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Iniciativa da OEA, Centro de Integridade de Mídia das Américas quer investir em jornalistas para fortalecer democracia

Consciente de que desinformação generalizada e ameaças à liberdade de imprensa representam ameaças à democracia, a Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) lançou uma iniciativa para apoiar o jornalismo independente e o acesso à informação qualificada na região. O Centro de Integridade de Mídia das Américas pretende investir na formação e no trabalho de jornalistas como meio de fortalecimento das democracias americanas, e planeja sua primeira atividade, uma conferência em Washington D.C., para setembro.

O Centro foi anunciado por Luis Almagro, secretário-geral da OEA, durante a mais recente Cúpula das Américas, que aconteceu em Los Angeles, nos Estados Unidos, no começo de junho. O jornal Washington Post e a Fundação Gabo são sócios fundadores do Centro, “fazendo parte do Conselho Consultivo e como centros de convocação, possivelmente sediando atividades futuras”, segundo o comunicado de imprensa sobre o anúncio da iniciativa.

Luis Almagro, OAS Secretary-General

Luis Almagro, Secretário-Geral da OEA. (Foto: Juan Manuel Herrera/OEA)

O comunicado também afirma que o Centro “será inteiramente financiado por doações voluntárias dos setores privado, acadêmico, da sociedade civil e filantrópico” e que, embora esteja sendo lançado como um projeto da Secretaria-Geral da OEA, em breve se tornará uma organização independente sem fins lucrativos. O Centro, portanto, não receberá dinheiro de Estados-membros da OEA.

O primeiro diretor-executivo do Centro é o ex-embaixador dos EUA no Panamá John Feeley, diplomata com anos de trabalho em países latino-americanos e caribenhos.

“Basicamente, o que vimos foi um ambiente midiático em todo o hemisfério – Estados Unidos, América Latina e Caribe – no qual polarização, desinformação e pressões sobre os jornalistas estavam aumentando significativamente”, disse Feeley à LatAm Journalism Review (LJR). “Isso obviamente tem um efeito negativo na qualidade das democracias. As liberdades de imprensa e de expressão, de uma forma ou de outra, estão arraigadas nas Constituições ou nas práticas de todas as democracias vibrantes, e muito francamente, na última década, o que temos visto é um encolhimento deste espaço e uma pressão sobre este espaço.”

Segundo ele, desde a OEA decidiu-se oferecer uma contribuição “para combater este ambiente midiático cada vez mais preocupante e que tem tido um efeito tão negativo no jornalismo de qualidade”.

“O que faremos é fortalecer o capital humano, os próprios jornalistas que vão escrever as reportagens investigativas em todas as plataformas, não importa se é jornalismo escrito, podcasts, transmissão ao vivo, jornais digitais online, etc. O meio não é importante. O que é importante é essa palavra em nosso título: integridade. Que os jornalistas reportem o que está acontecendo com integridade e com altos padrões jornalísticos”, disse o diretor-executivo do Centro.

Uma das linhas de atuação do Centro será a realização de conferências, disse Feeley, e a primeira atividade que está sendo planejada é justamente uma conferência a ser realizada em setembro, em Washington, D.C., capital dos EUA e cidade que abriga a sede da OEA.

“[A conferência] será intitulada ‘Exilados, mas não silenciados’, e planejamos receber vários jornalistas da América Latina e do Caribe que tiveram que deixar seus países de origem por terem sido ameaçados por governos ou por outros atores na sociedade, o que fez com que não seja mais seguro para eles exercer a profissão de jornalista em seu país”, disse Feeley.

John Feeley, executive-director of the Center for Media Integrity of the Americas

John Feeley, diretor-executivo do Centro de Integridade de Mídia das Américas. (Arquivo pessoal)

O Centro pretende realizar uma série de eventos para chamar a atenção para questões relacionadas à liberdade de imprensa e ao jornalismo de qualidade, disse o diretor da iniciativa. Ele também destacou que o Centro está “estreitamente coordenado” com a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), principal órgão da OEA. O advogado colombiano Pedro Vaca, atual Relator Especial para a Liberdade de Expressão da CIDH, é também membro do Conselho Consultivo do novo Centro.

Formação e bolsas para jornalistas

O Centro pretende ajudar a fortalecer os jornalistas da região por meio de seminários de capacitação e apoio à produção de investigações jornalísticas. A intenção é promover de maneira recorrente seminários de jornalismo liderados pela Faculdade de Jornalismo Philip Merrill da Universidade de Maryland, parceira estratégica do Centro. Segundo Feeley, tais seminários terão duração de uma semana e receberão entre 10 e 15 jornalistas e “possivelmente influenciadores de redes sociais” das Américas. “Vamos desenvolver um currículo de seminários para não apenas revisar as melhores práticas e como conduzir um jornalismo de alta qualidade, mas também para proporcionar networking para essas pessoas”, disse ele.

Outra forma de apoio aos jornalistas da região será o oferecimento de bolsas de incentivo à produção de projetos jornalísticos. “A ideia é poder dar a um jornalista que já esteja trabalhando em determinado meio, ou talvez até mesmo um jornalista freelancer, de seis a 12 meses de dinheiro, basicamente, que lhe permita viver e produzir a investigação que realmente o move, que o motiva, que ele considera importante compartilhar com os cidadãos de seu país para que eles tenham melhor informação sobre o que está acontecendo ao seu redor”, explicou Feeley.

O Centro também espera oferecer aos jornalistas mentorias com alguns dos 31 profissionais que formam seu Conselho Consultivo. De acordo com Feeley, o Conselho está formado por “pessoas que têm uma longa experiência no jornalismo ou na comunicação, caracterizada por sua integridade”.

