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Repórteres brasileiros criam site de notícias rentável, JOTA, especializado em questões judiciais

*Esta reportagem faz parte de um projeto especial do Centro Knight sobre Inovadores no Jornalismo Latino-Americano e Caribenho.


É possível que um veículo de mídia digital em rápido crescimento, que se dedica exclusivamente a questões judiciais e que cobra por informações, obtenha sucesso e se torne sustentável no atual ambiente da mídia? Os fundadores do site brasileiro JOTA - batizado por causa do J em Justiça - estão demonstrando que sim, que tudo isso é possível.

Um pequeno grupo de jornalistas que anteriormente trabalhava para alguns dos meios de comunicação mais proeminentes do Brasil lançou o JOTA em setembro de 2014.

Esses jornalistas - inicialmente liderados por Felipe Seligman, que escreveu para o jornal Folha de São Paulo, e Felipe Recondo, que cobria o poder judiciário para o Estado de S. Paulo - viram uma oportunidade no Brasil, onde há mais de um milhão de advogados.

O JOTA, cujo início foi financiado por familiares e amigos dos fundadores, atingiu a sustentabilidade financeira no final de 2015, apenas um ano após o lançamento. Desde então, tem sido uma empresa rentável que reinveste todos os lucros no crescimento orgânico do projeto, como explicou ao Centro Knight para Jornalismo nas Américas o CEO, Mark Sangarné.

Tornando uma ideia em realidade

Antes de iniciar sua atividade como empreendedor no campo da mídia digital, Seligman acumulou anos de experiência no campo da informação judicial enquanto trabalhava para o jornal Folha de São Paulo.​

Quando perguntado sobre as motivações para a criação da JOTA, ele explicou que "a sociedade brasileira é muito judicializada".​

Ele e vários de seus concorrentes que estavam cobrindo questões judiciais para outros jornais perceberam que "havia uma oportunidade" porque muitos advogados, escritórios e empresas no país diziam não estar conseguindo informações suficientes sobre o que foi publicado nos principais meios de comunicação, mesmo se fosse a notícia do dia.

"Os advogados reclamaram que precisavam de informações mais profundas e analíticas", explicou Seligman.

Ao mesmo tempo, havia questões que eram de grande interesse para esses atores, como a regulamentação tributária, que em muitos casos não eram considerados relevantes o suficiente e não eram abordados pela mídia.

A falta de cobertura, juntamente com os desafios enfrentados pelos principais canais de notícias, sinalizou a necessidade de algo novo.

"Tive a sensação de que havia espaço para criar algo, para me tornar empreendedor", disse Seligman. "E se eu quisesse tentar algo, esse era o melhor momento, porque os tempos de crise são momentos de oportunidades".

Demorou algum tempo, disse Seligman, para descobrir que sua ideia tomaria forma. "Um dia percebemos que precisávamos entender uma coisa. Se queríamos fazer algo que fosse útil, que importasse, que fosse relevante, que tivesse um impacto, que ajudasse as pessoas que precisavam dessa informação, teríamos que entender o que elas queriam", disse Seligman. "Começamos a conversar com muitas pessoas e tentamos entender o tipo de informação que eles precisavam todos os dias". E, depois de um período de reflexão, o JOTA foi lançado em setembro de 2014 com uma equipe de cinco pessoas trabalhando de Brasília, capital do país e sede das principais instituições judiciais do Brasil.

O público do site é formado por estudantes e graduados em Direito, escritórios de advocacia e clientes corporativos.​

Eles começaram lançando o JOTA no Twitter - um experimento e uma maneira de avaliar o interesse no projeto. O site do JOTA foi lançado um mês depois e o conteúdo foi gratuito nos primeiros três meses. Os canais verticais foram então lançados, com o primeiro deles dedicado a impostos.

Em dezembro de 2014, a equipe instalou um paywall e atraiu seus primeiros clientes corporativos para o JOTA Tributário, o canal vertical sobre impostos.

O segundo canal vertical é focado em questões de concorrência empresarial. Hoje, o JOTA possui sete canais verticais especializados em diferentes assuntos: Justiça, Tributário, Concorrência, Trabalho, Carreira, Advocacia e Política. Além disso, tem reportagens especiais, colunas de opinião, cronologias de várias questões judiciais e um especial da Operação Lava Jato, entre outros conteúdos.

Após um ano de atividade, o JOTA contava com 10 profissionais na equipe. Seligman atuou como CEO da empresa, mas, como ele explicou, "eu não tinha habilidades na gestão da empresa".

Os jornalistas envolvidos tinham um projeto interessante e em crescimento em mãos, mas precisavam de pessoas com mais experiência administrativa e de gestão. Um ano após o lançamento, eles adicionaram duas pessoas-chave: Mark Sangarné, como CEO, e o jornalista Fernando Mello, que ajudava com as vendas, entre outras coisas. "Basicamente, eles organizaram a casa", disse Seligman.

