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No interior da Venezuela, jornalistas que cobrem protestos após eleições estão mais vulneráveis a ataques e ameaças

"Continuamos na batalha para informar. A Venezuela precisa de informações. Jornalista, seja corajoso, mas se cuide".

Jesús Romero, repórter do meio de comunicação independente Código Urbe, fez essa advertência em um leito de hospital, enrolado em um lençol azul, com fita adesiva médica colada no peito. A Guarda Nacional Bolivariana disparou um projétil em seu estômago e uma bala em sua perna, que acabou atingindo uma artéria, enquanto ele cobria os protestos em Maracay, no estado de Aragua, no centro do país.

Romero é um dos pelo menos 40 jornalistas atacados em regiões fora da capital Caracas, em meio a uma onda de protestos e repressão que eclodiu em todo o país depois que as autoridades eleitorais deram ao presidente Nicolás Maduro a vitória em uma eleição disputada. Isso de acordo com os números até 31 de julho do Instituto Prensa y Sociedad de Venezuela (Ipys).

Os ataques, incluindo acusações infundadas de terrorismo e "incitação ao ódio", contribuíram para um clima de medo entre jornalistas no interior, a maioria dos quais trabalha de forma independente ou para pequenos meios de comunicação, como Romero. Esse clima de medo está levando à autocensura e à criação de vazios informativos em meio à crise política e social pós-eleitoral, de acordo com representantes de sindicatos de jornalistas do país.

"Estamos percebendo, por meio de dados, que jornalistas venezuelanos nas regiões e vilarejos da Venezuela estão mais expostos a agressões e ameaças do que nos centros urbanos e nas capitais dos estados", disse Marianela Balbi, diretora do Ipys, à LatAm Journalism Review (LJR).

Nesses locais, longe da capital venezuelana, jornalistas são alvos mais fáceis de vigilância, pois as relações entre os cidadãos são mais diretas e próximas, explicou Balbi.  

"Os jornalistas estão mais desprotegidos porque os agressores clássicos – em muitos casos, policiais, autoridades locais e até mesmo membros de gangues do crime organizado – sabem onde eles moram, quem são seus familiares e como são os hábitos dos jornalistas, o que os torna mais vulneráveis do que nas áreas urbanas, onde são mais anônimos", acrescentou a diretora do Ipys.

Como se isso não bastasse, desde que o chavismo chegou ao poder, mais de 440 meios independentes fecharam no interior da Venezuela, deixando centenas de jornalistas desprotegidos, explicou Carlos Correa, diretor da organização de liberdade de expressão Espacio Público.

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Jesús Romero, repórter do veículo independente Código Urbe, ficou ferido enquanto cobria protestos em Maracay, Venezuela. (Foto: Screenshot de um vídeo do Colégio Nacional de Jornalistas, setor de Aragua)

"Mais da metade do país não tem mídia independente, nem jornais, estações de rádio e TV. Menos jornalistas, menos tecido social de solidariedade com os jornalistas", disse Correa à LJR. "Muitos trabalham em meios oficiais e há menos rede de proteção. Tentamos fortalecer a proteção, que é muito importante para a vida comunitária".

Prisões em todo o país

De Caracas, Maduro anunciou em 3 de agosto que o governo havia detido dois mil opositores durante os protestos e que as prisões continuariam. Já o Fórum Penal falou em 988 prisões entre 29 de julho e 4 de agosto.

Entre os detidos estão jornalistas, que estão sendo detidos sob acusações que vão de terrorismo a "incitação ao ódio".

Treze jornalistas de todas as regiões do país foram detidos desde 28 de julho, conforme relatado pela Runrunes em 5 de agosto.

Um deles é Paúl León, cinegrafista do canal de TV pela internet VPItv em Valera, estado de Trujillo, no oeste da Venezuela. León foi surpreendido por um grupo de policiais em motocicletas quando preparava sua câmera para gravar uma manifestação em sua cidade em 30 de julho.

Segundo um vídeo que circulou nas redes sociais, dois policiais pegaram seu equipamento de trabalho, colocaram-no em uma motocicleta e o levaram detido. Ele não ofereceu resistência. De acordo com o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP), León permanece na sede da polícia estadual.

Jornalistas de Trujillo, que preferiram permanecer anônimos, disseram à LJR que estão sendo tratados como criminosos pelas autoridades estaduais. Por esse motivo, decidiram se preservar e parar de cobrir as manifestações.

Especialmente depois que o governador de Trujillo, Gerardo Marquéz, ameaçou meios da região em um programa de rádio no dia 2 de agosto com a "operação Tun Tun", um termo usado para descrever a invasão de residências e a detenção de opositores pelas forças de segurança venezuelanas.

Enquanto isso, no estado de Barinas, o fotojornalista Yousner Alvarado, do meio Noticia Digital, foi preso em 29 de julho e acusado de terrorismo, de acordo com o SNTP.

