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Jornalista investigativa hondurenha Jennifer Ávila conquista Reconhecimento a Excelência Jornalística do Prêmio Gabo 2023

A jornalista investigativa hondurenha Jennifer Ávila, repórter, diretora editorial e cofundadora do veículo Contracorriente, foi a vencedora da categoria Reconhecimento à Excelência do Prêmio Gabo 2023, tornando-se a primeira jornalista de seu país a receber a honraria, anunciou a Fundação Gabo na manhã desta segunda-feira (6).

A jornalista hondurenha Jennifer Ávila, homenageada pelo Reconhecimento à Excelência do Prêmio Gabo 2023

A jornalista hondurenha Jennifer Ávila, homenageada pelo Reconhecimento à Excelência do Prêmio Gabo 2023

Na ata em que justifica a sua escolha, o Conselho Diretivo do Prêmio Gabo, integrado por 14 jornalistas, escritores e acadêmicos reconhecidos na América Latina, afirma que a decisão homenageia "uma jovem profissional que, apesar de todas as dificuldades, decidiu perseverar no exercício do bom jornalismo, respeitando o princípio de que o direito à informação não é um privilégio dos jornalistas, mas sim um direito do povo".

O Contracorriente, veículo independente que Ávila, de 32 anos, fundou em 2017 ao lado de Catherine Calderón, se destaca por seu jornalismo investigativo, com reportagens sobre o crime organizado, a corrupção e a impunidade em Honduras. Calderón permanece no veículo, atualmente como diretora de desenvolvimento.

Segundo Ávila, é comum que hondurenhos digam que não há jornalismo de verdade em Honduras, ou que jornalistas “são vendidos." 

“Em Honduras, produzir jornalismo investigativo independente com a qualidade que os cidadãos merecem é um desafio enorme, porque o ofício está degradado há muitos anos e o medo de denunciar e vasculhar as estruturas de poder é maior”, disse Ávila à LatAm Journalism Review (LJR).

Honduras é atualmente o país mais violento da América Central, e registrou 38,6 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2023, de acordo com o relatório Emergency Watchlist 2022 do Comitê Internacional de Resgate (IRC).

Jornalistas são um alvo comum de grupos criminosos no país. Segundo a Associação de Jornalistas de Honduras (CPH), houve mais de 90 assassinatos de profissionais de imprensa no país nos últimos 20 anos. Entre estes casos, houve apenas quatro condenações, informou a mesma organização no ano passado.

Defensores dos direitos humanos, ambientalistas, minorias étnicas e grupos historicamente marginalizados também são submetidos a uma "violência histórica" no país, segundo uma definição recente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh). Nos dois primeiros meses de 2023, cinco defensores do meio ambiente e de territórios foram assassinados no país.

Este cenário gera riscos adicionais para jornalistas. “Num país com mais de 90 jornalistas assassinados nas últimas duas décadas, um país classificado como um narco-Estado, onde as máfias tomaram os territórios, a autocensura e a corrupção tomaram conta da maior parte dos meios de comunicação”, disse Ávila.

Além da violência, Ávila também enfrenta o desafio do sexismo estrutural em seu trabalho. Em uma entrevista ao LJR em 2021, ela afirmou que, em seu início, “custou muito conquistar o que o Contracorriente merecia” devido a "uma visão muito machista ao redor do jornalismo”.

Segundo o júri, apesar de enfrentar riscos à sua segurança e da dificuldade de ter acesso a informações, Ávila e a jovem equipe que lidera produziram um “jornalismo vigoroso e ético” e conseguiram se firmar “como uma referência em investigações regionais e transnacionais que tiveram repercussão dentro e fora de suas fronteiras”.

O site tornou-se “uma escola para a nova geração de jornalistas hondurenhos que foram forçados a sobreviver em um sistema político controlado por máfias e autocracias”, acrescenta o texto.

“Até certo ponto, a desconfiança na mídia se baseia no fato de que seu modelo de negócios tradicional se baseia em corrupção, suborno, tráfico de influência e interesses políticos”, afirmou ela à LJR.

Ávila disse que considera a homenagem da Fundação Gabo “muito especial”.

“Gabriel García Márquez é um escritor e jornalista de cabeceira desde que fiz o ensino médio, e a Fundação Gabo é uma escola desde que comecei a minha carreira”, afirmou. “As professoras e professores que agora reconhecem o meu trabalho foram a minha inspiração, e graças a eles existe não só o Contracorriente, mas muitos outros meios de comunicação independentes na minha região centro-americana”.

O Contracorriente, cujo slogan é “Conectando-se com a realidade”, investe em reportagens de longo fôlego, com forte foco na cobertura de direitos humanos e no estado da democracia hondurenha. As publicações com frequência utilizam formato multimídia, mesclando texto, vídeo, infográficos e áudio.