Trazendo um CEO profissional para comandar o navio

Sangarné, que recebeu um MBA da prestigiosa escola de negócios INSEAD na França, é engenheiro de telecomunicações por formação. Antes de chegar ao JOTA, ele teve 18 anos de experiência trabalhando para várias empresas internacionais no setor de tecnologia da informação e trabalhou em 12 países, incluindo Espanha e Portugal.

Seu MBA o preparou para "abordar projetos no mundo do jornalismo", como ele disse ao Centro Knight. E, como ele próprio explicou, sua aventura no JOTA "é como a continuação" dessa história. Esse MBA lhe deu "confiança para se manter calmo e tomar decisões racionais e enfrentar qualquer tipo de problema".

O JOTA não foi a primeira incursão profissional de Sangarne no campo do jornalismo; ele já havia participado do BRIO, um projeto brasileiro de jornalismo de formato longa que não funcionou na perspectiva dos negócios. Lá, Sangarné trabalhou com Seligman e Mello, que foram essenciais para o desenvolvimento do JOTA. De acordo com Sangarné, a experiência do BRIO foi uma boa lição. "É muito importante ter êxitos e falhas", disse ele.

No JOTA, Sangarné conseguiu estruturar a empresa para que todos se sentissem confortáveis, também do ponto de vista dos acionistas. O JOTA "não é uma empresa administrada por uma pessoa", disse ele. "Ninguém acumula muito poder. Em questões de gestão, eu sou o único com a votação final, mas ao mesmo tempo eu não ousaria dar minha opinião sobre qualquer conteúdo."

O JOTA tentou "construir um bom modelo de gestão", no qual as decisões são tomadas coletivamente, disse ele. Sangarné também acredita que "o fator essencial para atrair pessoas não é dinheiro", mas outros aspectos, como "fazer coisas com sentido".

Um dos sites que inspirou o JOTA é o Politico.com, site americano que publica notícias sobre política, algumas das quais estão protegidas por um paywall. Mas como Felipe Seligman explicou ao Centro Knight, o JOTA não pretende copiar modelos: "Nós não queremos ser o Politico. Queremos ser o JOTA".

Uma das primeiras coisas que Sangarne começou a fazer depois de chegar ao JOTA foi aumentar o número de assinaturas, que inicialmente se baseavam nas relações pessoais dos membros da equipe. Hoje, eles pretendem que os produtos sejam mais escaláveis e que possam ser vendidos de forma mais automática.

O JOTA está continuamente revisando sua maneira de fazer negócios, com o objetivo de melhorar. "Nós não estabelecemos metas de um ano, mas olhamos mais para metas trimestrais", explicou Sangarné. "E colocamos muito foco na aprendizagem".

Laura Diniz, membro da equipe fundadora da JOTA, acredita que contratar Sangarne foi uma jogada inteligente. "Temos que fazer as coisas pensando nos clientes, não apenas fazer o que gostaríamos de fazer", disse ela, e essa é uma ideia de que o novo CEO ajudou a consolidar.

Grande variedade de produtos

Uma das coisas que distingue o JOTA de outros sites é a grande variedade de informações, produtos e serviços os quais as pessoas podem assinar. É um serviço a la carte completo e variado que vai desde uma assinatura individual básica de 20 reais por mês - o que permite que os leitores vejam artigos publicados na web - até serviços corporativos completos para empresas que podem alcançar 10.000 reais por mês.

Além disso, existem todos os tipos de produtos e serviços de 50 reais, 100 reais, 350 reais, 1.500 reais e outros montantes, de acordo com, por exemplo, o tipo de serviço ou o número de pessoas em uma empresa.

Por exemplo, o JOTA oferece newsletters especializadas diárias ou semanais, serviços de alerta, resultados de pesquisas com membros do Congresso, clippings de imprensa, análise de tópicos específicos ou rankings de escritórios de advocacia, entre outros serviços.

O JOTA ainda oferece um produto no qual os clientes podem solicitar informações sob demanda. Diniz, que é responsável pelo desenvolvimento de negócios, disse que os clientes podem pedir ao JOTA que acompanhe um tópico específico de interesse e recebam notícias relacionadas em seu formato preferido: e-mail, WhatsApp ou mesmo por telefone. O preço varia de acordo com a dificuldade de obter a informação e a frequência com que o cliente deseja receber as mensagens.​

Evolução da renda

A maior parte da renda do JOTA provém de assinaturas de empresas e escritórios de advocacia, entre outras entidades. O JOTA não compartilha o número de assinantes e de leitores, mas Sangarné diz que o site tem "milhares de assinantes individuais e centenas de clientes corporativos".​

Em 2014, após apenas quatro meses de operação, o JOTA gerou receita de 150 mil reais. Em 2015, atingiu 1 milhão de reais, um valor que triplicou em 2016, quando a receitas foi de 3 milhões de reais. Este ano, a receita está prevista entre 5 e 6 milhões de reais, quase duplicando a receita de 2016.

