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Organização brasileira de fact-checking cria bot baseado no ChatGPT para responder às perguntas do público

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  • 16 janeiro, 2024

Por Hanaa' Tameez, no site do Nieman Journalism Lab

Nos 13 meses desde que a OpenAI lançou o ChatGPT, as organizações de notícias de todo o mundo têm experimentado a tecnologia na esperança de aprimorar seus produtos jornalísticos e processos de produção – cobrindo reuniões públicasfortalecendo as capacidades de investigaçãorealizando traduções.

Com todas as suas falhas – incluindo a capacidade de produzir informações falsas em escala e gerar textos simplesmente ruins – as redações estão encontrando maneiras de fazer com que a tecnologia funcione para elas. No Brasil, um meio de comunicação tem integrado a API da OpenAI com sua produção jornalística para produzir um chatbot de perguntas e respostas. Conheça a FátimaGPT.

screenshot of a whatsapp chat

FátimaGPT é a mais recente iteração de Fátima, um bot de verificação de fatos do Aos Fatos nos aplicativos WhatsApp, Telegram e Twitter. O Aos Fatos lançou Fátima pela primeira vez como um chatbot em 2019. Aos Fatos é um meio investigativo brasileiro que se concentra na verificação de fatos e desinformação.

Bruno Fávero, diretor de inovação do Aos Fatos, disse que, embora o chatbot tivesse mais de 75 mil usuários em todas as plataformas, sua função era limitada. Quando os usuários faziam uma pergunta, o bot pesquisava os arquivos do Aos Fatos e usava a comparação de palavras-chave para retornar uma URL (supostamente) relevante.

Fávero disse que, quando a OpenAI lançou o ChatGPT, ele e sua equipe começaram a pensar em como poderiam usar modelos de aprendizado de linguagem em seu trabalho. "Fátima era a candidata óbvia para isso", disse ele.

"A IA está tomando o mundo de assalto, e é importante que jornalistas entendam como ela pode ser prejudicial e tentem educar o público sobre como maus atores podem fazer mau uso da IA", disse Fávero. “Acho que também é importante explorarmos como ela pode ser usada para criar ferramentas que sejam úteis para o público e que o ajudem a obter informações confiáveis.”

Em novembro passado, o Aos Fatos lançou o FátimaGPT atualizado, que combina um modelo de aprendizagem de linguagem com os arquivos do Aos Fato para dar aos usuários uma resposta clara à sua pergunta com listas de fontes de URLs. Está disponível para uso no WhatsApp,  noTelegram e na web. Em suas primeiras semanas de versão beta, Fávero disse que 94% das respostas analisadas eram "adequadas", enquanto 6% eram "insuficientes", o que significa que a resposta estava no banco de dados, mas FátimaGPT não a forneceu. Não houve erros de fato em nenhum dos resultados, disse ele.

Perguntei a FátimaGPT no WhatsApp se as vacinas contra a COVID-19 são seguras e ela retornou uma resposta completa dizendo que sim, juntamente com uma lista de fontes. Por outro lado, pedi a FátimaGPT a letra de uma música brasileira de que gosto e ela respondeu: "Nossa, ainda não sei como responder isso. Vou tomar nota da sua mensagem e encaminhá-la internamente, pois ainda estou aprendendo".

No início, Aos Fatos estava preocupado com a implementação desse tipo de tecnologia, principalmente por causa das "alucinações", em que o ChatGPT apresenta informações falsas como verdadeiras. Aos Fatos está usando uma técnica chamada geração aumentada por recuperação, que vincula o modelo de aprendizagem de linguagem a um banco de dados específico e confiável para extrair informações. Nesse caso, o banco de dados é todo o jornalismo da Aos Fatos.

"Se um usuário nos perguntar, por exemplo, se as eleições no Brasil são seguras e confiáveis, faremos uma pesquisa em nosso banco de dados de verificações de fatos e artigos", explicou Fávero. “Em seguida, extraímos os parágrafos mais relevantes que podem ajudar a responder a essa pergunta. Colocamos isso em um prompt como contexto para a API da OpenAI e [ela] quase sempre dá uma resposta relevante. Em vez de fornecer uma lista de URLs que o usuário pode acessar – o que exige mais trabalho para o usuário – podemos responder à pergunta que ele fez.”

Aos Fatos vem fazendo experimentos com IA há anos. Fátima é um produto voltado para o público, mas o Aos Fatos também usou IA para criar a ferramenta de transcrição de áudio por assinatura Escriba para jornalistas. Fávero disse que a ideia surgiu do fato de que os jornalistas de sua própria redação transcreviam manualmente suas entrevistas porque era difícil encontrar uma ferramenta que transcrevesse bem o português. Em 2019, Aos Fatos também lançou o Radar, uma ferramenta que usa algoritmos para monitorar em tempo real campanhas de desinformação em diferentes plataformas de mídia social.

Outras redações no Brasil também estão usando inteligência artificial de maneiras interessantes. Em outubro de 2023, o meio investigativo Agência Pública começou a usar a tecnologia de conversão de texto em fala para ler histórias em voz alta para os usuários. Ela usa IA para desenvolver as narrações das matérias na voz da jornalista Mariana Simões, que já apresentou podcasts para a Agência Pública. O Núcleo, um meio investigativo que cobre os impactos das redes sociais e da IA, desenvolveu o Legislatech, uma ferramenta para monitorar e entender documentos do governo.

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Bruno Fávero, diretor de inovação em Aos Fatos. (Arquivo pessoal)

O uso da inteligência artificial nas redações brasileiras é particularmente interessante, pois a confiança nas notícias no país continua a diminuir. Um estudo de 2023 da KPMG descobriu que 86% dos brasileiros acreditam que a inteligência artificial é confiável e 56% estão dispostos a confiar na tecnologia.

Fávero disse que uma das tendências interessantes na forma como as pessoas estão usando o FátimaGPT é tentar testar seus possíveis vieses. Os usuários geralmente fazem uma pergunta, por exemplo, sobre o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e depois fazem a mesma pergunta sobre seu rival político, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ou, os usuários fazem uma pergunta sobre Israel e depois fazem a mesma pergunta sobre a Palestina para procurar vieses. O próximo passo é desenvolver FátimaGPT para aceitar links do YouTube, de modo que possa extrair as legendas de um vídeo e verificar o conteúdo em relação ao jornalismo do Aos Fatos.

Os resultados de FátimaGPT só podem ser tão bons quanto a cobertura existente do Aos Fatos, o que pode ser um desafio quando os usuários perguntam sobre um tema que não recebeu muita cobertura. Para contornar isso, a equipe de Fávero programou o FátimaGPT para fornecer as datas das informações publicadas que ele compartilha. Dessa forma, os usuários sabem que as informações que estão recebendo podem estar desatualizadas.

"Se você perguntar algo sobre, [por exemplo], quantas pessoas foram mortas no mais recente conflito israelense-palestino, é algo que estávamos cobrindo, mas não estamos cobrindo com tanta frequência", disse Fávero. "Tentamos compensar isso treinando [FátimaGPT] para ser transparente com o usuário e fornecer o máximo de contexto possível."

Essa reportagem foi publicada originalmente no site do Nieman Journalism Lab da Universidade de Harvard e foi republicada aqui mediante autorização.

Traduzido por Carolina de Assis
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