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Repórteres brasileiros enfrentam desafios na cobertura do maior desastre da história do país Por Alessandra Monnerat

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  • 12 Maio, 2016

Seis meses atrás, 50 milhões de toneladas de resíduos tóxicos foram derramadas no rio Doce, de uma mina de minério de ferro na cidade de Mariana, no “pior desastre ambiental que o Brasil já viu", como definiu a Presidente Dilma Rousseff, de acordo com a DW. O vazamento matou 19 pessoas e destruiu o distrito de Bento Rodrigues, no estado de Minas Gerais.

Mais de seis meses depois, o desastre ainda aparece no noticiário brasileiro a cada semana, ao mesmo tempo em que pouco parece ter sido feito para a recuperação da bacia do rio. Somente no mês passado, a mineradora Samarco, responsável pela mina e controlada pela Vale e BHP Billiton, foi multada em R$ 1,2 bilhão (aproximadamente US$ 31,7 milhões).

Após o rompimento da barragem, as águas do Rio Doce, que fornece água para várias cidades e tem uma grande importância econômica para a região, se tornaram escuras e lamacentas.

O volume de lama que veio da barragem administrada pela Samarco é quase duas vezes maior do que o segundo maior desastre em barragens no mundo, que ocorreu em 1992, nas Filipinas, de acordo com números da Bowker Associates Science & Research in the Public Interest reportados pela Agência Brasil. As substâncias tóxicas percorreram 600 quilômetros e a restituição das perdas é estimada pela agência de consultoria em de US$ 5.2 bilhões.

"O mar de Regência ainda está fechado para banho, a pesca continua a proibida, os moradores de algumas cidades têm medo de beber a água que vem de lá, mesmo depois de tratada. Em outras palavras, as pessoas que viviam no rio permanecem sem meios de sobrevivência e com incerteza sobre a recuperação da bacia", disse Flavia Mantovani ao Centro Knight para o Jornalismo nas Américas. A repórter fez uma extensa cobertura do desastre para o site de notícias brasileiro G1.

Mantovani lembrou que tanto a mídia quanto a sociedade não souberam como lidar incialmente com a tragédia.

"Ninguém sabia que se tornaria o maior desastre ecológico da história do país. Nos primeiros dias, ninguém poderia dizer onde a lama iria, se era ou não era tóxica, o dano que causaria", disse Mantovani. "Havia muita desinformação, especulação, questões técnicas, divergências entre os especialistas. Uma vez que isso ficou claro, a cobertura ganhou mais fôlego."

Com o G1, Mantovani usou diferentes ferramentas para reportar os fatos. O elemento principal, lembra ela, foi a cobertura em tempo real. Na página "Rio Doce: o caminho da lama", ela postou fotos, vídeos, matérias e declarações de personagens. Tudo a partir de seu telefone, via Twitter.

"Isso nos permitiu tirar proveito de um monte de coisas, sem necessariamente dar o tratamento de uma reportagem tradicional", disse ela. "Muito do nosso conteúdo era publicado [na página dedicada à cobertura em tempo real], com links para fotos e histórias que descobrimos no local. Nós também escrevemos algumas matérias de lá e uma reportagem especial que foi publicada depois de voltarmos, mas o foco durante a cobertura era realmente a página em tempo real."

Outro recurso utilizado pela repórter foram os vídeos em 360º, uma nova tecnologia explorada pelo G1 na cobertura de Mariana. Para isso, a equipe escolheu filmar a cidade de Barra Longa, uma das mais destruídas pelo acidente.

"Nós achamos que fazia sentido usar a ferramenta e que acrescentaria à cobertura", disse ela.

As matérias de Mantovani foram focados na tragédia humana, a perda de casas e vidas. Ela lembrou que um dos momentos mais emocionantes para ela foi quando um dos ex-moradores de Bento Rodrigues encontrou uma foto de família na lama. Para ela, as histórias individuais representaram a tragédia, falam sobre como um desastre ambiental mudou a vida de pessoas comuns.

