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“Não encontramos uma razão para estarem nos assassinando”, diz jornalista de Veracruz exilado

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  • 31 agosto, 2015

Por Aileen Ford

Quando em 1º de agosto recebeu em Austin, Texas, a notícia de que seu companheiro Rubén Espinosa havia sido assassinado na Cidade do México, Miguel Ángel López Solana reviveu todo o pesadelo que o fez deixar Veracruz há quatro anos.

Em 20 de junho de 2011, López Solana recebeu a notícia de que na casa de sua família, no porto de Veracruz (México), foram encontrados executados sua mãe, seu pai e seu irmão menor. Segundo as primeiras reportagens, homens armados não identificados chegaram na casa às 6 da manhã e dispararam contra todos. Até então, o motivo exato do crime era desconhecido.

O padre e o irmão de Miguel Ángel também eram jornalistas. Seu pai, Miguel Ángel López Velasco, mais conhecido por seu apelido 'Milo Vela', havia colaborado como colunista durante anos no diário Notiver cobrindo temas de segurança e narcotráfico. Seu irmão, e o filho mais jovem da família, Misael López Solana, havia se especializado em fotografia política e policial. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, López Velasco havia recebido ameaças do crime organizado relacionadas com sua profissão.

Em 2007, por exemplo, narcotraficantes haviam deixado uma cabeça humana na porta de Notiver com a seguinte mensagem: “Aqui deixamos um presente […] assim vão rolar muitas cabeças, “Milovela” sabe e muitos mais, vão cem cabeças por meu papai. Atentamente, filho de Mario Sánchez e La Gente Nueva.” La Gente Nueva se refere a um grupo de pistoleiros cujo trabalho é proteger o Cartel de Sinaloa.

Poucos meses depois do assassinato de sua família, López Solana veria morrer vários companheiros jornalistas, incluindo os fotojornalistas Gabriel Huge e Guillermo Luna Varela, colaboradores também de Notiver; Esteban Rodríguez, que havia trabalhado anteriormente no jornal veracruzano AZAna Irasema Becerra Jiménez, empregada administrativa do jornal El Dictamen; e Regina Martínez, correspondente no estado do semanário Proceso. López Solana não podia esperar mais pra ver se a próxima vítima desta violência seria ele. Seguindo sua intuição, tomou a decisão de se exilar na Cidade do México, Distrito Federal (D.F.).

Contudo, com o tempo López já não se sentiu tão seguro no D.F., e junto com sua esposa, decidiu ir aos Estados Unidos e pedir asilo político. Em 2013, conseguiram e até hoje López Solana está convencido de que se não tivesse saído de Veracruz, estaria morto.

Por isso quando foi informado do assassinato do fotojornalista Rubén Espinosa, em 31 de julho na Cidade do México, sentiu muita tristeza. Quatro anos depois de López Solana, Espinosa também fugiu de Veracruz para o D.F. em busca de proteção. Mas Espinosa não a obteve. Ele foi assassinado em um apartamento junto a quatro mulheres - Olivia Alejandra Negrete, Nadia Vera, Mile Virginia Martín e Yesenia Quiroz- em Narvarte.

López Solana dividiu com o Centro Knight para o Joralismo nas Américas suas reflexões sobre o assassinato de Espinosa, os riscos que enfrentam hoje os jornalistas em seu estado natal Veracruz e em todo México, e o significado do asilo obtido para sua vida.

Jornalista Miguel Ángel López Solana e sua esposa Vanessa posam com a foto de Rubén Espinosa. (Aileen Ford/Knight Center for Journalism in the Americas)

Centro Knight: Qual foi a primeira coisa que passou na sua cabeça quando soube do assassinato do fotojornalista Rubén Espinosa e de quatro mulheres na Cidade do México?

Miguel Ángel López Solana: Nos machuca... nos machucou. Por tudo o que realmente sofremos, dói saber do assassinato de algum companheiro [jornalista], de todos meus companheiros e sobretudo de Veracruz. O governo de Javier Duarte [atual governador de Veracruz] é cúmplice por omissão. Considera que as investigações não devam ser feitas a fundo.

Ele deu declarações se referindo aos trabalhadores da mídia e dizendo que deveriam ter cuidado. Mais que declarações, parecem ameaças. E o que Javier Duarte, que é um político, não percebe é que hoje, a nível mundial, ele é conhecido porque em seu estado assassinaram vários jornalistas […] e Veracruz ficou conhecido porque existe sangue e fogo no estado.

Rubén em todo momento apoiou o esclarecimento do assassinato de Regina Martínez. Rubén esteve a frente dessas manifestações. Foi até certo ponto um militante, como parte dos repórteres, defendendo os repórteres.

