texas-moody

Projeto colaborativo de fact-checking na América Latina faz plataforma sobre coronavírus para ajudar jornalistas

A atual pandemia da COVID-19 ressalta a necessidade de jornalistas trabalharem juntos, porque o vírus, assim como a desinformação sobre a doença, circula por diferentes fronteiras e línguas. Por isso, uma rede de checadores na América Latina decidiu fazer um projeto para verificar informação, reunir e atualizar checagens em espanhol sobre o coronavírus, além de produzir uma base informativa sobre as medidas tomadas por governos da região.

Latam Chequea Coronavirus, que atualmente reúne 28 organizações de fact-checking de 16 países latino-americanos e da Espanha, tem como objetivo ajudar jornalistas e checadores na cobertura do coronavírus, para que eles possam encontrar informação confiável de forma mais rápida e simples.

The Latam Chequea Coronavirus platform (Screenshot)

A iniciativa, coordenada pela organização argentina Chequeado, começou a ser planejada no início de março, entre os membros da rede Latam Chequea. Foi enviado um email convocando as organizações a participarem –nem todos da rede puderam aderir de imediato.

"O Latam Chequea é uma rede que formamos em 2014, com a liderança do Chequeado, para unir as organizações ou meios latino-americanos que começavam a fazer verificação de discurso. Agora são mais de 30 em 16 países", disse Laura Zommer, diretora do Chequeado e fundadora do Latam Chequea, ao Centro Knight.

Cerca de 15 dias depois da convocatória por email, a plataforma do projeto estava no ar. Até 15 de abril, tinham sido publicadas mais de 850 notas. Segundo Zommer, o projeto sobre o coronavirus é fruto da rede.

"Ao longo dos anos, Latam Chequea foi construindo uma confiança entre os aliados. A verdade é que esse projeto só pôde ser montado em duas semanas por isso, porque nós nos conhecemos e sabemos que, mesmo com um tema tão sensível como esse, o que um colega está fazendo tem os mesmos padrões que a gente", explicou Zommer.

Ao iniciar a colaboração sobre o coronavírus, o grupo se questionou o que poderia ser feito para facilitar a cobertura, sem que isso significasse tarefas adicionais para as equipes, já sobrecarregadas com a pandemia.

"Diferentemente de outras colaborações, este é um site pensado para melhorar a cobertura da pandemia. Queremos que cada um, que já está trabalhando com o tema, possa levar mais e melhor informação para as suas próprias audiências. Cada checador de cada país conhece melhor o seu público. Queremos ter a matéria-prima para que cada organização use como lhe convier, de maneira oportuna para o seu momento e audiência", afirma Zommer.

A plataforma tem duas tabelas principais: uma com as checagens e outra com as medidas tomadas pelos governos da região. A primeira se alimenta das checagens em espanhol e português feitas para uma colaboração global de fact-checking, a CoronaVirusFacts Alliance, criada em janeiro e coordenada pela International Fact-Checking Network (IFCN). A aliança reúne mais de cem organizações, de 70 países e com verificações em mais de 40 línguas.

A primeira tarefa do projeto foi incluir as organizações latino-americanas que não estavam na rede global, mas eram parte do Latam Chequea, na colaboração da IFCN. Com isso, foi possível fortalecer a rede global e ampliar a presença latino-americana nela. Essas organizações passaram a contribuir com suas próprias verificações para a base global da IFCN e para a plataforma do Latam Chequea Coronavirus.

O segundo passo do projeto foi selecionar da base global todas as checagens em espanhol –as que estão em Português, sobre o Brasil, são traduzidas. Em seguida, cada organização se comprometeu a atualizar o seu conteúdo.

"Como [a base global] não estava sendo atualizada, podia ter uma checagem que, com o dinamismo da pandemia e as novas recomendações da OMS, estava velha", disse Zommer.

Assim, o trabalho do Latam Chequea Coronavirus é complementar em relação ao da aliança global, não se sobrepõe, afirma Zommer. Além da separação, publicação, tradução e atualização das checagens, o projeto também organizou filtros de busca para as verificações, que não existem na base global.

As checagens são classificadas de acordo com os tipos mais comuns de desinformação, como curas e tratamentos falsos, origens do vírus, formas de contágio e medidas das autoridades. "Todos os dias uma equipe do Chequeado atualiza a base de checagens, tomando a verificação da base global e adicionando à base regional. E agregamos detalhes, com colunas, que permitem analisar um pouco mais o tipo de desinformação", disse ao Centro Knight Olivia Sohr, coordenadora do Latam Chequea Coronavirus e coordenadora de projetos especiais do Chequeado

Um diferencial do projeto é a segunda tabela, que não é composta de checagens, mas sim de uma lista de medidas já tomadas por governos da região. A tabela inclui um resumo da decisão, a data, o país e o link para o documento oficial. Foram definidas categorias para as medidas, como fronteiras, transporte, economia, quarentena, escolas, entre outras. Com isso, o jornalista também pode filtrar as decisões por tipo e por país, em uma busca. Esse material também é constantemente atualizado.

