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Plataforma criada por jornalistas brasileiros quer expandir a fronteira das grandes reportagens no cenário digital

Quando jornalistas se reúnem para debater o futuro da profissão, o diálogo costuma ser pessimista. Redações cada vez mais enxutas e espaços cada vez mais escassos para reportagens de peso nos veículos mainstream são algumas das queixas compartilhadas. Mas há quem veja no diagnóstico de crise do mercado tradicional de jornalismo uma fonte de oportunidades. Esta visão uniu quatro repórteres brasileiros e um engenheiro francês em torno de um projeto: a Indie Journalism.

Em uma conversa feita via hangout – como costumam ser as reuniões da equipe, espalhada por diferentes cidades do mundo - , o grupo dividiu com o Centro Knight sua ambição: criar uma plataforma de referência para leitores que buscam grandes reportagens e jornalistas interessados em produzi-las. E mais do que isso, apostar em um novo modelo de negócio e de produto digital para o jornalismo.

Breno Costa, repórter da Folha de S. Paulo e um dos idealizadores da iniciativa, conta que a concepção da Indie “envolveu uma percepção clara do esgotamento de um modelo de vazão de reportagens mais aprofundadas, por responsabilidade de uma estrutura que está se mostrando engessada e tem levado os jornais a reduzirem a quantidade de papel e de repórteres”.

Costa e os outros três jornalistas envolvidos na criação do projeto - Andrei Netto, correspondente do Estadão em Paris; Felipe Seligman, repórter da Folha em Brasília; e Fernando Mello, também da Folha - construíram suas carreiras em grandes veículos da imprensa brasileira e de dentro puderam observar algumas brechas para inovar na área.

“A crise está batendo na nossa porta e ainda não vimos a luz do fim do túnel. Cabe a nós, jornalistas, buscarmos o caminho. Faço questão de fazer parte dessa busca, tanto de caminhos de conteúdo quanto de modelos de negócio. Não digo com isso que os jornais vão desaparecer, acredito inclusive que não. Mas o fato é que os veículos têm suas vocações, e os grandes veículos têm dificuldade em investir em grandes reportagens porque a estrutura deles foi projetada especificamente pro hardnews”, observa Netto.

Segundo ele, faltam no cenário jornalístico empresas que se dediquem exclusivamente às reportagens especiais, e reportagens especiais em formatos que consigam dar novos significados às relações entre distintas linguagens, como textos, ensaios fotográficos e documentários. Esta será por excelência a vocação da Indie.

A plataforma funcionará a partir de uma redação em rede de jornalistas independentes, que terão espaço para autopublicar suas investigações e construir seu portfólio. Embora nem todos os detalhes do projeto já possam ser divulgados, Breno adianta que a produção de reportagens terá duas vertentes: a própria, com um determinado número de títulos feitos por jornalistas convidados ou pela equipe da Indie; e a independente, pela qual jornalistas de todo o mundo poderão autopublicar suas histórias sem precisar vendê-las para o grupo. “Mas, claro, tudo passará por um filtro de parâmetros técnicos, vamos atuar como curadores para garantir a qualidade das publicações”, esclarece.

Netto resume a iniciativa como um digital publisher que vem para preencher a lacuna de narrativas de alta qualidade, seguindo referências como Atavist e Byliner nos EUA e Mediapart na França.

O preço da boa reportagem

Diferente de qualquer outra proposta no cenário brasileiro, o leitor da Indie vai ter à disposição um cardápio de matérias em profundidade de profissionais do mundo todo para escolher e pagar por elas. Esta será a principal fonte de receita da iniciativa, na contramão do senso comum, que costuma desacreditar o pagamento de conteúdo na web e optar pelos ganhos com publicidade.

Apesar da opção por ser 100% digital e trabalhar com profissionais em rede demandar menos investimentos, grandes reportagens levam tempo, pesquisa e até uma pitada de arte. São produtos artesanais e, por isso, custam mais. Em um meio tão difícil de assegurar acesso restrito como a Internet, investir na venda direta como fonte de financiamento para sustentar essa produção soa ousado. Em resposta a esse questionamento, Seligman diz que o que os mobilizou a criar a Indie foi uma questão de fé. Fé em que a boa informação terá sempre uma audiência cativa e os jornalistas continuarão a ser seus mediadores.

"Acreditamos que há pessoas que enxergam o valor da grande reportagem a ponto de estarem dispostas a pagar por ela um preço justo, e achamos que vamos chegar a esse valor. É uma aposta baseada no que temos visto dar certo, mas também uma aposta no comportamento futuro do usuário da internet”, ressalta.

Para garantir a independência necessária às reportagens, a plataforma inicialmente não contará com espaços publicitários. Marc Sangarne, único não jornalista do grupo e responsável pelo plano de negócios da Indie, conta que um caminho será agregar valor às matérias com o uso de tecnologia, novas linguagens e uma boa estratégia de marketing digital. “Não sabemos qual será o modelo de negócio ideal para o jornalismo do futuro. Temos uma ideia de como chegar à sustentabilidade da Indie e queremos experimentá-la.”

Além da venda direta de matérias, cuja proposta comercial ainda não está fechada, a Indie terá um braço tecnológico, com a produção de aplicativos próprios e um laboratório de financiamentos inovadores em jornalismo. O grupo também estuda a possibilidade de oferecer consultoria para empresas que estejam em busca de novos produtos digitais e fechar parcerias de conteúdo com veículos de comunicação tradicionais.

Novos ares para o jornalismo

O desafio de inovar no ambiente digital vai muito além de pensar novas formas de bancar o bom jornalismo. Ele esbarra exatamente nas fronteiras do que pode ser considerado bom jornalismo em um meio ainda tão pautado por velhas linguagens. Ampliar essa fronteira faz parte dos esforços da Indie.

Para isso, aos cinco diretores da Indie se juntaram André Liohn, premiado fotojornalista brasileiro que cuidará da edição de fotografia, e Tomas Silva, diretor de arte responsável pelo design da plataforma.

“Precisamos aproximar o jornalismo da arte no sentido de transmitir informação com o mais alto grau de refinamento possível, abrir espaço para conteúdos mais autorais, seja um texto, uma foto ou um vídeo. Há formas subjetivas de complementar o conteúdo objetivo”, observou Netto.

Os jornalistas esperam contribuir para a construção de novos formatos incentivando o conteúdo multimídia, que, segundo eles, pode ir muito além de replicar produtos de rádio e TV na web. Se depender do grupo, trabalhos como o marcante Snowfall do New York Times serão mais recorrentes.

Embora a plataforma ainda esteja em construção, com lançamento previsto para este semestre, os internautas já podem se cadastrar na landing page do projeto e acompanhar as novidades pelo Facebook, Twitter e Instagram da Indie.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog Jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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