Há anos um vírus se espalha na internet e parece cada vez mais contagioso: as informações falsas. Não importa se há um contexto de campanha presidencial, protestos sociais ou catástrofes, a desinformação buscará ganhar terreno.
As redes sociais, os serviços de mensagens e a web em geral estão repletos de notícias falsas. Nos últimos anos, iniciativas jornalísticas de fact-checking surgiram na América Latina e no mundo, em resposta a esse problema. No entanto, isso não parece ser suficiente. A desinformação avança em um ritmo mais rápido do que a capacidade dos fact-checkers de desmentir.
"Quando analisamos a dinâmica da difusão de rumores verdadeiros e falsos, descobrimos que a falsidade se espalha significativamente mais longe, mais rápido, mais profundo e mais amplamente do que a verdade em todas as categorias de informação... A falsidade também atinge muito mais pessoas do que a verdade. Embora a verdade raramente se espalhe para mais de 1.000 pessoas, cascatas de notícias falsas normalmente se espalham entre 1.000 e 100.000 pessoas ”, explica um estudo de 2018 sobre desinformação no Twitter publicado pela revista Science.
É nesse contexto que surge o Infotrición, uma extensão de navegador com a qual é possível identificar e denunciar páginas que divulgam desinformação na internet. Desenvolvida por uma parceria entre ColombiaCheck e Our.News, apoiado pela International Fact-Checking Network e o Facebook, a extensão usa inteligência artificial para fazer com que as checagens de mais de uma dúzia de fact-checkers latino-americanos estejam disponíveis imediatamente e facilmente em seu navegador.
Infotrición é a versão em espanhol do Newstrition, mas, neste caso, coleta dados e verificações de diferentes fontes na América Latina: Verificador e La Mula (Peru); El Surtidor (Paraguai); La Silla Vacía, ColombiaCheck e Vanguardia (Colômbia); Mala Espina (Chile); Bolívia verifica (Bolívia); Cazadores de Fake News, Cotejo Info, Es Paja e Efecto Cocuyo (Venezuela); Equador Chequea (Equador); La Lupa Press (Nicarágua) e Verificado (México).
“A proposta era aproveitar um plugin que já existia ... Então foi proposto um projeto para fazê-lo em espanhol, mas não uma tradução simples, mas usando as checagens latino-americanas”, diz Jeanfreddy Gutiérrez, diretor do ColombiaCheck e líder da Infotrición, para a LatAm Journalism Review (LJR). "Uma das coisas que percebemos é que embora haja uma rede transnacional de desinformadores, é claro que existem nós regionais."
Não é a primeira vez que checadores latino-americanos se unem com o objetivo de impedir a disseminação de informações falsas e boatos em espanhol. Existe uma rede com mais de 22 organizações de fact-checking na região, a Latam Chequea, que recentemente realizou um projeto para verificar informações, coletar e atualizar checagens sobre a COVID-19.
“Há muito tempo trabalhamos junto com a ColombiaCheck na aliança Latam Chequea e sabemos do grande trabalho que eles fazem para combater a desinformação. Decidimos participar de Infotrición porque acreditamos que é uma contribuição para fornecer conteúdo de qualidade às pessoas e evitar que caiam no engano”, afirma Tomás Martínez, fundador da Mala Espina Check no Chile (aliados de Infotrición) à LJR.
Infodemia
Em abril de 2020, em meio à primeira onda da pandemia de COVID-19, uma manchete que dizia "um medicamento que mata o coronavírus em 48 horas" encheu os grupos de WhatsApp, Telegram e até mesmo as páginas da imprensa. Se referia a uma droga chamada ivermectina, e a descoberta pertencia a um estudo científico conduzido na Austrália.
E embora o estudo tenha sido publicado, os resultados foram considerados duvidosos pelos médicos especialistas, porque os experimentos foram feitos em laboratório, não em humanos. Atualmente, a Food and Drug Administration (FDA) não aprovou o uso de ivermectina para tratar ou prevenir COVID-19 em humanos, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselha seu uso. No entanto, este título continua a varrer a internet.
Aqui é onde fica clara a utilidade de Infotrición, já que, uma vez instalada a extensão no navegador, cada vez que o leitor abre uma notícia como a mencionada acima, aparece um aviso na tela dizendo “Ei! Este conteúdo foi verificado. Veja as checagens”.