CK: E também os estudantes que foram golpeados em Xalapa, assim como diferentes movimentos sociais…

MALS: Os jornalistas são parte da voz do povo, a voz do cidadão. Há muitas famílias no México que perderam seus filhos, seu esposo, sua mãe. Já estamos cansados de lidar com a morte todos os dias no México, vê-la de frente, saber que ao sair às ruas corremos um alto risco de perder a vida sem [que] realmente você esteja fazendo algo ilícito. Pode haver um fogo cruzado. Já se viu morrer filhos e mãos neste tipo de ações que são lamentáveis.

CK: E o que está acontecendo em Veracruz, em particular nestes últimos anos, para que haja uma onda concentrada de extrema violência contra os jornalistas comparada com 2009 e 2010, quando esta se concentrava mais no norte do país, como por exemplo em Coahuila ou Chihuahua?

MALS: Acredito que o que passou específicamente [em Veracruz] e em geral no México foi o efeito barata. Quando o governo consegue combater na fronteira do México com os Estados Unidos alguns grupos criminosos, acaba beneficiando outros. Então, essas gangues foram mais pro sul.

E eles, como faziam os senhores das drogas colombianos que diziam "dinheiro ou chumbo", ou querem meu dinheiro ou querem chumbo, estão atuando com o chumbo, porque não conseguiram dobrá-los. Eles seguem adiante, informando, os companheiros em Veracruz continuam informando sob altíssimo risco […] Em Veracruz não existem as mínimas garantias para poder exercer a liberdade de expressão.

Em Veracruz, até nós, jornalistas, e os companheiros fotógrafos não sabemos o que passa. Não encontramos, como todas as pessoas, uma razão pela qual estejam nos atacando, estejam nos assassinando, perseguindo.

CK: Espinosa é o primeiro jornalista que morre no D.F. por fatos que passaram em Veracruz ou outro estado do país. Qual é a importância do assassinato ter ocorrido ali?

MALS: Fala-se muito que a capital era o único lugar que pensaria estar a salvo, embora haja a delinquência comum, roubo de carros, assaltos.

Eu vivi no D.F., meu primeiro exílio foi ao Distrito Federal. Vivi na Colonia Del Valle também. Perto de onde ocorreu o fato [de Espinosa], considerado um lugar tranquilo e seguro. Caminhei por essas ruas, mas também chegou um momento em que eu me senti inseguro, me senti perseguido, e da noite pro dia desapareci do Distrito Federal.

Uma companheira de Xalapa, declarou que viu como Rubén Espinosa era perseguido, era intimidado. É viver com medo, não sei... não pode viver. Em Veracruz, você vive com medo. O medo te persegue.

E desde o assassinato da minha família, houve uma onda de violência que aumentou ao invés de diminuir. É como uma bola de neve, vai crescendo mais e mais.

CK: Que tipos de apoios ou recursos recebem os jornalistas que se encontram em perigo? Há informação de que Espinosa não pediu ajuda ao mecanismo de proteção para jornalistas.

MALS: Eu o pedi no D.F. Me deixaram em um hotel dois dias. Não fiz nada. Me disseram "tem que assinar aqui, e vai depender de você como sobreviverá daqui por diante".

Ele viu que em vários casos o mecanismo não funciona. Existe uma comissão para a liberdade de expressão no estado de Veracruz que só é conhecida pelo grande desperdício de dinheiro  entre os que a formam. Só se dedicam a gastar dinheiro e ver coisas bonitas, (dizer) que o governador está bem, só aplaudem o governador.

Isso não é jornalismo, o jornalista não está pra isso. O jornalista está para informar o que está mal na sociedade e o que está afetando a sociedade. Creio que os mecanismos de defesa para os jornalistas ainda precisam ser melhorados e, sem dúvida, falharam. Falharam porque deveriam ter monitorado mais Rubén, ter ficado um pouco mais em cima. Não apenas os mecanismos governamentais, mas também os mecanismos internacionais de proteção ao jornalismo.

CK: Então como está o estado de liberdade de expressão em Veracruz?

MALS: Não existe. A liberdade de expressão no estado de Veracruz e no México não existe. Não existe porque você corre risco de perder a vida, de que sua família perca a vida, de desaparecer e não te encontrarem, ou então no pior dos casos, de te assassinarem e dizerem que você foi atropelado, ou que se suicidou, ou que foi um caso isolado o que ocorreu. E a investigação pode esfriar e ir pro lixo, e o assassinato ficar impune.