"Quando aparece uma nova medida, não apagamos a anterior. Colocamos a medida atual e vigente, para que fique mais visível, mas ao final explicamos: 'antes desta havia outra, etc'. E assim vamos fazendo um histórico das medidas", disse Sohr.

Equipe do Chequeado (Cortesia)

 

Como coordenadora, ela conta que também é parte do seu trabalho adicionar organizações, que querem entrar no projeto a cada dia. Para isso, é preciso verificar se os novos membros seguem os mesmos princípios e protocolos.

"Nisso nós somos bastante cuidadosos, porque essa é uma aliança que funciona por confiança. Eu posso usar o que um checador fez na Colômbia ou no México porque confio no seu trabalho e sei que eles fizeram todo o processo para que aquela informação seja checada. Então adicionamos aliados mantendo essa qualidade básica", afirma Sohr.

Uma das diferenças dessa colaboração, dentre as várias outras que já foram feitas pela rede Latam Chequea, é a urgência do tema. Sohr diz que os jornalistas estão trabalhando sob muita pressão.

"Há uma urgência permanente e uma sensação de que estamos sempre chegando tarde, isso faz com que seja mais intenso e forte tudo isso. O bom é que todos os checadores estão respondendo com uma rapidez que em tempos normais nós não teríamos", conta Sohr.

Natália Leal, diretora de conteúdo da agência de fact-checking brasileira Lupa, disse ao Centro Knight que está impressionada com a quantidade de mentiras sobre o coronavírus. "Nunca vi tantas peças de desinformação circulando ao mesmo tempo. Nas eleições brasileiras de 2018 tinha bastante, mas em geral eram os mesmos assuntos, requentados. Agora todo dia tem uma coisa nova", afirma. A Lupa fez cerca de 60 checagens para a aliança até agora.

Segundo Leal, tem sido interessante participar de uma coalizão em que o conteúdo é em espanhol. No início, ela tinha dúvidas se a colaboração seria produtiva, pelas diferenças linguísticas e culturais.

"Depois nós entendemos a importância de nos posicionar como um bloco de países, isso fortalece muito a comunidade de checadores na região. Foi muito legal perceber que o nosso conteúdo, mesmo em outra língua, tem muito valor para o bloco, porque as trocas entre os países são muito grandes. Há um fluxo de pessoas e produtos nas fronteiras, importação e exportação, questões econômicas, todos os países são parceiros comerciais dos outros", afirma ela.

Esse foi um dos motivos pelos quais o grupo decidiu fazer a tabela informativa sobre as medidas das autoridades da região. Ao mesmo tempo, eles identificaram que esse tipo de desinformação era uma das mais comuns.

Como o objetivo não é atingir os leitores, a plataforma está pensada somente para desktop e não para mobile. O projeto também pode ser usado por pesquisadores, acadêmicos e militantes dos direitos humanos, afirma Zommer.

Troca de informações entre membros

Além da plataforma ajudar na cobertura, evitando retrabalho dos checadores, eles costumam destacar a troca de informações como um dos melhores aspectos da colaboração. Reunidos em um grupo de WhatsApp, é comum pedidos de indicação de fontes e conversas sobre boatos.

"Por exemplo, um checador pergunta: 'está circulando este vídeo e dizem que isso aconteceu na Venezuela. Tem alguém aqui da Venezuela?'. E outro responde: 'Sim, eu vi isso, não é daqui'. E alguém da República Dominicana diz: 'na realidade esse vídeo é daqui porque dá para ver tal lugar'", explica Sohr.

O diretor de Colombiacheck, Pablo Medina, afirma que essa troca permite saber o que está ocorrendo em outros países e se antecipar. A ColombiaCheck já fez 106 verificações para a coalizão.

"Os membros estão muito ativos no grupo de WhatsApp que montamos, e podemos ver como as informações estão se movendo nos outros países. Por exemplo, alguém no Peru perguntou se os médicos infectados e mortos por coronavírus estavam sendo contados, e isso era algo que não tínhamos visto na Colômbia. Um ou dois dias depois, infelizmente, teve a primeira morte de um médico na Colômbia e já estávamos preparados", disse ele, ao Centro Knight.

Medina também acredita que a colaboração deveria continuar depois do coronavírus, já que os mesmos boatos circulam em vários países ao mesmo tempo. "Há muitos temas em comum na região, e creio que podemos aprender com essa experiência para seguir juntos de alguma forma depois", disse.

O Latam Chequea Coronavirus é financiado pelo Google, e o valor é dividido entre as organizações participantes. Algumas, por terem mais tarefas, recebem uma parte maior do financiamento. É o caso do site El Surtidor, do Paraguai, que vai produzir gráficos e visualização de dados para serem usados por toda a aliança, e Salud con Lupa, que vai fazer textos explicativos com foco em ciência e saúde.

Artigos Recentes