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Ojo Público, site peruano de jornalismo investigativo, experimenta formatos e narrativas digitais inovadores

Esta história é parte de uma série sobre Jornalismo de Inovação na América Latina e Caribe (*)​


Para o Ojo Público, a busca por novas narrativas e formatos para contar uma história é constante. Segundo os jornalistas que integram esse meio peruano de jornalismo investigativo, o método que usam consiste em desenhar investigações que combinem revelação e inovação, aplicando ferramentas digitais que permitam melhorar a reportagem e a narrativa das suas histórias, para assim informar ao público.

“Desde que o Ojo Público nasceu, nós experimentamos. E fazemos isso porque acreditamos que é necessário apostar em novos formatos para chegar a novas audiências e porque o ecossistema digital permite ao jornalismo investigativo não somente revelar, mas também conhecer e se aproximar da sua audiência; permite desenvolver histórias reveladoras em formatos que oferecem experiências distintas”, explicou Nelly Luna ao Centro Knight, uma das jornalistas fundadoras do Ojo Público.

David Hidalgo, outro jornalista cofundador do Ojo Público, também disse ao Centro Knight que, como equipe, usam os novos recursos tecnológicos para desenhar as suas investigações jornalísticas, e poder assim “demonstrar a descoberta da forma mais conclusiva possível”.

O exemplo mais recente da constante aposta do Ojo Público na inovação e na narrativa digital é o quadrinho interativo “A Guerra por Água” sobre um dos conflitos mineiros mais polêmicos do Peru. Para esse trabalho, utilizaram um formato narrativo não tradicional para explicar um conflito de mineração no sul do país, que já dura quase uma década. Os habitantes e agricultores do vale de Tambo, em Arequipa, estão em confronto com uma das mineradoras mais importantes do mundo, Southern Cooper, pelo projeto Tía María.

Composto por 42 cenas e mais de 120 desenhos, é a primeira reportagem desenvolvida em formato de quadrinho interativo pelo Ojo Público. Está disponível em espanhol e em inglês.

Luna conta que escolheram narrar a natureza desse conflito social utilizando o formato disruptivo do quadrinho interativo com o objetivo de chegar a novas audiências. “Principalmente aos cidadãos que não estão envolvidos no conflito”, afirmou.

“Escolhemos um quadrinho pelo seu poder didático e narrativo para um tema complexo e urgente no Peru: a disputa por água diante dos grandes projetos de mineração. O quadrinho tem a capacidade de retratar desde a intimidade dos personagens e as suas realidades, histórias e detalhes que muitas vezes passam despercebidos em uma reportagem de formato tradicional”, explicou Luna.

A reportagem, cuja ideia nasceu em julho de 2016, pretende retratar o enfrentamento entre os agricultores de um importante vale no sul do Peru e a Southern Cooper  – uma das maiores mineradoras do mundo – pelo desenvolvimento do projeto Tía María. “A Guerra por Água” faz parte da série investigativa Privilégios Fiscais do Ojo Público, contou Luna.

De acordo com a jornalista peruana, esta série revela os milhões que o Estado peruano deixa de receber pelos benefícios tributários dos setores privados mais poderosos do Peru, como a mineração. Para isso, o Ojo Público elaborou e analisou uma base de dados com a informação financeira das últimas décadas no país.

O desenho interativo foi criado e desenvolvido por Luna, o quadrinista Jesús Cossio e o programador Jason Martínez.

“Foram oito meses de muita aprendizagem, de tentativa e erro, porque nenhum dos três tinha feito um quadrinho na internet antes. Desde o início, se decidiu que todos os membros da equipe estivessem envolvidos na apuração. Nós três viajamos ao vale de Tambo, em Arequipa, coração do conflito com o projeto mineiro”, contou Luna.

O primeiro capítulo de “A Guerra por Água” foi apresentado em dezembro de 2016 na cidade de Arequipa, onde o projeto de mineração seria realizado. Até o momento, seis pessoas morreram nos confrontos com a polícia durante os protestos.

Um dos convidados a apresentar a reportagem foi o reconhecido jornalista e quadrinista de Malta Joe Sacco, cujo trabalho “Srebrenica” (2014), sobre o massacre dos bósnios muçulmanos em 1995, inspirou o Ojo Público a escolher esse formato.

“Os quadrinhos podem contar histórias que não vemos nos meios”, disse Sacco durante a apresentação da reportagem.

Toda a série investigativa Privilégios Fiscais, que inclui a reportagem em quadrinho interativo, foi financiada pela Oxfam-Peru e Ojo Público, com um custo total de US$ 18 mil dólares.

As visitas e permanência no site do quadrinho superaram as expectativas do Ojo Público, disse Luna. Somente durante a primeira semana, teve uma leitura de 340 mil usuários e foi compartilhado 6 mil vezes no Facebook, afirmou.

De acordo com Luna, o quadrinho será mostrado em várias escolas, institutos e universidades do país, pela capacidade que a sua narrativa tem de se aproximar de audiências jovens.

Projetos jornalísticos inovadores

Em 2014, Ojo Público criou o aplicativo Contas Juradas para que qualquer usuário pudesse conhecer qual o tamanho do patrimônio dos prefeitos da cidade de Lima. Este aplicativo ganhou em 2015 o Data Journalism Awards do Global Editors Network.

