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Meio digital mexicano Serendipia trabalha para equilibrar jornalismo de dados em profundidade e criação de conteúdo para redes sociais

O YouTube, o segundo site mais popular da Internet, se tornou tão onipresente que as suas estrelas, vendendo de tudo, de humor a esportes e maquiagem, têm a capacidade de atrair tanto milhões de espectadores quanto milhões em receitas.

Depois de passar horas na frente da tela de seu próprio computador, a jornalista de dados Alejandra Padilla se perguntou por que ela não conseguia levar o seu trabalho para a popular plataforma de vídeo.

“No final de [2017] eu estava consumindo muito YouTube, muitos vlogs e conteúdo banal. Pessoas mostrando suas vidas e coisas assim. Foi daí que surgiu a ideia. Eu me perguntei por que, em vez de dizer como vou preparar meu casamento (um tema recorrente entre os YouTubers), não poderia contar o que descobri quando fiz um pedido de informações?" disse Padilla, cofundadora do veículo digital mexicano e iniciativa de jornalismo de dados Serendipia, à LatAm Journalism Review (LJR).

Padilla hosts the media outlet's YouTube videos

Data journalist Alejandra Padilla hosts the media outlet's YouTube videos. (Screenshot)

 

Foi quando ela e o cofundador Hugo Osorio, designer de informação, decidiram criar um canal no YouTube para acompanhar o trabalho que Serendipia já fazia.

Em 12 de janeiro de 2018, eles publicaram seu primeiro vídeo na plataforma, promovendo uma nova seção de Serendipia, intitulada peso por peso, no qual investigam quanto custam os eventos e iniciativas do governo federal e das administrações locais no México.

Os vídeos seguintes seguiram o mesmo tema. Por exemplo, eles explicaram como o governo federal mexicano gastou 3,8 milhões de pesos (cerca de US$ 189.000) para organizar a visita do primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, em outubro de 2017, e também o dinheiro investido para garantir a segurança de Enrique Peña Nieto durante suas viagens de trabalho ao interior do país.

Agora, o canal, Serendipia Data, tem quase 100.000 assinantes. Ele apresenta vídeos que vão desde como fazer uma solicitação de informações até explicações sobre novas leis ou como acessar programas de assistência governamental.

Padilla apresenta os vídeos, mas rejeita o rótulo “YouTuber”.

“Não me considero uma YouTuber. Sou jornalista e vejo o YouTube como uma ferramenta que nos ajuda a alcançar mais pessoas, nos comunicar de uma forma diferente e expandir nosso público”, disse ela.

Crescimento do canal

Em julho deste ano, a Serendipia lançou uma campanha nas redes sociais para aumentar seu número de seguidores no YouTube.

“Junte-se às quase 100.000 pessoas que sabem mais sobre os programas governamentais, se familiarizam com os dados abertos e aprendem a fazer solicitações de informações. Inscreva-se em nosso canal no YouTube e clique no ícone de sino. Sejamos 100 mil pessoas que encontram histórias nos dados”, diz o vídeo que acompanha a campanha.

Serendipia Data's YouTube Page

O crescimento da Serendipia nesta plataforma de conteúdo audiovisual, tanto em número quanto em estilo, não tem sido rápido. Ele evoluiu com o tempo. Nos primeiros vídeos, dá para ver que eles tinham apenas fundo branco, o áudio não era dos melhores e não usavam “thumbnails” com ilustrações que permitissem chamar a atenção do público.

Agora, a equipe do Serendipia cresceu para cinco pessoas, o que lhes permite fazer uma edição mais profissional dos vídeos e produzir mais histórias de jornalismo de dados.

Com o Serendipia Data, eles publicam atualmente dois vídeos por semana trocando informações sobre dados, transparência e apoio do governo mexicano. Um dia eles podem postar um vídeo explicando como fazer um pedido de informação e no outro eles falam sobre a eficácia das vacinas COVID-19 ou como a administração está garantindo o ensino público durante a quarentena.

O canal também promove investigações aprofundadas que são publicadas uma vez por mês em seu site. Segundo Padilla, planejamento e perseverança têm sido fundamentais para seu crescimento.

“Ainda somos um canal pequeno. Mas, se você começar a comparar como estávamos nos primeiros meses, lembro que até fizemos uma campanha nas redes para chegar a 100 assinantes e agora vamos chegar a 100 mil”, disse ela.

Monetização e público

O canal representa 10% das fontes de financiamento do meio de comunicação – receita que é complementada pela publicidade do Google e por bolsas ou subsídios recebidos de várias organizações que apoiam o jornalismo independente.

