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Painelistas do 25o ISOJ apresentam o estado do jornalismo em Afeganistão, México, Israel e Gana

Abrindo o segundo dia do 25o Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ), quatro jornalistas compartilharam o estado atual do jornalismo em seus países na primeira parte do painel “Global roundup: Lightning presentations about the state of journalism around the world” (“Resumo global: Apresentações relâmpago sobre o estado do jornalismo em todo o mundo”). Todos são “fellows”, bolsistas de programas de pesquisa em jornalismo em universidades dos Estados Unidos.

Eles foram apresentados por Dawn Garcia, diretora das John S. Knight Journalism Fellowships na Universidade de Stanford.

“Acreditamos que o poder das fellowships de jornalismo ajuda a reinventar o jornalismo e a formar um grupo de diversos líderes jornalísticos em todo o mundo, o que é extremamente necessário”, disse ela.

Afeganistão

Faisal Karimi, fellow JSK em Stanford, abriu o painel. Ele é fundador e diretor do Afghanistan Institute for Research and Media Studies, que inclui as plataformas multimídia Afghanistan Women’s News Agency, que cobre as questões das mulheres no país, e Kaashi Media. Karimi começou contando como ele e outros jornalistas e suas famílias tiveram que deixar o Afeganistão por temer por suas vidas após o Talibã, movimento fundamentalista islâmico, retomar o controle do país em 2021, após as forças armadas dos Estados Unidos saírem do Afeganistão.

Eles reconstruíram sua redação no exílio e voltaram a cobrir a situação das mulheres afegãs no terreno. O Talibã impôs uma série de restrições às mulheres, principalmente às jornalistas, proibindo seu envolvimento com meios de comunicação internacionais ou no exílio, disse Karimi. Apesar dos riscos, há pelo menos 15 mulheres jornalistas trabalhando clandestinamente no país para a agência liderada por Karimi, cobrindo “vozes e desafios das mulheres nesse momento crítico”, disse ele.

Com o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão, “o outrora livre e vibrante panorama de mídia entrou em colapso da noite para o dia”, disse Karimi. Centenas de jornalistas tiveram que deixar o país e mais da metade dos meios jornalísticos encerraram suas atividades. Foram registrados quase 400 casos de agressão a jornalistas no país desde 2021.

Devido ao controle e à censura exercida pelas autoridades, “não há mais mídia livre e independente no Afeganistão sob o regime do Talibã”, disse ele. Jornalistas no país reportam clandestinamente e entre suas estratégias estão o desenvolvimento de redes secretas de apoio e distribuição de conteúdo, resiliência, adaptabilidade e autocensura.

O jornalismo no exílio é uma nova abordagem para jornalistas afegãos, disse Karimi. Ele pediu que organizações internacionais apoiem jornalistas e meios afegãos no exílio e continuem trabalhando em prol da liberdade de imprensa e da segurança de jornalistas.

“O jornalismo no Afeganistão está enfrentando incertezas, mas ainda temos esperança de uma mudança positiva”, afirmou.

México

Ángel Nakamura, jornalista multimídia mexicano e fellow da Universidade do Texas em Austin, apresentou seu projeto de pesquisa “The dangers of doing journalism in Tamaulipas” (“Os perigos de fazer jornalismo em Tamaulipas”). O estado é o segundo no México com mais assassinatos de jornalistas entre 2000 e 2023: 16 foram assassinados em Tamaulipas, e 162 em todo o México no período, afirmou ele.

Jornalistas em Tamaulipas enfrentam riscos ao cobrir crimes, corrupção e histórias locais devido à influência do narcotráfico e do crime organizado. Com um histórico de violência que remonta à década de 1930, com o surgimento do Cartel do Golfo, a região tem se tornado cada vez mais perigosa, especialmente para jornalistas.

O cenário de ameaças aos profissionais inclui sequestros, espancamentos e até atentados com carros-bomba contra meios de comunicação, o que leva à autocensura e ao declínio do jornalismo investigativo. Autoridades locais e nacionais são “frequentemente lentas” para responder às ameaças e aos ataques, disse Nakamura.

“Elas não aplicam as melhores práticas na coleta de provas e parecem priorizar a apresentação de suspeitos o mais rápido possível, em vez de conduzir uma investigação completa”, afirmou.

Nakamura entrevistou 15 jornalistas em Tamaulipas para saber quais estratégias empregam para enfrentar o perigo ao reportar. Eles relataram autocensura, autocuidado e resiliência. Recorrem a comunicados de imprensa das autoridades e reportam apenas informações oficiais por receio de realizar suas próprias investigações. Também trabalham em colaboração com outros meios: “se alguém tem uma história exclusiva, ele prefere ligar para outra pessoa da concorrência e dizer 'ei, você quer trabalhar comigo nisso, porque não me sinto seguro o suficiente para fazer essa história [sozinho]”, contou Nakamura.

