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Jornalistas latino-americanos discutem desafios atuais e oportunidades para a profissão na RightsCon 2023

A 12ª edição da RightsCon, uma importante conferência sobre direitos humanos e tecnologia, contou com três painéis dedicados à liberdade de imprensa, nos quais jornalistas da América Latina discutiram os desafios que enfrentam no exercício da profissão.

Após três anos de encontros virtuais, a RightsCon voltou para um espaço físico e, desta vez, a sede escolhida foi a Costa Rica. A conferência pretende reunir todas as partes interessadas, de empresas de tecnologia a autoridades do governo, jornalistas e defensores dos direitos humanos, para construir um futuro digital com respeito a direitos.

A Costa Rica tornou-se, nos últimos anos, o principal local de acolhimento de jornalistas centro-americanos exilados. Profissionais de Nicarágua, El Salvador, Guatemala e Honduras protagonizaram vários painéis durante o evento de quatro dias realizado no início do mês.

Um deles foi a mesa intitulada “Jornalismo centro-americano sob ataque”, a única conferência sobre liberdade de imprensa transmitida online em espanhol. No encontro, membros da recém-criada Rede Centro-Americana de Jornalistas discutiram os crescentes ataques contra o jornalismo independente na América Central e as formas que estão adotando em conjunto para enfrentar o autoritarismo em seus países.

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Integrantes da Rede Centro-Americana de Jornalistas discutiram as formas que estão implementando em conjunto para enfrentar o autoritarismo e os crescentes ataques à imprensa em seus países. (Foto: Captura de tela)

“Continuo fazendo jornalismo porque é um compromisso cívico e porque acredito que se pode ter um país melhor… A Nicarágua demonstrou que o único que o jornalismo é o único que sobra para jogar luz em tanto obscurantismo quando as democracias são deterioradas", disse o jornalista nicaraguense exilado na Costa Rica Wilfredo Miranda Aburto, fundador do Divergentes. 

Ele, como muitos outros jornalistas centro-americanos, teve que enfrentar as dificuldades de continuar a exercer a profissão no exílio. “No exílio, perde-se o contato direto com a realidade, coisas pessoais como família, amigos... Perdi até a nacionalidade. Você perde aquela capacidade de repórter de estar na rua e ter contato direto com as pessoas. Além disso, no exílio você tem que ver como não perder a sensibilidade com o que está acontecendo no seu país”, explicou Miranda Aburto.

Em El Salvador, a situação é igualmente preocupante. Angélica Cárcamo, presidente da associação de jornalistas de El Salvador, fez um resumo da situação da imprensa em seu país: 11 jornalistas exilados devido a reformas legais que criminalizam os jornalistas, meios independentes que tiveram que transferir sua estrutura legal para outros países como El Faro, o fechamento de dois canais de televisão aberta por sufocamento econômico, etc.

“A única coisa boa que Nayib Bukele [atual presidente de El Salvador] fez foi unir os jornalistas e nos organizar como um sindicato… nos organizamos porque eles estão nos atacando”, explicou Cárcamo.

E a Costa Rica, apesar de ser o atual refúgio dos jornalistas centro-americanos, está longe de ser um lugar modelo para o exercício do jornalismo. “Achamos que a Costa Rica estava blindada e isso foi um erro. A Costa Rica caiu da posição 5 para a posição 23 no último relatório do Repórteres Sem Fronteiras”, disse Álvaro Murillo, do semanário da Universidade da Costa Rica.

“Não sabemos conviver com essa realidade de ameaças à imprensa. E diante disso, o que muitos meios de comunicação estão fazendo – de chefes de empresas a jornalistas – é a autocensura”, acrescentou Murillo.

O painel Jornalismo centro-americano sob ataque’ encerrou com uma conversa com José Carlos Zamora, jornalista e filho do jornalista guatemalteco preso José Rubén Zamora.

“Este caso é emblemático porque reflete uma forma de punição exemplar que envia uma mensagem ao público, e a jornalistas, comunicadores e meios de comunicação. De que, ao exercerem uma profissão como o jornalismo, terem um veículo, escreverem notícias e cobrirem casos importantes para o público, eles podem ser punidos não apenas com prisão, mas com tortura psicológica e o fechamento dos meios de comunicação”, disse a fundadora da Prensa Comunitaria de Guatemala, Quimy De León, durante a conversa.

Zamora aproveitou a ocasião para pedir à comunidade internacional que continue falando sobre casos como o de seu pai e "que continue apoiando jornalistas, promotores, juízes honestos com fundos, proteção, assistência jurídica, vistos".

Ele também apreciou a sinergia entre os jornalistas centro-americanos que estão colaborando mais do que nunca para realizar jornalismo investigativo. "A melhor denúncia para os ataques é mais e melhor jornalismo", disse ele.

Dias depois da conferência, em 14 de junho, José Rubén Zamora foi condenado por um tribunal guatemalteco a seis anos de prisão pelo crime de suposta lavagem de dinheiro após quase um ano de processo judicial.

Oportunidades e desafios das plataformas digitais

Carlos Chamorro, fundador do Confidencial, da Nicarágua, e Pablo Medina, editor de desinformação do El Clip, participou de um painel de discussão sobre como a tecnologia pode ser aproveitada para fornecer e acessar informações confiáveis.

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Carlos Chamorro, fundador do El Confidencial de Nicaragua, e Pablo Medina, editor de desinformação do El Clip, falaram sobre as oportunidades e desafios das plataformas digitais. (Foto: Captura de tela)

Para Chamorro, a versão digital do jornal e as plataformas digitais como YouTube ou Facebook significaram a salvação para o El Confidencial, porque a princípio os ataques que receberam foram físicos (assaltos e assédio à redação) e impediam a livre circulação da versão no jornal papel.

“As plataformas digitais nos deram várias vantagens para enfrentar a censura, mas ao mesmo tempo criaram novos problemas como polarização e desinformação”, disse Chamorro.

Medina concorda com Chamorro que as plataformas digitais oferecem oportunidades e desafios. O editor explicou que o principal problema que eles viram com seus aliados em outros países é que os governos estão tentando cada vez mais legislar na América Latina o que pode ou não ser dito online. Além disso, segundo Medina, as grandes empresas de tecnologia não têm a América Latina como prioridade para dar suporte.

Este tema também foi discutido na sessão intitulada “Sustentabilidade e interesse público: elaboração de modelos de remuneração do jornalismo na esfera digital”.Nela, Paula Miraglia, fundadora do Nexo Jornal, destacou que as grandes plataformas digitais e redes sociais não são as únicas responsáveis ​​pela má situação que os meios de comunicação enfrentam atualmente.

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Paula Miraglia, fundadora do Nexo Jornal, participou do painel 'Sustentabilidade e interesse público: elaboração de modelos de remuneração para o jornalismo na esfera digital'. (Foto: Captura de tela)

“Falar de sustentabilidade é falar de qualidade do jornalismo e essas duas conversas devem andar juntas. Devemos reconhecer que esta é uma indústria que tem se sentido muito confortável com as margens da publicidade e por isso não tem se esforçado para inovar”, afirmou Miraglia.

“A inovação tem que fazer parte de qualquer setor e o setor de mídia não pensou na transformação digital com rapidez suficiente ou com seriedade suficiente porque não achava que era necessária. Eu não diria que o setor de mídia está em má forma apenas por causa as plataformas”, disse ela.

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