Assim era [em Veracruz], tinha que ficar calado, não dizer nada, e depois de receber uma ameaça piora. Imagina, ter uma pistona na sua boca? Colocaram uma pistola na minha boca. Me pegaram, me algemaram e me bateram. Depois disso, eu já não queria sair da minha casa. Da minha casa […] E anda para um lado e para o outro. Sentia que iam me matar, e pergutava: Mas por quê? Não sei... não sei. Não tenho nem ideia! Estão loucos. E é como uma pessoa que está drogada e tem armas, e do nada sai e mata. E pronto, está feito.

CK: Você tem alguma esperança de que haja punição nestes casos de assassinatos ou a impunidade é a toda-poderosa?

MALS: Infelizmente sabemos que no México as coisas só são por corrupção ou por impunidade. Considero que se deva realizar um fórum em Veracruz com organizações internacionais, e que cheguem a um acordo para que realizar algum tipo de organização que esteja em Veracruz e cujos representantes sejam de meios de comunicação. Jornalistas, realmente jornalistas. Não aqueles diretores e donos que recebem dinheiro do governo por chamadas, publicidade ou convênios. Realmente jornalistas.

CK: O que pensa do tipo de pressão que está havendo estes dias com a mobilização pública e as concentrações no México?

MALS: Sem dúvida, nestes momentos se está fazendo uma pressão muito grande e mostrando que a união faz a força. Que realmente em Veracruz está passando algo muito ruim, muito sério. Por trás de todos esses assassinatos existe uma rede muito maquiavélica. São assassinatos planejados, pensados e forjados da maneira mais clandestina possível.

CK: Mudando um pouco de assunto, queria saber sobre sua experiência de ver esta situação de longe, aqui dos EUA. Como se refugiar aqui mudou sua vida?

MALS: Vir para cá…foi renascer. Quando me deram o asilo político, voltei a nascer aos 30 anos. Realmente não sabia o que me esperava neste país, e quando vi foi o melhor pra mim. É um país cheio de oportunidades.

O que posos dizer, a verdade, é que estou muito, muito melhor que se estivesse em Veracruz. Já não estou tão, tão desconfiado, estou só desconfiado [risos]. Mas sim, consideramos que estamos bem, que recobramos a tranquilidade.

CK: Em 2012, só 1,4% dos solicitantes mexicanos receberam asilo político nos EUA, comparado com 42% dos solicitantes chineses. Tendo em conta este número tão baixo e o fato de que você faz parte de um pequeno grupo de jornalistas mexicanos que atualmente vivem no país com asilo político, teria alguma reflexão sobre o processo de lutar e ganhar um caso de asilo político nesse país? Acha que existe uma barreira nos EUA para os que chegam aqui fugindo da insegurança no México?

MALS: É difícil realmente desde o princípio. Primeiro, tomar a decisão de se exilar e saber que não vai mais estar em seu lar, que não vai mais estar no lugar onde você nasceu. O primeiro exílio, insisto, é ao D.F., e o segundo vai aumentando até que chegamos aos EUA. É um pouco terrível porque você já sabe que está em outro país, que não há mais volta.

Mas creio que além do asilo, o que mais dá vontade é que as leis sejam cumpridas. Realmente o que aconteceu conosco foi que se fez justiça. As leis desse país nos julgaram e determinaram que éramos aptos a receber o asilo.

Me perguntaram o que eu senti quando me disseram que eu recebi o asilo, e quando me notificaram, não sabia se chorava, se cantava, se estava feliz ou triste. Até agora não sei o que fazer. Não sei porque é muito doloroso saber que realmente o que está passando pode ser comprovado e divulgado, e por isso pode obter asilo. Dá alegría, mas depois lembra que você está aqui pelo assassinato da sua família.

Se não tivesse deixado Veracruz, estaria morto. Quase todos meus companheiros estão mortos. Aqueles com os quais eu  trabalhava diariamente, saudava diariamente, convivia, estão mortos.

Mas é um dilema. Mais que um dilema, não pode comparar ter o asilo com tudo que precisou passar para obtê-lo. Quem dera regressar a meu país e não ter asilo, quem dera que nada tivesse ocorrido, quem dera ter minha família em lugar de ter o asilo.

CK: Tem algo mais sobre sua experiência ou sobre o que está passando agora no México que considere ser importante dividir com o público?

MALS: Sem dúvida em Veracruz os companheiros estão vivendo um horror. Um horror porque é muito difícil sair, se dar conta de que pode poder a vida. Em Veracruz parece que se vive uma anarquia. Que o governador não se importa com o que os cidadãos realmente pensam, nem sequer em resolver desaparições, sequestros, e estamos cansados de ver companheiros morrerem, de ver amigos e família perderem seus entes, que tudo é destruído pela violência.

É muito difícil saber que ainda continuam impunes todos os assassinatos, e que, vez ou outra, terei de exigir que resolvam o assassinato da minha família, que isso não vá para o lixo ou fique congelado.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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