Muitos meios pararam de publicar reportagens sobre violência e outros temas que podem ser perigosos, e muitos jornalistas abandonaram a profissão. Outros abandonaram o jornalismo local e passaram a trabalhar para meios nacionais ou internacionais.

“Não queremos deixar nosso estado e nossa cidade. Os narcotraficantes não podem vencer e assumir o controle do estado”, disse um editor a Nakamura. “Será preciso muita criatividade, sacrifício e comprometimento para continuarmos fazendo nosso trabalho.”

Israel

Efrat Lachter, jornalista israelense no Channel 12 News e fellow Knight-Wallace na Universidade de Michigan, apresentou sua leitura do estado atual do jornalismo em Israel. Ela tem trabalhado como correspondente de guerra há dez anos e, antes de ir para o Estados Unidos, passou nove meses cobrindo os protestos populares contra a reforma judicial proposta pelo governo de Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro do país.

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas atacou diversos pontos no sul de Israel, assassinou cerca de 1.200 pessoas e fez 253 reféns, dos quais cerca de 130 continuam em cativeiro.

“A mídia israelense provou ser crucial para o público naquele dia”, disse Lachter. “Quando nada funcionava direito, o exército, a polícia, tudo estava falhando, a única coisa que dava às pessoas informações sobre o que estava acontecendo era a mídia.”

Seis meses depois, “A mídia e a sociedade israelenses ainda estão no dia 7 de outubro”, disse ela. O trauma permanece e, hoje, a mídia israelense tem tratado dos reféns que continuam com o Hamas e das falhas do governo que levaram ao ataque.

“O que você não vai ouvir falar muito [na mídia israelense] é o que está acontecendo em Gaza”, disse Lachter. Os bombardeios e ataques israelenses no território palestino já deixaram 33 mil pessoas mortas e 75 mil feridas, segundo a ONU. “Parte disso tem a ver com a censura militar; grande parte tem a ver com a autocensura. As pessoas ainda estão tão traumatizadas que é difícil para elas falarem sobre o que está acontecendo do outro lado da fronteira.”

O fato de que jornalistas só podem entrar em Gaza acompanhando o Exército israelense faz com que haja muita propaganda na cobertura. Por isso, as pessoas em Israel duvidam das informações que vêm do terreno, disse ela.

Lachter disse que o ataque israelense a um comboio humanitário da organização World Central Kitchen (WCK), que matou sete pessoas, fez com que a sociedade em Israel começasse a fazer mais perguntas.

“Esta semana vi uma matéria [na mídia israelense] entrevistando pessoas de Gaza, explicando as condições delas lá, então espero que essa tendência esteja mudando a situação. Enquanto isso, ainda temos protestos em Israel: milhares de pessoas tomando as ruas contra o governo de direita. Não sei se isso é algo que já aconteceu em outros países durante uma guerra, as pessoas dizendo ‘temos que mudar nossa liderança agora mesmo’. Mas é isso que está acontecendo hoje e os jornalistas estão cobrindo isso com muita coragem”, disse Lachter.

Gana

Manasseh Azure Awuni é fundador e editor-chefe do The Fourth Estate, projeto de jornalismo investigativo da Media Foundation for West Africa (Fundação de Mídia da África Ocidental) em Gana, e fellow Nieman na Universidade de Harvard. Ele contou da deterioração da liberdade de imprensa em seu país, que ele se viu obrigado a deixar em 2019 devido às ameaças de morte que recebeu por suas investigações sobre a corrupção governamental.

Uma evidência da escalada dos ataques à liberdade de imprensa em Gana é a classificação do país no ranking mundial de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras. Gana caiu da 30a posição em 2021 para a 62a em 2023, a pior colocação do país no ranking até o momento, apontou Awuni.

As condições para o jornalismo no país têm deteriorado porque “homens e mulheres fortes dominam instituições fracas”, e as instituições que deveriam proteger jornalistas acabam atuando contra eles, disse Awuni.

A polícia, por exemplo, persegue jornalistas usando a lei ganense que pune “notícias falsas”, mas não lida com pessoas que atacam jornalistas, disse ele. “Todas as vezes em que fui ameaçado e denunciei à polícia, nada aconteceu”, afirmou.

Enquanto isso, Awuni segue fazendo seu trabalho, hoje no exílio. Ele contou que nos últimos anos suas investigações sobre casos de corrupção resultaram em demissões e prisões de funcionários do governo e cancelamentos de contratos públicos milionários.

“Os poderosos da sociedade odeiam essas reportagens, mas as pessoas as apreciam. E jornalistas querem ser respeitados por esse tipo de trabalho. Então, por que jornalistas de Gana se afastam do tipo de jornalismo que admiram? ‘É muito perigoso’, costumam dizer, e estão certos”, disse ele.

Sem um jornalismo que investigue os poderosos, a democracia em Gana tende a se deteriorar ainda mais, disse Awuni.

“O laço em torno do pescoço da liberdade de imprensa está ficando cada vez mais apertado a cada dia que passa.”

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