Por FLIP - publicado originalmente em seu site e revista digital.
Este texto compila alguns trechos da edição de número 4 da revista Páginas para la Libertad de Prensa da Fundação para a Liberdade de Imprensa da Colômbia. Nela, a FLIP analisa os quatro anos de governo do presidente Iván Duque, que entrega seu mandato em 7 de agosto.
“Should be hard lies” (deveria ser mentiras duras). Com esta frase, o presidente Iván Duque encerrou a entrevista com o jornalista Stephen Sackur da BBC de Londres, que dirige o programa HARDtalk (Conversa dura), desse canal. Por 12 segundos a câmera se afastou, registrando uma tomada em escorço em que Duque olhava desconfiado para seu entrevistador. A cena contém tanta tensão que parece muito mais longa. Este é um momento que pode resumir como foi a relação durante quatro anos entre o governo cessante e o setor da imprensa que não estava do seu lado: na defensiva, na maioria das vezes; hermético, dependendo da estratégia, e, em algumas ocasiões, hostil.
Na entrevista, Duque disse que em 2021 o país teve o menor número de homicídios dos últimos 40 anos: um dado falso, como lembrou o portal ColombiaCheck, que alertou que o número de homicídios em 2021 foi o maior dos últimos sete anos. Apesar de o entrevistador estar informado e ter contestado a informação, Duque insistiu em repetir os dados que já havia dado em outras entrevistas e acusar o jornalista de mentiroso.
Uma reconstrução da relação entre Duque e a mídia revela que a receita se baseava na distinção binária entre amigo-inimigo; ele construiu um muro inquebrável com aqueles que considerava inimigos, em que preferia autoentrevistas a perguntas que previa que seriam desconfortáveis. Ao mesmo tempo em que se afastava das informações que não podia controlar, ficou encarregado de acrescentar à sua própria máquina de comunicações. De acordo com os números que a Presidência entregou em um direito de petição, em 2018 a equipe de comunicação da Presidência era de 15 pessoas, e atualmente são 54.
E não só ampliou sua equipe, como também investiu mais de 45 bilhões de pesos [cerca de US$ 10,450 milhões] em publicidade oficial, com recursos públicos, para melhorar sua imagem e criar uma narrativa paralela. Em seus contratos publicitários, buscou monitorar a mídia, parametrizar usuários de redes sociais e, como objetivo final, posicionar seu nome e imagem nas redes sociais, principalmente em momentos de crise como protestos sociais e pandemia.
Tudo isso ocorreu enquanto a violência contra a imprensa se intensificava: nos quatro anos de Duque, mais de 750 ameaças foram feitas a jornalistas para censurá-los ou intimidá-los; e cinco infelizes assassinatos de jornalistas para silenciar suas investigações e denúncias.
Esse quadriênio mostra um balanço muito decepcionante para a imprensa: de 7 de agosto de 2018 a 30 de junho de 2022, a FLIP registrou cinco homicídios contra jornalistas por seu trabalho e 628 ameaças contra meios de comunicação e jornalistas. A violência está, em parte, ligada ao conflito armado que vem aumentando nos últimos anos e aos grupos armados ilegais que ameaçam e assediam jornalistas, mas também devido à gestão opaca do governo, seus funcionários e membros da força pública que atacavam e atrapalhavam o trabalho daqueles que tentavam cobri-los.
No total, nestes quatro anos registramos 1.232 ataques violentos contra a imprensa. Em 486 a identidade dos agressores é desconhecida. Os agentes da força pública (302) são o segundo maior agressor da imprensa, de forma violenta, acima de indivíduos particulares, com 207 casos, membros de facções criminosas, com 77, e dissidências, com 61.
A cobertura de questões relacionadas com a ordem pública, a gestão das administrações locais e do governo nacional, protesto social, eleições, meio ambiente e saúde têm sido os temas mais sensíveis relacionados a ataques violentos contra jornalistas, com maior ocorrência em Bogotá (314 ataques), Antioquia (143), Valle del Cauca (100), Arauca (97) e Santander (57). Durante os quatro anos da presidência de Duque nessas regiões, houve um aumento de 182 casos de ameaças, deslocamento e exílio, em relação aos quatro anos anteriores.
As agressões durante os dois grandes dias de manifestações em 2019 e 2021 dão um recorde histórico como balanço. De 1º de janeiro de 2019 a 30 de junho de 2022, a FLIP registrou 511 ataques à imprensa enquanto cobria manifestações. Somente nos três meses da Greve Nacional de 2021, a FLIP documentou mais de 340 ataques e registrou como os principais agressores membros da Polícia Nacional, com alto grau de impunidade. Dos 25 casos de ataques contra jornalistas monitorados pela FLIP nos quais o agressor pelas forças de segurança é totalmente identificado, apenas oito processos estão ativos.
A violência digital para silenciar a imprensa também aumentou nos últimos anos: de 7 de agosto de 2018 a 30 de junho de 2022, a FLIP registrou 248 ameaças e assédios contra a imprensa em ambientes digitais, principalmente por meio de redes sociais e WhatsApp, o que representa 39% do total de ameaças registradas neste período.
A violência online tem se caracterizado por vir principalmente de perfis falsos, e nesse ambiente são as mulheres jornalistas as mais afetadas pela violência de gênero, como assédio nas redes, comentários machistas e misóginos e campanhas de difamação.
Enquanto a violência contra a imprensa aumentou, as ações de proteção do governo enfraqueceram. Embora o Presidente Duque em seus primeiros meses de mandato tenha anunciado a reengenharia da Unidade Nacional de Proteção (UNP) como parte do Plano de Ação Oportuna (PAO) para, como disse, articular, orientar e coordenar os diferentes programas de proteção, recursos e respostas das diferentes entidades em torno da proteção de lideranças, defensores de direitos humanos e jornalistas, isso acabou se concentrando em mudanças de forma e não de substância. Fatores priorizados como análise de contexto, integração de gênero e transparência nas decisões tomadas pelo Cerrem [Comitê para Avaliação de Riscos e Recomendação de Medidas da UNP] não foram levados em consideração, tampouco os sugeridos pelas organizações sociais.
Não só houve retrocessos nos processos de avaliação e implantação da UNP, como sua credibilidade foi caindo cada vez mais devido à violação da proteção de dados pessoais e privacidade dos protegidos. No início de 2022, era conhecida a instalação de dispositivos tecnológicos, como GPS, nos veículos destinados à proteção de jornalistas. Uma ação que a UNP justificou, sem muitos detalhes, como medida para garantir o bom funcionamento e gestão dos esquemas de proteção.
Esse monitoramento, sem a autorização expressa do titular dos dados e sem clareza sobre o manuseio e uso dessas informações, produz uma quebra de confiança que afeta a funcionalidade e a finalidade das medidas de proteção.
Os números e depoimentos mostram como o presidente ignorou as recomendações e os apelos para abordar com prontidão e eficácia a situação de segurança dos jornalistas e não houve apoio ao trabalho da imprensa por parte do governo nacional em momentos tão críticos como o das manifestações sociais. Por fim, Duque termina seu mandato deixando a Colômbia entre os quatro países mais perigosos para o exercício do jornalismo na América Latina, segundo o Repórteres Sem Fronteiras.