O jornalismo ambiental na América Latina tem pela frente grandes desafios nos próximos anos, como o avanço do crime organizado, a violência crescente contra jornalistas e as suas fontes, a crise de financiamento dos meios de comunicação independentes e a manifestação acelerada dos efeitos das mudanças climáticas.
Em resposta, quase uma centena de jornalistas ambientais da região que colaboraram sob a coordenação do meio independente de jornalismo ambiental Mongabay América LatAm decidiu formalizar a sua aliança. Eles criaram a Rede de Jornalistas Unidos pelo Meio Ambiente (Puma, na sigla em espanhol).
"Pareceu-nos que o trabalho em rede era essencial. Já tínhamos uma rede viva com a qual fizemos investigações e colaborações transfronteiriças", disse à LatAm Journalism Review (LJR) María Isabel Torres, diretora da Mongabay Latam. "A ideia é justamente fortalecer a rede, continuar fazendo jornalismo juntos, potencializando todas as nossas capacidades, não só em termos de jornalismo, mas também em termos de recursos e proteção quando trabalhamos no terreno em áreas perigosas".
Quase cem jornalistas ambientais da América Latina decidiram formalizar sua aliança e criaram a Rede Jornalistas Unidos pelo Meio Ambiente (PUMA). (Foto: Captura de tela do site da Mongabay Latam)
Entre as expectativas que os jornalistas membros têm ao fazer parte desta nova aliança estão continuar trabalhando em projetos colaborativos, encontrar espaços de treinamento e trabalhar juntos para melhorar os protocolos de segurança, tanto para cobertura de campo quanto para proteção legal.
A Mongabay Latam nasceu em 2016 como a versão espanhola da Mongabay, um veículo independente especializada em questões ambientais com sede na Califórnia, Estados Unidos. O meio fundado em 1999 pelo jornalista Rhett A. Butler, que até o momento é seu diretor, opera desde 2012 como uma organização sem fins lucrativos, financiada principalmente por subvenções e doações.
A Mongabay Latam surgiu com o objetivo de ampliar a cobertura ambiental na América Latina e levar pesquisas e relatórios sobre conservação, biodiversidade e mudanças climáticas ao público de língua espanhola. Esta edição regional em espanhol foi seguida por outras em outras partes do planeta, como Mongabay Índia, Mongabay Brasil e Mongabay África.
Desde o seu lançamento, a Mongabay Latam trabalhou em colaboração com jornalistas independentes e meios de comunicação locais de 14 países, com os quais formou uma rede que atualmente é composta por mais de 90 comunicadores. Esta rede publicou mais de 120 séries e investigações sobre questões ambientais com uma perspectiva global, mas também destacando particularidades locais.
"Não é possível compreender plenamente a questão ambiental sem lhe conferir essa perspectiva global, regional e com especificidade local", disse Torres. "Temos utilizado as nossas melhores capacidades, cada um no seu país, em termos de especialização em jornalismo ambiental para criar estes especiais".
Um dos primeiros trabalhos da Rede Puma foi a publicação de uma série de perfis intitulada "Mulheres que protegem o território: as mulheres defensoras na Colômbia vivem à beira da morte" com histórias de mulheres líderes indígenas que vivem gravemente ameaçadas pela sua luta para proteger o seu território e recursos.
Histórias como estas são provas de que a América Latina é uma das regiões mais perigosas do planeta para os defensores ambientais, disse Laila Abu Shihab, cofundadora e diretora de projetos do meio de jornalismo investigativo colombiano Vorágine, e uma das autoras da série de perfis.
Não é incomum que aqueles que estão por trás das ameaças, dos assassinatos e do assédio aos defensores ambientais sejam também um perigo para a segurança dos jornalistas que relatam essas histórias, disse Shihab. Estes vão desde organizações do crime organizado até políticos e grandes empresários.
Por esta razão, a segurança é um dos principais temas da agenda da nascente Rede Puma.
"Investigar crimes e problemas ambientais é perigoso. Viajar para Putumayo, para Guainía, para a Amazônia, para descobrir que relação uma multinacional petrolífera tem com a mineração ilegal, é perigoso", disse Shihab à LJR. "A Rede Puma está pensando, por exemplo, em construir um protocolo de segurança muito mais robusto para todos nós na América Latina que cobrimos esses tópicos. E isso ajuda a todos nós".
