Um tema urgente segundo a Organização Mundial de Saúde, que estima que podem ocorrer até 250.000 mortes entre 2030 e 2050 por problemas de saúde associados às mudanças climáticas. A maior parte delas em economias emergentes, como as da América Latina.

Segundo o jornalista Damián Profeta, o principal obstáculo para a cobertura climática com enfoque de saúde é a escassa formação e informação de jornalistas sobre esses temas. Ele, que co-dirige a revista de jornalismo ambiental Claves 21, afirma que o desconhecimento é fruto da falta de matérias sobre temas ambientais nos cursos de jornalismo.

“Historicamente, o tratamento das questões ambientais na imprensa era marginal e esporádico, então a mídia também não era uma ‘escola’ dessas questões. Esse desconhecimento também faz com que os editores não conheçam a dimensão, importância e impacto desses desafios e não os incluam na agenda editorial,” disse Profeta à LatAm Journalism Review (LJR).

Profeta, que também é professor da Universidad Nacional de Avellaneda, na Argentina, escreveu a seção do guia sobre jornalismo de dados. Nela, ele lista uma série de bancos de dados sobre clima e saúde na América Latina que podem servir como base para investigações sobre o tema.

“Além disso, é valioso que se trate de um produto em espanhol, quando muitos recursos deste tipo foram criados em inglês e, além disso, foi criado com uma perspectiva latino-americana por jornalistas latino-americanos especializados nestes temas,” disse Profeta. “Sem recursos como este - e treinamentos específicos, por exemplo - é muito difícil entender e ter ferramentas para enfrentar a multidimensionalidade dos desafios ambientais em geral e os desafios climáticos em particular.”

Guia da organização Saúde sem Dano é dividido em cinco capítulos. Foto: reprodução

Guia da organização Saúde sem Dano é dividido em cinco capítulos. Foto: reprodução

 

Um dos objetivos do guia é encorajar jornalistas a incorporarem o enfoque de saúde já no momento inicial da criação da proposta de pauta sobre mudanças climáticas. Para isso, apresenta ideias, fontes e ferramentas úteis voltadas para jornalistas da região, divididos em seções sobre saúde, jornalismo de dados, jornalismo científico e cobertura do mercado de energia.

A seção sobre ciência, por exemplo, detalha onde e como encontrar dados úteis para reportagens e também como usar pesquisas científicas como fontes primárias de informação, o que nem sempre é simples para jornalistas.

“Por exemplo, se quisermos contar a história de como as ondas de calor podem estar causando uma redução na fertilidade dos solos para a produção de alimentos, esclareço que precisamos de evidências científicas. Provavelmente a encontraremos em artigos, na documentação científica, desde que possamos reconhecê-lo a partir de observações clínicas,” explicou a jornalista especializada em ciência Aleida Rueda, presidente da Rede Mexicana de Periodistas de Ciência, durante um webinar de apresentação do guia.

No capítulo sobre jornalismo científico, Rueda detalha como encontrar dados acessíveis, atuais e comparáveis entre os países da região e também ressalta a necessidade de, sempre que possível, oferecer perspectivas positivas aos leitores. Ela ensina também como aplicar métodos científicos ao trabalho jornalístico.

“Temos que traçar um roteiro de investigação e para isso compartilhamos [no guia] que a primeira coisa é ter uma hipótese que possamos verificar com a investigação jornalística. (...) Um elemento central da hipótese tem que ser o conflito, ou seja, qual é o problema desse conflito que exige a obtenção de informações científicas para explicar os impactos das mudanças climáticas na saúde,” disse Rueda.

O guia também aborda a relação entre as mudanças climáticas e a atual pandemia de COVID-19. Segundo os autores, a pandemia carrega a agenda de sustentabilidade em vários caminhos, o que reforça a necessidade de comunicá-la de forma adequada.

“[A pandemia] deixou evidente que não se pode olhar para as duas crises, saúde e meio ambiente, como se elas não estivessem conectadas porque a saúde humana e a saúde planetária são uma só,” disse à LJR a jornalista argentina Roxana Tabakman, que escreveu a seção sobre saúde. “No meu capítulo, por exemplo, agrupei propostas para aqueles que cobrem as mudanças climáticas e talvez ainda não tenham parado em sua ligação com a saúde, e para aqueles que cobrem a saúde e ainda não abordaram as mudanças climáticas como um problema de saúde pública.”

“O debate ambiental ganhou espaço na mídia porque a pandemia é vista como parte das interações negativas do ser humano com a natureza e pôde-se perceber que essa má relação pode ter impactos muito graves nos ecossistemas, na saúde humana e na economia do mundo,” disse Profeta. “Da mesma forma, o guia é um acesso direto a outras fontes valiosas para incorporar dados precisos e concretos sobre mudanças climáticas e aspectos relacionados à saúde para fortalecer as histórias jornalísticas.”

O guia, que contou ao todo com a colaboração de sete jornalistas da América Latina, está disponível em espanhol para download gratuito aqui.

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