Ao clicar nele, você encontrará alguns dados nutricionais ou tabela nutricional, semelhantes aos rótulos dos alimentos. Mas, em vez de ingredientes ou conteúdo calórico, os leitores podem ver a data e o autor da postagem, as checagens diretas ou relacionadas, links para fontes originais e avaliações de usuários.
“Não colocamos verdadeiro ou falso. Em vez disso, dizemos: 'Este conteúdo foi verificado'. E é que às vezes o que verificamos não é falso, mas questionável ou enganoso. Não dizemos às pessoas 'isso é uma mentira', mas 'olhe o arquivo' que inclui não apenas a checagem, mas de repente os links para estudos ou bancos de dados. Então fica um pouco mais completo”, comenta Gutiérrez sobre o funcionamento da ferramenta.
Gutiérrez afirma ainda, em relação ao exemplo de medicamento para a COVID-19, que as notícias falsas relacionadas com a pandemia, em muitas ocasiões, ultrapassaram as capacidades dos checadores no seu trabalho diário.
“A propaganda antivacinas é o que nos ultrapassou. Obviamente, tivemos protestos políticos na Colômbia e em Cuba também, mas isso é o que chamamos de checagens ‘zumbi’. Uma foto ou vídeo que pertence a outro país ou a outra data, essa é a desinformação mais óbvia. Mas o mais preocupante é a propaganda antivacinas. Todos os dias sai alguma coisa”, explica Gutiérrez. “Percebemos com o monitoramento das redes que não são informações isoladas. As notícias anti-vacina estão ligadas às redes que desinformam que a terra é plana ou que há uma conspiração da nova ordem mundial”, acrescenta o diretor do ColombiaCheck.
Tanto é verdade que a OMS alertou sobre uma superabundância de informações e tentativas deliberadas de espalhar desinformação para minar a resposta da saúde pública.
"A tecnologia da qual dependemos para nos mantermos conectados e informados permite e amplifica um infodemia que continua a minar a resposta global e comprometer as medidas para controlar a pandemia", explicou a OMS em um comunicado em setembro de 2020.
Desafio de 28 dias
A extensão Infotrition pode ser baixada gratuitamente no Chrome ou Firefox, mas ainda não funciona em telefones celulares. Segundo seus idealizadores, foi um projeto que conseguiram concluir em apenas quatro meses e ainda requer algumas melhorias.
Um dos maiores desafios que os desenvolvedores encontraram é que, na América Latina, não é tão difundido entre projetos e veículos de fact-checking o uso da ferramenta Claim Review – um sistema de marcação que os verificadores podem usar para identificar seus artigos para os motores de busca e plataformas de mídia social, como Google Search, Google News, Bing, Facebook e YouTube. Isso trouxe dificuldades ao fazer uso da inteligência artificial. No entanto, segundo Gutiérrez, embora tenha exigido muito trabalho adicional, eles conseguiram realizá-lo.
“Durante o processo de criação, como na maioria dos projetos, novas ideias foram deixadas no rascunho, então sonhamos em promover outra fase da Infotrition na qual possamos incluir, entre outras coisas, quem são os donos dessas páginas de desinformação e como elas são financiadas. Mas enquanto isso acontece, convidamos você a explorar a extensão, usá-la, compartilhá-la e tirar o máximo proveito dela”, escreve Tatiana Parto, repórter de ciências e parte da equipe que deu vida à extensão, em uma nota de lançamento.
Do mesmo modo, para melhorar a ferramenta, o Infotrition dá a opção de registo a partir do qual os usuários podem inserir artigos ou notícias na base de dados Our.News e solicitar que as informações sejam verificadas.
Os meios alidados da Infotrition também decidiram lançar, junto com a ferramenta, um desafio de 28 dias nas redes sociais para combater a desinformação e incentivar os leitores a compartilhar apenas as notícias que leram ou verificaram.
“Queríamos dar à ferramenta um sabor próprio ou latino. Por isso, criamos este desafio de 28 dias semelhante a regimes de boa saúde, onde ensinamos as pessoas a tomar melhores decisões e mudar seus hábitos ao consumir conteúdo na Internet”, diz Gutiérrez.
Por exemplo, um dia eles convidam você a ler os artigos completos e não apenas as manchetes. Em outro, a verificar quem são os autores ou de que fonte vem a informação que é consumida. E assim por diante por 28 dias.
“No final, essa extensão não é tudo, as pessoas podem ler os ingredientes, mas ainda consomem produtos que não são saudáveis”, conclui Gutiérrez. “O mesmo acontece com o conteúdo online. Cada um é quem toma a decisão ”.