O site também tem uma seção dedicada a populações LGBTQI+, e outra sobre cultura e comportamento. Além da versão em espanhol, o Contracorriente conta também com um site em inglês, que reproduz versões traduzidas de suas principais reportagens.

Entre os principais destaques de sua cobertura até hoje, estão as reportagens ligadas ao caso Pandora Papers em 2021, que revelaram situações de evasão e elisão fiscal de líderes políticos e empresariais hondurenhos, acusados de ocultar o seu patrimônio em paraísos fiscais.

Antes da mais recente honraria, Ávila e o Contracorriente já ganharam vários outros prêmios, como uma menção especial do júri do Prêmio Maria Moors Cabot de 2021 e o Lasa Media Award 2020, da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa).

A jornalista diz também que a visibilidade oferecida pelos prêmios fortalece a sua segurança no trabalho. “Graças a eles, estamos mais protegidas fazendo esse trabalho que é incômodo para personagens perigosos, que põem em perigo ou destruíram a pouca democracia que tínhamos acabado de conhecer em nossos países”.

De acordo com Ávila, os prêmios chamam a atenção não só para o jornalismo, mas também para os temas que eles cobrem. “Eles põem luz sobre nossos países, o estado da democracia, as histórias que muitas vezes se perdem na internet, no algoritmo, no scroll das redes sociais. De alguma forma, eles tornam essas histórias mais urgentes”.

Por outro lado, ressalta ela, as distinções também geram “uma enorme responsabilidade em nós que as recebemos para continuar a fazer o que fazemos e fazer sempre melhor”.

Ávila, cujo nome completo é Jennifer Alejandra Ávila Reyes, nasceu em 1990 em El Progreso, no departamento de Yoro, em Honduras.

Ao longo de 10 anos de experiência, ela mostrou versatilidade como investigadora, trabalhando como documentarista, repórter de texto e rádio, fixer, analista e pesquisadora. Além do Contracorriente, ela já colaborou com meios de comunicação como The Washington Post, Divergentes, Distintas Latitudes e Notícias Aliadas.

O seu empreendimento começou com um pequeno grupo de quatro pessoas que trabalhavam em um escritório emprestado, incluindo dois voluntários. Desde então, sob a liderança jovem de Ávila e Calderón, a equipe passou a contar com mais de 20 pessoas.

Em uma entrevista à LJR em 2021, Ávila afirmou que, em seu início, “custou muito conquistar o que o Contracorriente merecia” devido a ““uma visão muito machista ao redor do jornalismo”.

Ávila receberá o prêmio Reconhecimento de Excelência na décima primeira edição do Festival Gabo, onde também serão agraciados os vencedores das cinco categorias do concurso Prêmio Gabo 2023: Áudio, Cobertura, Fotografia, Imagem e Texto. As candidaturas ao Prémio Gabo até 22 de março.

Ela também fará parte da programação do Gabo Festival, o maior encontro dedicado ao jornalismo, cidadania e cultura da América Latina, que este ano será realizado de 30 de junho a 2 de julho em Bogotá, na Colômbia.

Segundo a descrição da Fundação Gabo, a categoria Reconhecimento de Excelência do Prêmio Gabo elege anualmente “um jornalista ou equipe jornalística de reconhecida independência, integridade e compromisso com os ideais de serviço público do jornalismo, que mereça ser destacado e reconhecido como referência por toda a sua carreira ou por uma contribuição excepcional à busca da verdade e ao avanço do jornalismo”.

Desde a sua criação, em 2013, já foram premiados a jornalista costa-riquenha Giannina Segnini (2013), o jornalista colombiano Javier Darío Restrepo e a jornalista mexicana Marcela Turati (2014), a jornalista brasileira Dorrit Harazim (2015), a equipe do veículo focado na América Central El Faro (2016), o jornalista mexicano-americano Jorge Ramos (2017), o jornalista espanhol Ignacio Escolar (2018), o fotojornalista colombiano Jesús Abad Colorado (2019), a equipe do veículo chileno Radio Cooperativa (2020), o cartunista nicaraguense Pedro X. Molina (2021) e o jornalista mexicano Juan Villoro (2022).

O Conselho Diretivo do Prêmio Gabo é formado desde junho de 2022 por: Rosental Alves* (Brasil), Jon Lee Anderson (Estados Unidos), Carmen Aristegui (México), Martin Caparros (Argentina), Carlos Fernando Chamorro (Nicarágua) e Maria Jesus Espinosa de los Monteros (Espanha), Hector Feliciano (Porto Rico), Jean-François Fogel (França), Monica Gonzalez (Chile), Leila Guerriero (Argentina), Sergio Ramirez (Nicarágua), Germán Rey (Colômbia), Luz Mely Reyes (Venezuela ) e Natália Viana (Brasil).

*Rosental Alves é diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, que produz a LatAm Journalism Review (LJR).

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