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Plataforma de crowdfunding Catarse cria fundo para financiar e fomentar apoio a jornalismo independente

Uma plataforma de crowdfunding que se tornou uma das mais bem-sucedidas no Brasil com projetos que vão desde quadrinhos e jogos de tabuleiro a filmes, álbuns musicais e espetáculos teatrais está criando um projeto dedicado exclusivamente ao financiamento do jornalismo independente.

Brazilian crowdfunding

Brazilian crowdfunding platform Catarse is launching a project dedicated exclusively to funding independent journalism. (Screenshot)

O Catarse, plataforma brasileira de crowdfunding, já mediou a distribuição de R$ 92 milhões a projetos financiados por 552 mil pessoas ao longo de seus sete anos de existência. Destes, 172 foram projetos de jornalismo – entre apoios a reportagens e assinaturas de meios independentes – que receberam quase R$ 2,5 milhões movidos por mais de 26 mil apoiadores, segundo a empresa.

A plataforma agora quer “inverter a lógica” de sua operação em prol do jornalismo, disse Rodrigo Machado, CEO do Catarse, ao Centro Knight. Em vez de buscar realizadores e projetos a serem financiados, como costuma fazer, a empresa quer reunir pessoas dispostas a financiar o jornalismo independente, criando uma comunidade que aproxime leitores e jornalistas e possibilite a realização de projetos que contribuam para o fortalecimento da democracia e da liberdade de imprensa no país.

Essa é a proposta da Multidão, lançada no dia 22 de novembro. Trata-se de um fundo financiado coletivamente para o fomento do jornalismo independente no Brasil, que no momento está em fase de mobilização para cadastrar o máximo possível de pessoas interessadas em fazer parte da iniciativa. Elas também vão ajudar a pensar o funcionamento do fundo, que deve ser aberto oficialmente para contribuições no começo de 2019.

Os criadores da Multidão – Machado, Luis Otavio Ribeiro, diretor de estratégia do Catarse, e Thiago Maia, diretor de produto da empresa – querem entender como construir uma comunidade interessada em jornalismo, com consumidores e produtores de informação, explicou o CEO.

“Estamos vendo uma mudança constante no modelo de negócios do jornalismo”, disse Machado, ele próprio formado em jornalismo pela PUC-Rio. “Há uma busca pelo modelo de assinaturas, e já tem gente apontando que vai assinar um [meio jornalístico], mas não vai assinar dez. A gente acha que tão importante quanto essa busca por um modelo de negócios sustentável é entender que comunidades precisam se aproximar cada vez mais da prática do jornalismo.”

A ideia no Catarse de um fundo financiado coletivamente e voltado para um campo específico de produção de conteúdo já existia há tempos, e eles sentiram que este é um bom momento para apoiar o jornalismo no Brasil. Machado identifica “uma dificuldade muito grande de se entender o que é uma informação qualificada para se formar uma opinião sobre determinada coisa”.

“Existe uma cacofonia que dificulta muito que as pessoas tenham uma leitura sobre fatos. A gente viu isso nas eleições, também com uma escalada de táticas para tentar descredibilizar a imprensa de maneira geral”, avalia. “Há um desgosto perceptível na sociedade brasileira com veículos de mídia tradicionais, e há uma massa muito grande de jornalistas que estão muito interessados em renovar e ressignificar seus papéis e os papéis da mídia.”

Piggy bank

(Screenshot)

A mecânica de operação do fundo ainda não está decidida, disse Machado. A ideia é estabelecê-la a partir dos retornos de apoiadores e de jornalistas, em conversas que já estão acontecendo. Sabe-se que será um modelo de assinaturas mensal, em que as pessoas vão destinar uma quantia a cada mês e o total será distribuído entre vários projetos de jornalismo. A princípio, serão priorizados os temas de política, segurança pública, direitos humanos, movimentos identitários e culturais, meio ambiente, inclusão social e checagem de fatos.

Uma das propostas é que o fundo seja focado em pessoas, não em organizações de mídia, e que os jornalistas como indivíduos sejam apoiados em seus projetos.

“Isso vem de uma suposição – que pode estar errada, e se estiver a gente vai buscar entender como fazer melhor – de que parte dessa percepção sobre o jornalismo, do ponto de vista do público, precisa sair da lógica do veículo e ir para a lógica de quem são os jornalistas, quem são essas pessoas”, afirmou. “Não significa que vamos excluir organizações, mas queremos tentar entender como podemos trazer as pessoas e fazê-las emergir dessas organizações.”

O atual contexto de polarização política e descrédito da imprensa no Brasil, no entanto, tem levado a cada vez mais recorrentes casos de perseguição e intimidação a jornalistas. Questionado sobre a possibilidade de aumentar o risco para o profissional ao evidenciá-lo em lugar do veículo em que ele trabalha, Machado disse que este é um dos pontos sobre os quais ele quer ouvir os jornalistas.

