O lide deste artigo está, na verdade, no terceiro parágrafo. Mas minha editora insistiu que eu escrevesse este nariz de cera. Não chega a ser uma reco e se eu fosse foca ficaria chateado com a intervenção. Pior seria se ela me forçasse a uma barriga ou escrevesse um elogio a um de seus parças, então a gente prende a respiração (tudo a ver com nariz de cera, sacou?) e escreve assim mesmo.Tudo para que ela não guarde meu artigo na gaveta.
Se alguma dessas expressões não fazem sentido para você, não tema. Logo, logo você vai entendê-las.
Depois do sucesso da nossa lista anterior, a equipe da LJR reuniu mais sete expressões jornalísticas em português, inglês e espanhol que vão ajudar você a evitar mal entendidos nas suas colaborações transfronteiriças no continente.
Esta nova lista foi elaborada em parte com sugestões que chegaram através do email latamjournalismreview@austin.utexas.edu e do Twitter da LatAm Journalism Review. Continue colaborando que a gente logo faz uma terceira edição. Mas, antes, à segunda:
Depois do furo, é a expressão mais importante do jornalismo. Vem do verbo inglês lead, ou seja, conduzir, liderar, estar em posição de vantagem, vir primeiro. Por isso, se refere ao primeiro parágrafo de um texto jornalístico. Em inglês, também se escreve lede.
Aportuguesado, escreve-se lide para se aproximar da pronúncia em inglês. Já no espanhol se usa entradilla.
A lides de vários tipos, mas o mais disseminado é o direto, que responde de cara as perguntas quem, o quê, como, onde, quando, e por quê, informado o leitor sobre o fato mais importante daquela notícia.
As três expressões significam a mesma coisa: um primeiro parágrafo de um texto jornalístico que não vai direto ao assunto principal.
No entanto, delayed lead e entradilla literária não tem a mesma conotação negativa que o nariz de cera carrega no português brasileiro. Em inglês e espanhol, os lides ‘atrasados’ ou ‘literários’ são vistos como técnica legítima de redação jornalística.
O veterano jornalista e professor de jornalismo americano Melvin Mencher, em seu livro "News Reporting and Writing," escreve que o delayed lead “atrai o leitor ou ouvinte para a história, sugerindo seu conteúdo. Geralmente é usado em reportagens mais longas.”
Já no português, o manual de redação de um dos mais influentes jornais do Brasil descreve o nariz de cera: “Parágrafo introdutório que retarda a entrada no assunto específico do texto. É sinal de prolixidade incompatível com jornalismo.”
A própria etimologia do termo é jocosa: um nariz feito de cera se desmancha pois não tem sustentação, tal qual uma reportagem que prescinde de um lide direto e objetivo.
Se quanto ao nariz de cera há controvérsias, a barriga é uma unanimidade: todo jornalista já “deu uma barriga” e há de se envergonhar para sempre dela.
No Brasil, barriga é uma informação errada que acaba publicada. Ao contrário do furo, aquilo que todo jornalista persegue, da barriga todos fogem.
Se a tradução literal do termo soa inusitada em espanhol e inglês, não se preocupe pois é estranha também no português entre os não iniciados.
O professor e escritor brasileiro Deonísio da Silva atribui a sua origem, não confirmada, à também não confirmada do furo como notícia exclusiva, como contamos na primeira lista de expressões jornalísticas para jornalistas latino-americanos. Se o furo surgiu com a sabotagem de concorrentes que danificavam chapas de impressão de rivais, a barriga é o erro resultante da impressão usando essa chapa danificada. “Com o furo [na chapa], incluíam um texto que realmente ganhava aparência [arredondada] de barriga na fôrma,” disse Silva à LJR.
Não confundir com as onipresentes fake news: a barriga não é intencional.
Todo editor tem na sua equipe um repórter que derruba pautas. Seja por azar (ou sorte dependendo do caso), seja porque ele não quer escrever sobre aquele assunto. Mas se a pauta vem direto do dono do veículo, ela é inderrubável.