O último caso relatado nas regiões até o momento ocorreu em Los Altos Mirandinos, quando a repórter Deysi Peña foi detida por tirar e publicar fotos em suas redes sociais de um protesto em 30 de julho. Peña estava em um posto de gasolina em 2 de agosto quando foi abordada por uma patrulha da polícia regional. Ela é acusada de terrorismo, incitação ao ódio, resistência à autoridade, vandalismo e outros crimes, e permanece na prisão, de acordo com a organização Sin Mordaza.

poster asking for the freedom of two journalists

O Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Imprensa (SNTP) publicou um cartaz exigindo a libertação de jornalistas presos

Também em 30 de julho, na cidade de Cumaná, no leste da Venezuela, um tribunal criminal emitiu um mandado de prisão para o fotojornalista freelancer Pedro Rodríguez Carreño.

O mandado indica como motivo alegado para sua prisão "o cometimento do crime de promoção e incitação ao ódio", previsto no artigo 20 da Lei Constitucional Contra o Ódio e a Coexistência Pacífica e a Tolerância.

Jornalistas de Cumaná explicaram à LJR que a perseguição contra Rodríguez Carreño se deve à sua popularidade e à publicação de informações relacionadas a protestos da oposição em suas contas nas redes sociais.  

"A partir dessa denúncia, começou o medo entre muitos colegas [dentro do estado]", disse à LJR Nayrobis Rodríguez, correspondente do Ipys em Cumaná e delegada do SNTP.

"Muitos me dizem que estão com medo, que têm medo de publicar, que não sabem se devem continuar trabalhando em seus meios. Eles estão em um estado de ansiedade e angústia", acrescentou.

A Embaixada dos EUA na Venezuela exigiu a libertação imediata de todos os jornalistas detidos.

"Condenamos veementemente o uso contínuo de leis ambíguas para assediar, deter e prender jornalistas por fazerem seu trabalho", disse a embaixada na rede social X.

Jornalistas estigmatizados nas redes sociais

Um ataque que deixa o CNP e outras organizações de liberdade de imprensa na Venezuela em alerta é uma campanha online de difamação e estigmatização contra jornalistas que estão cobrindo os protestos contra os resultados das eleições, principalmente em Aragua e Carabobo.

Organizações como o CNP e o SNTP denunciaram que, desde 31 de julho, circulam nas redes sociais imagens com os rostos de mais de uma dúzia de jornalistas com a legenda "terrorista procurado".

Outra imagem semelhante mostra fotografias de três mulheres jornalistas com a legenda "Operadora da direita fascista em Aragua", entre elas a ex-secretária geral da seção de Aragua do CNP, Amira Mucic, e a atual secretária da seção de Carabobo do CNP, Ruth Lara Castillo.

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Fotos de campanha online para perseguir jornalistas em Aragua (Foto: CNP, setor de Aragua)

O CNP condenou a campanha e pediu às autoridades que punissem os ataques.

"É uma campanha de intimidação para que os meios e os jornalistas basicamente parem de relatar o que está acontecendo", disse à LJR Eilyn Torres, secretária geral da seção de Aragua do CNP.

"Esses jornalistas que estão sendo atacados têm feito a cobertura jornalística dos protestos, que é o que querem silenciar, para fazer parecer ao mundo que esses protestos não estão ocorrendo", acrescentou.

Torres disse que não é coincidência que, pelo menos as jornalistas afetadas em Aragua, sejam figuras conhecidas no estado por seu histórico e credibilidade, e próximas a organizações como a CNP.

"Elas são fontes muito confiáveis de jornalismo, você confia no que aparece em seus perfis e em suas contas pessoais, que estão ligadas a informações realmente confiáveis", disse ela. "É claro que esses são os primeiros pilares que alguns setores acham conveniente derrubar."

Por sua vez, Lara disse que a campanha gerou medo entre jornalistas de Carabobo, especialmente os mais jovens que têm pouca experiência na cobertura de conflitos. Isso, segundo ela, fez com que alguns comunicadores removessem posts sobre os eventos de suas redes sociais e até mesmo colocassem suas contas como privadas.

"Quando você tem jovens que são tão novos, há também muito medo, e não é para menos", disse Lara. "Quando você vê uma foto sua rodando em grupos na internet, onde te chamam de 'terrorista financiado para gerar o caos no estado', é claro que isso fez com que alguns até retirassem os posts que já tinham feito sobre os protestos."

De acordo com Lara, a violência que a imprensa enfrentou nos últimos dias também afetou o acesso a fontes confiáveis. Não apenas as pessoas têm medo de falar com a imprensa, disse ela, mas os próprios jornalistas temem que entrevistar cidadãos ou manifestantes possa torná-los alvos das autoridades.

"Quando você vai entrevistar uma pessoa, agora também tem medo de que ela seja processada por qualquer coisa que diga, porque, na verdade, não sabemos o que é incitar o ódio para eles [as autoridades]. Qualquer coisa é incitação ao ódio", disse Lara. "Isso nos coloca em uma situação complexa para podermos informar."

*André Duchiade contribuiu com a apuraçaõ desta matéria.

Traduzido por Carolina de Assis
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