Shihab disse que trabalhar rede também permite que os riscos de segurança sejam avaliados de forma mais eficaz. Graças à colaboração da Vorágine com a Mongabay Latam, eles têm conseguido reportar temas delicados com maior profundidade e com maior segurança para seus repórteres.
Shihab citou como exemplo uma reportagem colaborativa publicada em 2023 que revelou a relação entre organizações criminosas transfronteiriças e grupos armados com a mineração ilegal de ouro no departamento de Guainía, Colômbia.
"Provavelmente não teríamos conseguido investigar esta questão a esse nível e com a segurança que tínhamos para ir até lá, se não fosse a aliança com a Mongabay", disse Shihab. "O Vorágine pode ter um protocolo de segurança específico. Mas se tivermos o apoio e um protocolo de segurança muito mais robusto de uma organização internacional como a Mongabay, então será muito melhor."
Unir forças em uma aliança como a Red Puma permitirá desenhar esses protocolos de segurança conjuntos, disse Diego Cazar Baquero, diretor e editor geral da revista digital La Barra Espaciadora, do Equador, outro membro da nova rede.
Cazar Baquero disse que na Amazônia, os crimes ambientais ligados ao crime organizado aumentaram nos últimos cinco anos, por isso a cobertura naquela região tornou-se ainda mais arriscada. Jornalistas de La Barra Espaciadora constataram que colaborando com colegas da rede com mais experiência em cobertura na região amazônica é possível encontrar fontes mais confiáveis, rotas mais seguras e logística mais eficiente.
O jornalista Diego Cazar Baquero (centro), diretor do meio de comunicação equatoriano La Barra Espaciadora, espera que a Rede Puma ajude a desenvolver protocolos de segurança conjuntos para a cobertura ambiental. (Foto: Cortesia de Mongabay Latam)
"Muitas vezes fazer reportagens simultâneos ou conectar fontes para que possamos estar de alguma forma preparados para qualquer risco também é uma vantagem que descobrimos", disse Cazar Baquero à LJR. "O que estamos fazendo é que essa rede se torne também um instrumento que nos garanta mais jornalismo, mas um jornalismo seguro”.
Shihab disse que outro dos desafios de segurança que os membros da Rede Pumaenfrentam é encontrar formas eficientes de continuar a denunciar os perigos vividos pelos defensores ambientais, que muitas vezes são fontes primárias de denúncias e investigações, sem colocá-los em risco.
"É um desafio enorme escrever, por exemplo, uma matéria sobre esses defensores ambientais. Aí é preciso ter muito mais cuidado e rigor do que em qualquer outra área do jornalismo", disse o jornalista.
Os membros da Rede Puma esperam que esta iniciativa ajude a mídia independente que cobre o meio ambiente na América Latina a lidar com a crise financeira desencadeada pela suspensão dos apoios de entidades dos Estados Unidos, ordenado pelo presidente Donald Trump em janeiro.
"Sabemos que vivemos uma crise global em termos de cooperação internacional, de financiamento do jornalismo, e a crise do próprio jornalismo e da sua imagem também se tornam obstáculos que devem ser encarados", disse Cazar Baquero.
Numa altura em que dezenas de meios de comunicação na região são forçados a repensar os seus modelos de negócio, o surgimento de uma aliança como a Red Puma é muito oportuno, disse Shihab.
Para o jornalista, o modelo de negócio não tem apenas a ver com financiamento, mas inclui também outros elementos que dão sustentabilidade a um meio. Entre eles estão as alianças e colaborações com outros meios de comunicação e os recursos humanos e materiais de que os meios de comunicação dispõem. E é nestes dois aspectos que redes como a Puma são muito úteis.
"Para os meios de comunicação que são muito pequenos, que talvez não tenham equipamentos, como câmeras, microfones ou material para fazer vídeo, se nos aliarmos a outros meios de comunicação [que o tenham] já estamos a resolver um problema para podermos investigar e contar uma história específica. Às vezes, para investigar tópicos específicos, a Mongabay não tem pessoas, por exemplo. Temos os recursos humanos, mas às vezes não temos o dinheiro, então a Mongabay fornece o dinheiro, e é assim que nos ajudamos".
