Até 1º de dezembro de 2021, seis jornalistas continuavam privados de liberdade por motivos relacionados ao seu trabalho em países latino-americanos, de acordo com o censo de jornalistas presos de 2021, elaborado pelo Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ).
São eles Mary Karla Ares, Lázaro Yuri Valle Roca e Camila Acosta, de Cuba; Miguel Mendoza e Juan Lorenzo Holmann, da Nicarágua; e Paulo Cezar de Andrade Prado, do Brasil.
Os três jornalistas cubanos cumprem atualmente prisão preventiva; as duas repórteres foram detidas durante a cobertura dos protestos deste ano na ilha.
Ares, repórter do jornal comunitário Amanecer Habanero, foi presa no dia 30 de abril e levada a uma delegacia de polícia em Havana. O Instituto Cubano por la Libertad de Expresión y Prensa (ICLEP) denunciou na ocasião que Ares havia sido submetida a intensos interrogatórios durante a noite de sua detenção e fora impedida de dormir.
Ares entrou em 26 de maio no presídio feminino de Guatao, no município de La Lisa, em Havana. Três dias depois, ela foi colocada em prisão preventiva em domicílio, onde permanece sob investigação até hoje sob a acusação de "desordem pública e resistência".
Acosta, correspondente do jornal espanhol ABC e colaboradora de CubaNet, também está em prisão domiciliar desde que foi detida enquanto cobria as manifestações de 11 de julho. Ela foi acusada na época de “desordem pública”, embora recentemente, em novembro de 2021, sua acusação tenha sido mudada para “instigação para cometer um crime”. A jornalista continua aguardando julgamento, mas não teve acesso a nenhum documento da investigação.
Além delas, Valle Roca, do meio digital Delibera.org, foi levado preso em junho de 2021 para uma sede da Polícia de Havana, onde havia sido intimado supostamente para fechar um caso de desacato anterior. Na véspera, o comunicador havia publicado em seu canal no YouTube um vídeo com mensagens a favor da democracia em Cuba.
Em outubro, a Artigo 19 denunciou que Valle Roca não estava recebendo atenção médica adequada para tratar seus problemas renais na prisão, além do fato de que sua casa havia sido invadida.
Na Nicarágua, Mendoza e Holmann passaram vários meses detidos na prisão de El Chipote, em Manágua, aguardando julgamento. Mendoza, que é jornalista esportivo, foi preso no dia 21 de junho acusado de praticar atos que "minam a independência, a soberania e a autodeterminação" e de "incitar a ingerência estrangeira nos assuntos internos", informou a Polícia Nacional, sem dar mais detalhes.
Nos últimos anos, Mendoza criticou o Governo do Presidente Daniel Ortega nas redes sociais e expressou opiniões sobre a situação dos direitos humanos em seu país. O CPJ informou em junho que a residência do jornalista foi alvo de uma operação e que as autoridades apreenderam seu computador e outros equipamentos de trabalho.
Holmann foi preso em 14 de agosto de 2021, após ser intimado em El Chipote. O jornalista, que é gerente geral do La Prensa, único jornal impresso que ainda sobrava na Nicarágua, foi acusado de fraude alfandegária e lavagem de dinheiro, bens e ativos.
Na véspera, em 13 de agosto, as instalações do La Prensa foram invadidas, depois que a Junta Diretiva anunciou que a edição impressa do jornal deixaria de circular porque as autoridades alfandegárias haviam retido repetidamente a importação de insumos.
Os dois jornalistas nicaraguenses não tiveram acesso a seus advogados e familiares, informou o CPJ em seu relatório.
“Os processos penais contra Mendoza e Holmann são um dos exemplos mais extremos da atual estratégia das autoridades nicaraguenses de usar o sistema judicial para intimidar e punir vozes críticas na imprensa”, disse a organização.
O único caso brasileiro de jornalistas presos é o do blogueiro esportivo e político Paulo Cezar de Andrade Prado, que atualmente cumpre pena de cinco meses de prisão por um caso de difamação em 2016 movido por Paulo Sérgio Menezes Garcia, membro do conselho do time de futebol do Corínthians Sports Club.
