O acesso à informação pública na Venezuela é uma garantia estabelecida na Constituição do país. No entanto, na realidade, se um jornalista ou cidadão deseja saber o salário de um funcionário ou quanto foi gasto em campanhas eleitorais, por exemplo, a resposta que eles recebem em muitos casos é algo como "não sabemos" ou "não podemos responder".
Para piorar as coisas, o Judiciário venezuelano cria alguns dos principais obstáculos que limitam o acesso à informação, de acordo com um estudo da organização não governamental Acesso à Justiça.
Diante disso, e no contexto da atual situação política no país, a organização instou o Legislativo venezuelano a aprovar a Lei Orgânica de Transparência, Divulgação e Acesso à Informação Pública para assegurar que as instituições estatais sejam monitoradas e escrutinadas.
A Acesso à Justiça analisou 76 casos em que a informação foi negada por diferentes instituições governamentais e foi apresentado recurso ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Setenta e dois desses casos - ou 95% - foram resolvidos a favor do Estado.
“A análise de 76 julgamentos evidenciou que o Poder Judiciário venezuelano, principalmente através do TSJ, criou restrições ao acesso à informação pública, ignorando o papel do controlador público e o controle da gestão pública”, afirmou o relatório.
De acordo com a organização, esses critérios violam medidas estabelecidas por tribunais e organizações internacionais de direitos humanos e a atual tendência global de transparência e dados públicos.
O estudo destaca que algumas das desculpas usadas pelas instituições governamentais para negar o acesso aos dados parecem indicar que os pedidos de informação são "um tipo de incômodo que sobrecarrega desnecessariamente os funcionários ocupados".
Um caso emblemático entre os considerados no estudo é um pedido de informação sobre o salário do controlador-geral da República, que foi negado. O TSJ decidiu que "seria de considerar se a remuneração do controlador (...) era informação pública ou fazia parte do direito à privacidade dos funcionários e, como tal, não havia obrigação de providenciá-la".
Outro caso representativo é o de uma petição negada solicitando ao presidente da República que explicasse a constante mudança de ministros em seu gabinete. A resposta do TSJ foi que o presidente estava "muito ocupado para responder ao pedido" e que as funções de remoção e nomeação de ministros visavam aumentar a eficiência do Estado, segundo publicou a Acesso à Justiça em seu site.
A ONG indicou que o tempo médio que o Judiciário leva para decidir sobre os casos de pedidos de informação é de 325 dias, embora alguns casos levem mais de 400 dias para serem resolvidos.
Visto que cidadãos e organizações recorreram a diferentes figuras jurídicas em suas tentativas de obter informações públicas, o estudo concluiu que, na Venezuela, não há um recurso legal para acessar essas informações de forma eficaz, rápida e simples, o que poderia ser uma violação à obrigação do Estado de garantir esse direito.
De acordo com a organização, a regra não escrita para funcionários parece ser manter total opacidade.
O acesso à informação usada pelo governo da Venezuela é fundamental para a sociedade civil, mas os espaços do Estado estão fechados aos olhos dos cidadãos, afirmou o relatório. "A controladoria social para combater a corrupção se faz com muita dificuldade e o ambiente da impunidade prevalece, protegido pela opacidade da informação".
Nesse sentido, a Acesso à Justiça insistiu para que a Lei Orgânica de Transparência, Divulgação e Acesso à Informação Pública seja retomada de uma vez por todas pela Assembleia Nacional (AN).
De acordo com o jornal El Universal, este projeto de lei já foi aprovado em uma primeira discussão em março de 2016, mas a segunda discussão na AN ainda não aconteceu. A isso se soma o fato de que em janeiro de 2016 o TSJ declarou a AN - de maioria opositora - "em desacato" por supostas irregularidades eleitorais, e com isso todas as decisões da Assembleia seriam consideradas nulas.
E agora, a AN está ameaçada pela nova Assembléia Nacional Constituinte - alinhada com o governo do presidente Nicolás Maduro - criada após as questionadas eleições de 31 de julho de 2017. Dada a situação política, a Acesso à Justiça está consciente de que a aprovação desta lei é improvável no curto prazo.
"Temos uma Assembleia que neste momento está lutando por sua sobrevivência", disse Ali Daniels, coordenador da Acesso à Justiça, ao Centro Knight. "Atualmente, seus dirigentes correm o risco de serem detidos a qualquer momento pela arbitrariedade da Assemblaia Nacional Constituinte, que já disse de diferentes maneiras que irá anular a imunidade parlamentar."
As leis sobre acesso à informação não estão atualmente entre as prioridades da Assembleia Nacional, explicou Daniels.
"A primeira condição para que as leis de acesso à informação avancem é que o respeito pelas decisões da Assembleia Nacional seja restabelecido, que o que a Assembleia diz seja respeitado porque é um órgão eleito", disse Daniels. "A partir daí, é necessário que o TSJ se abstenha de agir politicamente e atue legalmente. Com estas duas circunstâncias, a lei teria as condições para ser promulgada."
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.