Geralmente, a Mongabay Latam tem fundos para cobrir determinadas histórias ou tópicos, por isso a mídia aliada costuma fornecer pessoal, equipamentos ou despesas de viagem, explicou Torres. Desta forma, podem ser produzidos produtos jornalísticos que seriam muito caros para um meio de comunicação sozinho.
Laila Shihab (à esquerda), cofundadora do meio de comunicação colombiano Vorágine, afirmou que sua equipe conseguiu investigar temas sensíveis com mais segurança graças ao trabalho colaborativo. (Foto: Luis Ángel / Vorágine)
"O que a Mongabay faz conosco em particular é pagar as taxas de certas coberturas previamente acordadas", disse Cazar Baquero. "É garantido que o jornalista receba uma remuneração justa e digna."
O trabalho produzido pelos meios de comunicação membros da Rede Puma muitas vezes preenche uma lacuna que a mídia tradicional não cobre em profundidade, disse Mary Triny Zea, jornalista investigativa independente e membro da rede.
"As histórias que abordamos com o Mongabay foram de perspectivas muito diferentes e novas em relação ao que normalmente é coberto na agenda da mídia local", disse Zea, que colabora com a Mongabay Latam desde 2022, à LJR. "[Networking] nos permitiu abordar histórias importantes e reveladoras de uma perspectiva internacional."
Zea disse que às vezes o jornalismo ambiental fica para trás na mídia tradicional pelas notícias do dia a dia, não porque não seja importante, mas porque requer tratamento especializado. Uma rede como a Puma também permite o acesso a especialistas em diversos temas para oferecer essa especialização.
A jornalista deu como exemplo o caso da primeira transferência em massa de refugiados climáticos na América Latina, em 2024, acontecimento que teve cobertura da maioria dos meios de comunicação panamianos. No entanto, uma investigação especializada realizada por Zea em colaboração com a Mongabay constatou que esta realocação estava colocando em risco uma das áreas protegidas mais importantes do Panamá.
"Isso nos diz que o jornalismo ambiental é super importante, é super necessário, mas também é uma especialização. Por isso treinamos, nos preparamos e estudamos", disse Zea. "Nós, jornalistas, não somos especialistas, mas temos que contactar quem conhece os assuntos para nos orientar e poder fazer a melhor cobertura possível."
A Rede Puma pretende desenvolver uma série de iniciativas de formação. Um dos primeiros workshops que a Mongabay planejou é sobre ferramentas de monitoramento por satélite. Além disso, estão sendo preparados espaços de debate e reflexão sobre segurança e bem-estar, disse Torres.
A Rede Puma planeja realizar iniciativas de capacitação sobre temas como ferramentas de monitoramento por satélite e segurança e bem-estar para jornalistas. (Foto: Cortesia de Mongabay Latam)
Zea acrescentou que outras vantagens da formação de uma rede via Mongabay é a capacidade de enfrentar a censura com maior força. As reportagens feitas em parceria são publicadas tanto no site da Mongabay quanto nos dos meios de comunicação envolvidos, o que os protege da censura.
Na América Latina, as empresas transnacionais envolvidas em desastres ambientais têm muitas vezes poder suficiente para tentar censurar uma história, seja intimidando jornalistas ou ameaçando-os com processos judiciais, disse Zea.
"Eles podem tentar censurar uma história num país, mas se trabalharmos em rede, a história não poderá ser censurada porque será publicada em vários países ao mesmo tempo, simultaneamente", disse Zea. "O efeito da censura ou de uma ameaça legal é menos provável quando se trabalha online, porque todos colaboramos, todos nos protegemos como comunidade jornalística."
A publicação simultânea de histórias em vários meios de comunicação de diferentes países também aumenta o seu alcance e impacto. Com mais de 90 jornalistas na Rede Puma, os membros esperam que esta aliança ajude a melhorar as investigações jornalísticas sobre questões ambientais na região.
"Podemos organizar e investigar com muito mais profundidade se nos unirmos, se estabelecermos redes", disse Shihab. "Isso expande enormemente o alcance e o impacto das histórias que fazemos. As histórias podem viajar muito mais longe, alcançando públicos que normalmente não alcançariam".