Prado foi detido em 28 de setembro de 2021 em sua residência por agentes da Polícia Civil do Estado de São Paulo e transferido para o Complexo Penitenciário de Tremembé, onde passou as primeiras duas semanas isolado, antes de ser transferido para uma cela com cerca de 80 internos. Em novembro, ele foi transferido para sua casa, onde cumprirá o resto da pena em prisão domiciliar.
“Em muitos lugares, a mera ameaça de passar um tempo na prisão é suficiente para enviar uma mensagem intimidadora”, disse o CPJ. "Este ano, autoridades em países das Américas, incluindo Brasil, Peru e Colômbia, entraram com processos por difamação contra jornalistas investigativos, muitos dos quais investigavam acusações de corrupção ou mau desempenho de funcionários públicos."
Crise da liberdade de imprensa se agrava na América Latina
O censo do CPJ registrou que o número de jornalistas presos por seu trabalho em todo o mundo atingiu um recorde em 2021. Um total de 293 comunicadores foram privados de sua liberdade por exercerem o jornalismo até 1 de dezembro. Isso representa um aumento em relação aos 280 casos registrados em 2020.
Apesar do número relativamente baixo de jornalistas presos na América Latina, o CPJ alertou para uma deterioração preocupante na situação da liberdade de imprensa na região em 2021, ao considerar outros indicadores.
"Só neste ano, além dos repórteres mortos no México, Colômbia e Haiti, outros jornalistas no México, Brasil e Colômbia quase não sobreviveram a ataques a tiros", disse a organização. “Embora a violência mortal continue sendo a principal forma de censura em países como México e Colômbia, as táticas para silenciar jornalistas na América Latina e no Caribe estão evoluindo para incluir legislações e decisões judiciais em toda a região”.
A repressão na Nicarágua se intensificou em 2021, segundo o CPJ. Em meio a um polêmico processo eleitoral, que colocou Daniel Ortega no poder pelo quarto mandato consecutivo, as autoridades nicaraguenses perseguiram e detiveram jornalistas e opositores, vetaram organizações da sociedade civil e usaram prontamente as novas leis que criminalizam manifestações críticas.
O regime de Ortega propôs em 2020 a Lei de Regulação de Agentes Estrangeiros, que obrigaria qualquer entidade ou pessoa que receba financiamento do exterior a se registrar no Ministério do Interior como “agente estrangeiro”, inclusive jornalistas que trabalhem para meios de comunicação de outros países.
O México, por sua vez, continua sendo o país mais perigoso para a prática do jornalismo no Ocidente. Em 2021, o CPJ registrou três jornalistas mexicanos assassinados: Gustavo Sánchez Cabrera, Jacinto Romero Flores e Ricardo Domínguez López.
Sánchez Cabrera, diretor do site Noticias Minuto a Minuto e jornalista da TV Panorama Pacífico, foi assassinado no dia 17 de junho no estado de Oaxaca. Romero Flores, apresentador da estação Ori Stereo FM e do programa Rádio Ixtac Online, perdeu a vida após ser atacado com tiros quando dirigia seu carro no estado de Veracruz. Domínguez López, diretor do portal InfoGuaymas, foi baleado no estacionamento de um supermercado em Sonora.
O CPJ também indicou que continua investigando seis outros casos de assassinatos de jornalistas no México para determinar se seu trabalho como comunicadores foi o principal motivo de suas mortes.
O relatório destacou que, diante da crise causada pela pandemia de COVID-19, vários líderes da região têm tomado medidas emergenciais que de alguma forma dificultam a capacidade da imprensa de investigar livremente, conforme apontaram o CPJ e o TrustLaw, da Fundação Thomson Reuters, em um relatório em junho deste ano.
Assim como a Nicarágua, as autoridades da Guatemala e El Salvador introduziram leis que dariam aos governos mais controle sobre as atividades de organizações com financiamento estrangeiro.
“Com tantos líderes em toda a região assumindo uma postura cada vez mais hostil aos jornalistas que cobram que eles prestem contas, outros países latino-americanos também podem seguir este caminho preocupante”, alertou o CPJ no documento.