Posteriormente, em 2015, desenvolveu a base de dados Cuidados Intensivos, que permite ao usuário conhecer toda a informação e antecedentes das empresas farmacêuticas e dos médicos vigentes no Peru.

Com a experiência das anteriores se criou Suprema Fortuna. Esta é outro aplicativo que usa o jornalismo de dados para dar a conhecer aos leitores uma análise do perfil e patrimônio pessoal dos juízes do país.

Outra das destacadas investigações do Ojo Público, que ganhou o Terceiro Prêmio Latino-americano de Jornalismo Investigativo 2016, é Memória Roubada.

Essa foi a primeira grande investigação regional criada por Ojo Público e representou um esforço inovador para evidenciar a escala do tráfico de patrimônio cultural na América.

Participaram do projeto repórteres de diversos meios da América Latina, como Plaza Pública da Guatemala, La Nación da Costa Rica, Chequeado da Argentina e Animal Político do México.

Futuros projetos

Sobre os novos formatos, Fabiola Torres, também cofundadora do Ojo Público, disse ao Centro Knight que estão explorando os news games para conseguir contar histórias complexas.

Para isso buscaram a ajuda de desenvolvedores e produtores de games em Lima que têm experiência no tema.

“Temos dois temas relacionados aos abusos do poder corporativo, que é uma das linhas de investigação do Ojo-Público.com, com potencial para esse formato, e é possível que sejam desenvolvidos este ano”, adiantou Torres.

A ideia do Ojo Público é conseguir que qualquer pessoa possa experimentar por meio de um jogo – neste caso, de um simulador interativo – o tipo de abuso que outros cidadãos estão sofrendo na prática, explicou Hidalgo. O jogo, afirma Hidalgo, mostraria a dimensão real do caso de uma forma distinta de ler os dados duros em uma reportagem.

“Diferentemente de outros news games, a nossa ideia não é necessariamente inverter uma situação, mas que o jogo se aproxime ao máximo de casos reais investigados pela nossa equipe”, afirmou.

Além disso, Hidalgo revelou que estão trabalhando com esse formato em outra história um pouco mais orientada para a política, relacionada a casos recentes de corrupção no país.

Oficinas e textos de capacitação

Promover a excelência jornalística e as melhores práticas da profissão é outro dos objetivos do Ojo Público, disse o seu cofundador e diretor Óscar Castilla ao Centro Knight.

“Nesse caminho, lançamos neste ano o OjoLab (@OjoLab no Twitter), o programa de formação, intercâmbio, inovação e experimentação do Ojo-Público, que promove o conhecimento e a troca de habilidades entre jornalistas, técnicos, programadores, ilustradores e líderes da sociedade civil, interessados em criar histórias urgentes e de interesse público em formatos inovadores”, informou Castilla.

O programa do OjoLab contempla vários módulos de formação que vão desde metodologia do jornalismo investigativo, ferramentas digitais, construção e análise de bases de dados, desenvolvimento de NewsApps, formatos noticiosos disruptivos, fact-checking e modelos de negócios em jornalismo, afirmou Luna.

O programa é dirigido a estudantes, jornalistas, técnicos, acadêmicos e integrantes da sociedade civil. O primeiro Lab, "Narrar a partir de dados", foi realizado entre 13 e 15 de março em El Salvador e contou com a colaboração do reconhecido meio digital de jornalismo investigativo El Faro. Participaram 15 jornalistas da América Central e 10 deles foram selecionados para uma bolsa, graças ao apoio da organização holandesa Hivos, com a colaboração de Accese, uma organização que incentiva projetos sobre temas de sustentabilidade energética.

Segundo Hidalgo, abrir o conhecimento é um dos princípios fundamentais do Ojo Público. “Por isso damos oficinas de investigação ou de verificação de dados no Peru e em outros países da região”.

Com essa mesma ideia lançaram “La Navaja Suiza del Reportero” (O canivete do repórter), que, segundo Hidalgo, agora é usado em faculdades de comunicação em universidades da Argentina, Equador e México. Também traduziram o livro, que está disponível em formato digital, para o inglês.

Recentemente também lançaram o guia digital “O peixe morre pela boca", que promove o fact-checking de notícias. “Como em todo laboratório de ideias, o sentido do sucesso está em que as nossas propostas sejam incorporadas aos melhores padrões da profissão”, ressaltou Hidalgo.

Fontes de financiamento

Sobre o modelo de negócio do Ojo Público, Castilla explicou que está baseado em três fontes claramente estabelecidas: financiamento por meio de cooperação internacional com organizações que compartilham da mesma linha editorial, oferecendo serviços de implementação de tecnologia de análise e visualização de dados e, finalmente, os laboratórios de jornalismo de investigação e dados que o Ojo Público faz no Peru e em outros países, como o último, realizado para jornalistas investigativos em El Salvador.

“Se falamos em porcentagens, cerca de 70% dos nossos recursos dependem, em média, da primeira modalidade, e mais de 20%, da segunda fonte de financiamento”, explicou Castilla.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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