“Ninguém melhor do que os jornalistas para nos dizer que algo assim envolve um risco muito alto, que no nível individual eles não querem correr e, se é assim, vamos pensar em outra coisa”, afirmou. “Esse é o nosso papel. Não é dizer ‘a gente acha que é isso’ e ponto. Esse lugar de fala é do jornalista, não nosso. A gente entende de tecnologia, de fluxos para conectar pontas, de mobilização e de criar maneiras de circular recursos na internet para potencializar trabalhos. Todo o restante vai ser com o público e os jornalistas.”

A ideia é que essas trocas com o público interessado e com jornalistas – que podem se cadastrar na página da Multidão para fazer parte da conversa – sigam até o fim do ano, e que no começo de 2019 o fundo seja aberto para contribuições de apoiadores. Um indício positivo para o estabelecimento do fundo é que, depois das eleições, o Catarse observou um aumento no número de apoiadores e na quantia investida por eles em meios jornalísticos independentes que usam o programa de assinaturas da plataforma.

“Já estávamos com tudo pronto para lançar e ainda veio isso”, celebra Machado. “Estamos conversando principalmente com as pessoas que já têm projetos no Catarse, mas está tudo muito inicial. Não foi volumoso o impacto [do lançamento da Multidão], mas foi muito qualitativo, pessoas muito legais nos procuraram para conversar. Isso coloca um pouco mais de responsabilidade também no que estamos fazendo. Estávamos querendo ir muito abaixo do radar, suave, entender as coisas mais devagar, e vamos ter que dar uma acelerada justamente para cumprir as expectativas das pessoas.”

Crowdfunding para jornalismo precisa manter engajamento

O jornalista e professor universitário Edson Capoano tem se dedicado à pesquisa sobre modelos de negócio e financiamento do jornalismo e vê com bons olhos a criação de uma plataforma de crowdfunding compartilhado entre vários projetos jornalísticos.

Professor do programa de mestrado profissional em Jornalismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em São Paulo, ele é o organizador do e-book gratuito “Como se banca o jornalismo?”, lançado no começo de novembro, com artigos de pesquisadores do programa sobre o tema.

“É uma iniciativa que demorou para aparecer, esse tipo de organização coletiva para o financiamento do jornalismo alternativo e independente”, disse Capoano ao Centro Knight. “A plataforma de crowdfunding já é comum para meios alternativos, mas ainda não há muitos agregadores, plataformas que pudessem compartilhar os ganhos. Então acho que [a iniciativa] é muito bem-vinda”.

A criação de comunidades unidas pelo interesse no jornalismo e pela defesa da imprensa livre é algo em que meios de outros países como o britânico The Guardian e o norte-americano The New York Times já vêm apostando, observou.

Money

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“Essa parte da Multidão convoca o leitor como um ativista. Um ativista que acredita na informação correta, que não atende apenas a grandes grupos, mas a interesses de comunidades, de nichos que são justamente os nichos que as mídias independentes cobrem”, avalia. “Essa nova plataforma parece estar organizando essa demanda das pessoas de se engajar em pautas interessantes e informação de credibilidade.”

Para o professor, a personalização proposta pela Multidão, com a ênfase no jornalista e não no veículo de comunicação, também segue uma tendência atual de “solidificação da marca do jornalista”.

“O lado negativo disso são os indivíduos que não acreditam na liberdade de imprensa começarem a perseguir os autores de matérias ou mesmo os colunistas que se posicionam, não entendendo que isso faz parte do nosso papel social”, afirmou. “O lado positivo é que nós podemos conseguir apoio moral nas redes, e apoio financeiro, justamente porque estamos descolando nosso nome das empresas jornalísticas. Então apesar desse fenômeno de perseguição, que é muito forte, aparece uma oportunidade de haver uma comunidade positiva, virtuosa, em volta dos jornalistas que dão sua cara para bater.”

Em seus estudos, Capoano diz ter identificado que, tanto no Brasil quanto em outros países, o crowdfunding como alternativa de financiamento para o jornalismo funciona bem para projetos curtos e pontuais, como reportagens especiais, por exemplo. O método já não é tão confiável para sustentar de maneira contínua veículos de jornalismo. Isso porque os apoiadores se dispersam, afirmou.

“Para fazer o crowdfunding funcionar no jornalismo, tem que manter alto o engajamento. Se for depender de as pessoas colocarem seu dinheiro lá simplesmente porque a plataforma de crowdfunding está disponível, estudos mostram que o apoio tende a arrefecer”, observa o professor.

Ele avalia que, nesse sentido, a Multidão pode funcionar por propor um engajamento constante, por ter a relação entre produtor e consumidor de informação em seu centro.

“A gente precisa fazer as pessoas entenderem que o financiamento é o coração dessas produções [jornalísticas]. As pessoas já apoiam moralmente a mídia independente, mas a relação do apoio com o dinheiro a ser investido ainda não está muito clara”, afirma. “Por estarem na internet, esses meios independentes são considerados gratuitos. Essa iniciativa, além de conseguir ligar apoio e dinheiro entre as pontas, pode mudar um pouco a mentalidade tanto do jornalismo independente que é ativista, acredita no que faz, quanto do leitor, fazendo-os entender que um precisa do outro moralmente e financeiramente.”

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