O JOTA não tem renda de publicidade tradicional. Seligman explicou que eles apenas oferecem "JOTA Discute", uma espécie de branded content em que certas empresas ou instituições pagam para estarem presentes em espaços de debate. Por exemplo, o Google atualmente patrocina um espaço onde a liberdade de expressão é discutida.

Longo caminho pela frente

Embora o JOTA tenha começado sua jornada em 2014 com cinco pessoas, em novembro de 2017 a equipe consiste de 36 profissionais, com mulheres e homens representados de forma igualitária. É uma equipe jovem, com o funcionário médio com cerca de 30 anos de idade.

Hoje, Seligman reside em Boston, onde estuda para um MBA no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele explicou ao Centro Knight que queria saber o que significa dirigir uma empresa para que ele possa contribuir tanto quanto possível com o desenvolvimento do JOTA. Outro membro da equipe, Mello, que estuda Ciência Política na UCLA, também mora nos EUA.

Atualmente, a audiência mensal do site oscila entre meio milhão e um milhão de usuários únicos, dependendo dos assuntos do momento. Além disso, a empresa está consistentemente ativa nas redes sociais, onde tem 145 mil seguidores no Twitter e 150 mil no Facebook.

O escritório central do JOTA ainda fica em Brasília, mas recentemente outras áreas da empresa, como Marketing, Vendas, Análise ou Administração, se mudaram para São Paulo.

A redação do JOTA é composta por 17 pessoas, praticamente metade da equipe.​

O principal protagonista do primeiro ano do JOTA foi a equipe de conteúdo, "que foi fundamental para estabelecer nossa credibilidade e marca como veículo de mídia", explicou Sangarné. Os aspectos administrativos ganharam proeminência no segundo ano, quando as áreas de Público e Produto demonstraram um crescimento importante no terceiro ano de atividade.​

Mas, as outras áreas do JOTA também são lideradas por jornalistas profissionais.

Diniz, por exemplo, trabalhou por quase 15 anos cobrindo questões judiciais em algumas das redações do Brasil, como a do jornal O Estado de São Paulo e da revista Veja. Ela também passou um tempo à frente da Associação Brasileira de Jornalismo de Investigação (Abraji). Ela se juntou à equipe da JOTA alguns meses antes do lançamento do site, a pedido de Seligman e Felipe Recondo. Eventualmente, foi convidada para abrir a operação do site em São Paulo.

Uma das características da equipe do JOTA é a versatilidade de seus funcionários. No caso de Diniz, quando ela começou, ela foi responsável pela parte tecnológica por um ano. Ela então trabalhou em vendas e marketing, e agora é responsável especificamente pela área de Marketing e Desenvolvimento de Negócios, onde ela coordena duas pessoas que se especializam em marketing off-line e digital, respectivamente. Ela também escreve artigos periodicamente, embora esse não seja seu papel principal.

Diniz explained that at JOTA they work with their eyes "on the next year or in the next two years." According to her, they always try to understand "what we can do to help our clients in the short, medium and long-term and what is profitable, what can we do better than anyone else.”

As pessoas encarregadas do JOTA colocam ênfase especial em cuidar da cultura da empresa e dar aos funcionários oportunidades de crescimento. Existe um departamento dedicado especificamente a essa área, liderado por Seligman.

O JOTA planeja continuar a contratar profissionais para todas as áreas nos próximos meses e espera manter o crescimento da empresa. O ritmo de crescimento "dependerá dos resultados dos múltiplos testes e testes-piloto que estamos fazendo", explicou Sangarné.

Em termos de desenvolvimento de produtos, o site tenta ser o mais ágil possível. Eles sempre começam com um projeto piloto que permite testar o serviço. Os resultados são analisados ​​rapidamente e, se forem positivos, o produto ou serviço é lançado.

Entre os últimos desenvolvimentos está a incorporação de um especialista em jornalismo de dados, uma das áreas em que o JOTA quer crescer.

A equipe do JOTA acredita que ainda há um longo caminho a percorrer. Por exemplo, eles podem continuar a expandir os tópicos a serem cobertos de acordo com os interesses dos clientes atuais ou futuros. Como diz Diniz, há muito espaço para que o JOTA seja "mais conhecido entre todos os advogados brasileiros e em todos os Estados". Segundo ela, este é apenas o começo.


A série "Inovadores no Jornalismo", que é possível graças ao generoso apoio da Open Society Foundations, abrange as tendências e as melhores práticas da mídia digital na América Latina e no Caribe. Ele continua nossa série anterior, transformada em ebook, Jornalismo Inovador na América Latina, ao analisar as pessoas e equipes que lideram iniciativas inovadoras de reportagem, narrativa, distribuição e financiamento na região.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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