“O que o Serendipia está fazendo no YouTube é muito interessante porque não é apenas uma fonte de visualizações, mas também de financiamento. Parte de seu financiamento vem da monetização do YouTube. É algo importante que outros meios de comunicação poderiam considerar, porque vemos que há temas de interesse e necessidades de informação que não são necessariamente notícias diárias, como acessar papelada do governo ou algo mais relevante, como o que está acontecendo com a COVID-19”, afirma Juan Manuel Casanueva, diretor da organização Social Tic e membro do Conselho Consultivo de Serendipia, à LJR.

Esse Conselho Consultivo foi implantado pelo veículo digital em meados de 2020 para receber orientações sobre como desenvolver seu plano de negócios e revisar a estrutura e o design do site. Outros membros do grupo são Aura Martínez, da Global Initiative for Fiscal Transparency, Eduard Martín-Borregón, da organização PODER, Anca Matioc, da Agency, e Pablo Collada, consultor em Filantropia, Comunicação e Impacto.

Casanueva também destaca que a Serendipia possui sua própria plataforma de web analytics com o objetivo de aumentar, com precisão, o entendimento do seu público e, posteriormente, capitalizar o comprometimento de seus seguidores.

“A imprensa latino-americana não tem um conhecimento profundo de analytics, muito menos dentro dos veículos menores. O fato de um meio de comunicação local tão pequeno estar procurando capitalizar e entender seu público por meio de dados é muito valioso. Você tem que acompanhar esses números”, disse Casanueva.

Eduard Martín-Borregón, também membro do Conselho Consultivo, concorda.

“Eles são um meio de comunicação que faz reportagens sobre o México desde Puebla e isso é muito interessante. No início da pandemia, Serendipia se saiu muito bem. Eles abriram dados sobre a COVID-19 e conseguiram interessar e obter novos leitores ”, disse Martín-Borregón à LJR.

Mais do que dança 

O YouTube não é a única plataforma de vídeo que a Serendipia usa – eles também têm uma conta TikTok com mais de 65.000 seguidores. Os vídeos não são apenas os mesmos postados no YouTube, mas adaptados à rede social. Eles seguem tendências e tentam publicar uma vez por dia.

“Tentamos usar o mesmo conteúdo do YouTube para Instagram e TikTok e obviamente não funcionou. Então decidimos fazer um conteúdo diferente para cada um. Procuramos planejar bem para ter tempo de fazer o conteúdo”, disse Padilla.

TikTok account of Serendipia

 

Embora a monetização no TikTok não seja considerável, essa rede permite que eles consigam mais tráfego para seu site. Um exemplo foi a investigação sobre o impacto ambiental do Trem Maia, megaprojeto do governo do presidente Andrés Manuel López Obrador para o transporte de passageiros e cargas pela Península de Yucatán, como parte da expansão da rede ferroviária nacional.

Como resultado dessa investigação, eles tiveram muitos comentários e interações no TikTok, tanto negativos quanto positivos, que resultaram em visualizações.

“A verdade é que também nos recusamos muito a entrar no TikTok porque pensávamos que eram apenas dancinhas. Mas, encontramos uma forma de não dançar e apresentar a informação de uma forma mais amigável e divertida ”, explica Padilla.

Porém, a equipe do Serendipia está preocupada com a agressividade e os ataques que tem recebido nessa rede social em comparação com as demais. Principalmente quando publicam informações sobre violações do governo López Obrador. Em alguns casos, eles até receberam ameaças à sua integridade física que foram reportadas à plataforma.

O México é o quinto país com mais usuários de TikTok no mundo, com uma média de 19,7 milhões de pessoas. É superado apenas pela Índia, Estados Unidos, Turquia e Rússia.


Equilíbrio entre jornalismo e redes sociais

Serendipia identificou uma grande falta de conhecimento na sociedade mexicana sobre jornalismo de dados e transparência. Isso apesar de o México ter uma Lei Federal de Transparência e Acesso à Informação Pública desde 2002, uma das primeiras na região.

Com seus vídeos, buscam informar sobre o direito de acesso à informação pública e ensinar sobre a importância dos dados abertos. Ao mesmo tempo, continuam realizando um trabalho aprofundado sobre violência de gênero, meio ambiente, corrupção e direitos humanos.

Um dos diferenciais do Serendipia, segundo Juan Manuel Casanueva, é que eles conseguiram um equilíbrio entre fazer conteúdo para redes sociais e também jornalismo em profundidade. É uma situação pouco comum na América Latina.

Martín-Borregón acrescenta que o conteúdo que Serendipia publica nas redes pode se assemelhar ao que se conhece como jornalismo de soluções governamentais, onde se dão respostas aos problemas sociais.

“Existe a ideia de que essas questões são tão sérias que você tem que ser apenas isso: você tem que ser muito sério”, disse Padilla. “As pessoas pensam que, se começarem a fazer um TikTok com esses dados, vão perder a legitimidade e que é uma piada. Acho que você pode encontrar um equilíbrio e isso só te ajuda a alcançar mais pessoas, o que no final é o objetivo.”

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