Os membros do Conselho Consultivo serão “nossos olhos e ouvidos na região”, disse o diretor do Centro. “Eles vão nos ajudar a selecionar os participantes dos seminários, atuar como jurados na seleção das pessoas que vamos incentivar com nossas bolsas, e finalmente e talvez mais importante, eles vão servir como mentores.”

Segundo Feeley, os jornalistas que receberão as bolsas “poderão contatar o Conselho Consultivo para pedir ajuda e apoio, para conversar com alguém que já passou por aquilo, que sabe como fazer e que pode encorajá-los e ajudá-los concretamente no desenvolvimento do produto final de sua investigação”.

Influenciadores digitais como aliados do jornalismo

Um dos membros do Conselho Consultivo é Jaime Abello, diretor e co-fundador da Fundação Gabo, sócia fundadora da iniciativa. Segundo ele, o Centro “vai servir, pela própria natureza da organização que o respalda e que o promove, que é a OEA, como ponto de encontro de líderes do jornalismo e da comunicação com outros setores, especialmente com setores da política, dos governos. Tudo isso em função da ideia de um jornalismo independente, de um jornalismo que esteja do lado do público, dos cidadãos, que esteja a serviço da informação baseada em fatos verificados”, disse Abello à LJR.

Abello também destacou que “há de se notar que não apenas se vai trabalhar, segundo se pensou inicialmente, com jornalistas profissionais no sentido clássico, mas também com esta nova modalidade, digamos, de liderança comunicativa que representam os chamados influencers das redes sociais”.

De fato, uma das preocupações que deu origem ao Centro é a ameaça à democracia representada por “atores mal-intencionados que fazem uso indevido das muitas tecnologias de comunicação atualmente à nossa disposição para espalhar desinformação e informações intencionalmente erradas, para promover seus interesses a qualquer custo”, conforme expressou o secretário-geral da OEA no lançamento da iniciativa.

Assim, embora este seja um programa centrado no jornalismo, disse Feeley, “influenciadores que tenham demonstrado uma disposição para falar sobre questões de interesse público, pessoas que estejam mais envolvidas em comentar as atuais dinâmicas sociais, econômicas e políticas nos países onde tenham seus seguidores”, também podem ser convidados a participar dos seminários formativos.

Controvérsia com profissionais do Caribe

Em 16 de junho, dias após o lançamento oficial do Centro, a Associação de Profissionais de Mídia do Caribe (ACM, na sigla em inglês) divulgou uma carta aberta endereçada ao secretário-geral da OEA expressando preocupação pela suposta exclusão de comunicadores caribenhos da iniciativa.

“Reconhecemos o valor do contexto hemisférico conforme delineado” na ficha informativa da OEA sobre o novo Centro, escreveu a ACM. “No entanto, estamos preocupados que, como instituição a ser ‘aninhada dentro da Organização dos Estados Americanos’, não tenha havido absolutamente nenhuma consulta sobre o desenvolvimento de tal Centro com associações profissionais de ponta, órgãos representativos da indústria e instituições acadêmicas ativas nos 14 Estados Membros da CARICOM [Comunidade do Caribe] da OEA.”

A ACM também criticou o fato de que, àquela altura, a lista de membros do Conselho Consultivo do novo Centro não contava com nenhum comunicador ou jornalista caribenho. “Em nossa opinião, isto não é um bom augúrio para a inclusão necessária para garantir plenos engajamento, resiliência e sucesso hemisférico”, afirmou a associação.

Nazima Raghubir, presidente da ACM, disse à LJR que “nossa observação geral é que há uma omissão rotineira do Caribe de língua inglesa por um grande número de grupos intergovernamentais, da sociedade civil e outros grupos hemisféricos quando questões de interesse para todos nós estão sendo discutidas e/ou resolvidas. Este episódio é simplesmente mais um para o qual nossa resposta foi elaborada a fim de chamar a atenção para a questão mais ampla da exclusão”.

Segundo ela, Luis Almagro, secretário-geral da OEA, respondeu à carta da ACM “de forma muito oportuna”. Raghubir disse que, em correspondência à associação no dia 20 de junho, Almagro afirmou que comunicou a Feeley a “necessidade de incluir representantes do Caribe no Conselho Consultivo” do Centro e que, na verdade, “esta sempre foi a ideia desde o início, mas houve algumas questões que atrasaram a seleção de cidadãos dos países da Caricom que deveriam integrar o Conselho do projeto”.

Feeley disse à LJR que a formação do Conselho Consultivo “levou vários meses” e que, originalmente, dois profissionais do Caribe foram convidados, mas declinaram devido a outros compromissos. “Estávamos um pouco correndo contra o tempo para nosso lançamento na Cúpula das Américas porque queríamos poder aproveitar essa oportunidade, e não tínhamos nenhum caribenho no Conselho naquele momento”, afirmou ele.

“Recebemos a carta de Harvey Panka [secretário-geral da ACM] e literalmente em dois dias eu estava conversando com Harvey e seus colegas, e fico muito feliz em informar que temos duas mulheres excepcionais que são profissionais no Caribe de língua inglesa e que estão em nosso Conselho Consultivo no momento: Kiran Maharaj [de Trinidad e Tobago] e Sonia Gill [Jamaica]”, disse Feeley.

“Não teríamos contemplado fazer esta iniciativa hemisférica sem a participação dos caribenhos e acho justo dizer que eles trarão sua perspectiva única de pequenas ilhas. Estes são países onde talvez a democracia não esteja tão sob ataque quanto em alguns outros lugares, mas eles certamente têm seu próprio conjunto único de desafios para produzir jornalismo de qualidade, e nós queremos dar a esse esforço uma voz e uma plataforma”, acrescentou o diretor do Centro.

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