"Entrevistamos muitas pessoas que tiveram suas vidas transformadas após a ruptura da barragem: o agricultor que perdeu sua ilha cheia de árvores frutíferas, o pescador que chorou ao ver os peixes mortos, o surfista que não podia mais levar o filho para o mar, o índio que chorava a perda de seu 'rio sagrado', a família que lutou para cuidar do filho deficiente sem água em uma favela, a moradora de Bento Rodrigues, que perdeu a mãe e a casa..."

A cobertura de Mantovani recebeu o Prêmio de Jornalismo e Esporte 2015 da Globo.

Críticas a algumas coberturas

A cobertura da mídia, em geral, recebeu críticas de especialistas acadêmicos. De acordo com Karina Gomes, professora de jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), na região onde o desastre ocorreu, a mídia teve papel na aparente impunidade dos responsáveis. Ela disse que nomes importantes não foram mencionados durante a cobertura.

"Para mim, [a mídia] exigiu muito pouco. E ainda exige. Não questionou o suficiente a razão pela qual não houve prisões, por que a investigação está suspensa, por que a teia de causas ainda não foi estabelecida", disse Gomes para o Centro Knight. "O Ministério de Minas e Energia mal apareceu como ator, assim como o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). A mineradora Samarco foi capaz de blindar-se, e como não respondeu perguntas, foi aparentemente deixada em paz pela imprensa, o que foi um erro."

Frederico Tavares, também professor de jornalismo na UFOP, não vê consistência na cobertura, seis meses após o desastre. Ele diz que a falta de questionamento reflete o espírito da cidade onde a tragédia ocorreu.

"A cidade vive com uma sensação de incerteza econômica, muito mais do que com o desejo de justiça. É uma inversão do significado real e das consequências do que está por trás da tragédia", disse ele ao Centro Knight. "No final, os vencedores e os perdedores são sempre os mesmos. Espero que não seja desta forma novamente."

O desastre ocorreu em 5 de novembro de 2015, mas segundo a professora Gomes, a resposta inicial foi tímida, principalmente porque não houve vítimas identificadas. Outra questão, segundo ela, foi a falta de informação oficial que deixou espaço para boatos e reportagens incorretas. No entanto, Tavares notou que uma vez que grandes equipes de reportagem foram enviadas para a região, a cobertura mudou.

"A cidade estava completamente tomada por jornalistas e veículos de comunicação de várias partes do Brasil e até do mundo. Eu acredito que a cobertura foi "proporcional" em relação ao aparato que foi montado na cidade por algumas semanas (três no mínimo), o que não significa dizer que a cobertura conseguiu capturar a tragédia em suas particularidades, pois pode-se dizer que, em geral, foi bastante padronizada", disse o professor Tavares.

Para Tavares, a resposta foi não só tardia, como também não conseguiu apresentar de maneira correta a dimensão da tragédia ambiental. Elementos como o histórico do vazamento ficaram faltando, disse ele.

Gomes acredita que a resposta atrasada da imprensa não foi resultado de cautela por parte da mídia, mas sim do despreparo geral do governo.

"Eu não defendo a ideia de cautela, já que desde o início ficou claro que era um grande desastre. Apenas o desaparecimento de Bento Rodrigues e a destruição das comunidades vizinhas, carregando consigo modos de vida, patrimônios, memórias, já era motivo para maior engajamento inicial. Há que se destacar, também, que uma das dificuldades em se dimensionar a tragédia teve a ver com a desorganização das instituições locais", ressaltou.

Outro elemento que influenciou a cobertura foram os ataques terroristas de Paris, que ocorreram uma semana depois e ganharam a atenção da mídia, causando revolta nas redes sociais. Para Tavares, ficou claro que as notícias estrangeiras foram tratadas como mais importantes.

Ambos Tavares e Gomes destacam como exemplares a cobertura dos meios de comunicação regionais, como os jornais O Tempo e O Estado de Minas, bem como veículos nacionais independentes, como a Agência PúblicaJornalistas Livres e Brasil de Fato.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.

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