De tão frequentes no jornalismo brasileiro, contam com uma série de denominações.
A minha preferida é a reco (às vezes, rec), diminutivo de recomendada. Um belo eufemismo para descrever algo que de sugerido não tem nada, pois se trata de uma ordem dos mais altos escalões. Pode ser a cobertura de um evento social, o lançamento do livro de um amigo ou mesmo pautas menos republicanas.
O eufemismo reco, no entanto, é perigoso, pois há quem leve a sério que se trata de apenas uma sugestão, à qual se está desobrigado a acatar. Por isso, em alguns locais, se cunhou o termo OBRIG, de obrigatório, para as tradicionais recos.
Em redações menos criativas, ou talvez apenas mais cansadas, se usa OP, de operação-patrão.
Para o leitor não ficar com a impressão que jornalismo só trata de assuntos negativos, como as temíveis barrigas ou as igualmente temíveis recos, vamos falar de uma expressão mais simpática.
Foca, em referência ao mamífero aquático, é como os jornalistas brasileiros se referem aos novatos. Embora a origem seja uma pilhéria, o termo foi adotado com conotação positiva. O prestigioso programa de treinamento para jovens jornalistas do Estadão usa não só o nome, mas o animal como mascote. “Adestramento de focas” é o slogan.
No inglês, não há termo específico e os iniciantes são chamados de rookies, assim como qualquer iniciante em qualquer atividade profissional. O termo, no entanto, tem origem na designação de recrutas militares, segundo o dicionário Oxford.
Em português, Reportagem de gaveta é uma matéria pronta que ainda não foi publicada. É chamada assim porque antes de guardar o arquivo de texto numa pasta no computador, o editor guardava as matérias disponíveis numa gaveta mesmo.
Editores amam gavetas. A gaveta permite certa flexibilidade diante do fechamento, pois se algo der errado, lança-se mão da gaveta e previne-se que determinada edição tenha menos textos que o previsto.
Ter uma gaveta recheada, no entanto, é um fenômeno tão incomum quanto guardar reportagens numa gaveta de verdade.
Nada contra ver o lado positivo das coisas, mas puff pieces exageram no limite do que poder ser considerado publicidade. “Um texto ou discurso que exagera nos elogios a alguma coisa,” explica o dicionário Cambridge.
Puff, em inglês, significa inchado, ou seja, semelhante ao sentido figurado associado ao jornalismo: textos inflados de elementos positivos sobre um personagem ou instituição.
Uma expressão similar no português do Brasil é jornalismo chapa branca, ou seja, oficialista e acrítico em relação ao governo, muitas vezes por haver uma associação entre o chefe de governo e o veículo. Chapa branca vem da cor das placas usadas em carros de propriedade do governo no país até alguns anos atrás.
Crony journalism é irmão das puff pieces. Numa tradução literal, crony journalism vira jornalismo camarada, ou para usar uma expressão mais moderna, jornalismo parça.
Ou seja, é aquele tipo de jornalismo feito para ficar bem com os amigos, ou mesmo com as fontes. Muitos elogios e vista grossa para os problemas podem servir para conquistar uma relação próxima com a fonte e resultar num furo mais adiante. Pode ser a notícia exclusiva de que um jogador vai mudar de time. Ou a antecipação de que um juiz vai ordenar a prisão de uma figura pública.
Em inglês, crony indica uma nem sempre pautada pela honestidade. Dependendo do nível das partes, a camaradagem pode ir até mais adiante, com coberturas favoráveis (via recos muitas vezes) coincidentemente acompanhadas de campanhas publicitárias generosas.
Esta lista contou com a colaboração de jornalistas da América Latina que enviaram sugestões depois de publicarmos a primeira edição do glossário de expressões jornalísticas. Aliás, atualizamos a primeira versão depois que vocês nos enviaram palavras como tubazo e chacaleo. E se você tem alguma sugestão, manda a sua sugestão em qualquer língua para latamjournalismreview@austin.utexas.edu, ou então nos envie uma mensagem no Twitter.