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Jornalistas latino-americanos forjam laços de colaboração durante o V Congresso Internacional de Jornalismo de Migração e Desenvolvimento na Espanha

Os processos migratórios são complexos. No entanto, cada vez mais jornalistas estão se capacitando para contar e entender melhor as questões de migração. Um exemplo é o Congresso Internacional de Jornalismo de Migração e Desenvolvimento que aconteceu nos dias 5, 6 e 7 de outubro de 2022, na cidade de Mérida, na Espanha.

Na quinta edição desse evento, mais de 100 jornalistas de todo o mundo se reuniram para falar sobre jornalismo e migração, assim como para forjar redes e laços de colaboração. O Congresso foi organizado pela Por Causa, uma organização que, de acordo com seu site, é formada por "uma equipe de especialistas, pesquisadores e jornalistas que abordam as questões migratórias a partir de um marco único que permite entender o que está acontecendo e propõe alternativas viáveis ​​para o modelo atual."

O evento também contou com o apoio da AEXCID, a agência de cooperação internacional que administra as políticas da Junta de Extremadura (Espanha) em matéria de cooperação, construção da paz e ação humanitária.

“Aqui as pessoas vêm para falar, mas também vêm para ouvir. Existe um desejo de ouvir o que os outros têm a dizer. Assim são construídas as pontes verdadeiras, que é a finalidade deste congresso”, disse Eileen Truax, jornalista mexicana especializada em migração, e diretora de conteúdo do Congresso, na cerimônia de encerramento.

Foram realizadas aproximadamente 16 mesas redondas, que também foram transmitidas ao vivo no YouTube. A LatAm Journalism Review (LJR) cobriu o evento e as participações mais importantes dos jornalistas latino-americanos presentes estão resumidas abaixo.

Jornalistas como migrantes 

Em uma das conversas realizada durante o evento, David Jiménez (jornalista e escritor espanhol; colunista do The New York Times) entrevistou Óscar Martínez (escritor, pesquisador e jornalista salvadorenho; editor-chefe de El Faro).

Martínez começou dizendo que, naquela ocasião, não faria um discurso otimista porque, poucas horas atrás, a equipe do El Faro precisou tirar outro jornalista de El Salvador por causa do cerco e das ameaças do governo do país contra a imprensa.

Two men having a conversation on a stage

Óscar Martínez e David Jiménez durante sua conversa no Congresso de Jornalismo de Migração. (Foto: Cortesia)

“Alguns dos jornalistas que tiramos preventivamente do país receberam uma intimação da divisão de elite contra o crime organizado. Isso significa que eles querem nos acusar de sermos membros de gangues. Em El Salvador, depois da reforma legal, se você for acusado de ser membro de uma gangue, você pode passar até 30 anos preso sem julgamento”, disse Martínez.

Muitos habitantes de El Salvador vão embora do país fugindo da violência. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 1,6 milhão de salvadorenhos moram fora do país. E embora El Salvador não tenha atingido os níveis da Nicarágua, em que a maioria dos jornalistas vive no exílio, os jornalistas salvadorenhos estão cada vez mais em risco, afirma Martínez.

“Para os jornalistas, a decisão de deixar o país implica uma avaliação pessoal profunda e honesta que deve necessariamente ser contrastada com as pessoas em quem confiam. Dessa forma, você tem chances de evitar um fracasso”, disse o editor-chefe do El Faro.

Martínez confessou que nunca na vida tinha se sentido tão frustrado com o jornalismo como atualmente. Disse também que ele e os jornalistas de seu país sentem duas coisas: frustração e raiva. “E com essas duas sensações fica muito difícil tomar as decisões certas (como sair do país e virar um migrante).”

Truax também se referiu a isso em outra mesa redonda. Para a jornalista mexicana, é importante que as portas sejam abertas aos jornalistas migrantes para que eles possam continuar exercendo a profissão fora de seus países. “Olhem as redações. Quantas mulheres e homens migrantes elas têm? As redações precisam ter diversidade para criar novas narrativas”, disse Truax.

Cuidando da saúde mental dos jornalistas

A escritora, pesquisadora e jornalista mexicana Marcela Turati foi entrevistada por Gumersindo Lafuente do Eldiario.es.

Há anos, Turati documenta e cobre questões relacionadas a desaparecidos no México. Ao mesmo tempo, criou oficinas e grupos de apoio para proteger jornalistas que cobrem temas extremamente duros e carregam nas costas um pesado fardo psicológico. Turati tem procurado maneiras de se proteger e de ajudar outros jornalistas a aprenderem a lidar com a própria dor.

“Durante muitos anos, nós, jornalistas, fundamos coletivos para cuidar de outros [jornalistas] e para ensiná-los a cuidarem de si mesmos. Tivemos aulas sobre segurança digital, segurança física, protocolos para entrar em áreas perigosas, etc. Mas, faz vários anos, estamos vendo que faltava a outra grande perna, que era a psicoemocional”, disse Turati. “Se você não está bem ou não está gerenciando o impacto acumulado de trabalhar ou de viver em uma área de violência, você está em grande risco”, afirmou a jornalista.

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Marcela Turati foi entrevistada durante o congresso por Gumersindo Lafuente de Eldiario.es. (Foto: Cortesia)

Turati ressalta que o grande problema no México é que não houve um “depois” do trauma. Desde 2006, com o início da chamada “guerra às drogas”, existe um processo de violência e de tensão no país que também atinge os jornalistas. "Sempre se fala em estresse pós-traumático, mas o problema é que no México não tivemos um pós-trauma."

O México é o país mais perigoso do mundo para o exercício do jornalismo, segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras. Recentemente, veio à tona que Turati foi uma das pessoas espionadas pelo malware Pegasus, um programa que é instalado em telefones celulares e é capaz de assumir o controle quase total deles. No México, o vazamento de dados da Pegasus revelou que mais de 15 mil números de telefone de jornalistas, ativistas e defensores de direitos humanos foram grampeados.

“As redes salvam. As redes feministas sempre me salvaram. Acredito neste trabalho coletivo e colaborativo onde você não está sozinha e onde todas cuidam umas das outras”, disse Turati, referindo-se à Red Periodistas de a Pie, uma organização formada em sua maioria por mulheres jornalistas em atividade, que busca elevar a qualidade do jornalismo no México. "Esse jornalismo é um trabalho compartilhado... defender o jornalismo é defender a vida."

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