texas-moody

Sumaúma quer 'amazonizar o mundo' fazendo jornalismo com 'olhar a partir da natureza': entrevista com Eliane Brum

Árvore considerada “rainha da Amazônia”, a sumaúma é um dos símbolos dessa floresta tropical que cobre grande parte de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Pode alcançar 70 metros de altura, viver centenas de anos e é considerada sagrada por diversos povos da floresta. Este ícone da magnificência amazônica batiza uma iniciativa jornalística trilíngue fundada por três jornalistas brasileiras, uma peruana e um britânico, que pretende ampliar as vozes da floresta e “recentralizar o mundo”, como disse Eliane Brum, uma das fundadoras de Sumaúma, à LatAm Journalism Review (LJR).

Eliane Brum

A jornalista Eliane Brum. Foto: Azul Serra

A plataforma estreou no dia 13 de setembro como uma newsletter em portuguêsespanholinglês. Desde então tem publicado em seu site e enviado às caixas de entrada de seus assinantes reportagens e artigos de articulistas dedicados a alertar sobre a “guerra” contra a Amazônia e seus povos. “Estamos vivendo uma guerra contra a natureza, e essa guerra é de uma tal desproporção de forças que assume um caráter de massacre”, disse Brum, que em 2021 foi uma das ganhadoras do prêmio Maria Moors Cabot, um dos principais prêmios de jornalismo no mundo.

Na primeira edição de Sumaúma, por exemplo, há uma reportagem sobre a violência sexual de garimpeiros, que exploram o território Yanomami ilegalmente, contra meninas e mulheres da etnia indígena na Amazônia brasileira próxima à fronteira com a Venezuela. Também há um artigo assinado por Davi Kopenawa Yanomami, xamã e líder indígena, que afirma que “a Amazônia é única, só tem uma. Os brancos são muito numerosos, mas irão morrer também”. Nas edições seguintes, Sumaúma se voltou para as eleições gerais brasileiras, cujo primeiro turno elegeu um Congresso “que pode destruir a Amazônia” ste determinou o segundo turno entre Jair Bolsonaro, atual presidente, e Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país entre 2003 e 2010. Sobre esta disputa, Sumaúma é categórica: “é Lula quem representa a melhor chance de a democracia vencer”.

Indigenous communicator Elizângela Baré smiles in front of a microphone in a recording studio

A comunicadora indígena Elizângela Baré. Foto: Christian Braga / Sumaúma Jornalismo

A plataforma também conta com uma versão em áudio, a Rádio Sumaúma. Elizângela Baré, indígena do povo Baré e uma das fundadoras da Rede Wayuri de Comunicação Indígena da Amazônia, de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, e Maickson Serrão, ribeirinho e podcaster baseado na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará, são os responsáveis pelo podcast. Eles conversam com as jornalistas de Sumaúma, que contam os bastidores das reportagens publicadas pela plataforma. “[A rádio] fala sobre as reportagens de Sumaúma porque queremos respeitar essa transmissão oral de conhecimento e falar também para dentro da floresta”, disse Brum.

BrumJonathan Watts, editor global de Meio Ambiente do jornal britânico The Guardian e também co-fundador de Sumaúma, vivem em Altamira, no Pará. A cidade é a base da nova plataforma de jornalismo, que também tem como co-fundadoras as jornalistas Carla Jimenez, que foi diretora executiva de El País Brasil nos quase nove anos de operação do site, encerrado em 2021Talita Bedinelli, que também trabalhou anteriormente em El País e Folha de S. Paulo; e Verónica Goyzueta, jornalista peruana com mais de duas décadas como correspondente desde o Brasil para meios internacionais e coordenadora do Amazon Rainforest Journalism Fund (criado por Watts e que tem Brum como uma das co-fundadoras).

Em conversa com a LJR, Brum falou sobre a idealização e a fundação de Sumaúma, seu jornalismo centrado na Amazônia e na natureza, e a urgência da crise climática e da reação à “guerra contra a natureza”. “Se a tua casa está em chamas – e está em chamas – tu fica sentada esperando ser incendiada junto com a casa? É um total contrasenso.”

Leia a seguir a entrevista com Eliane Brum. Esta entrevista foi editada para fins de clareza e concisão.

LJR: O que te levou a criar Sumaúma? Como surgiu o projeto?

Eliane Brum: Sumaúma foi idealizada por mim e por Jon Watts, editor global de Meio Ambiente do The Guardian. Eu moro em Altamira desde 2017, e Jon também se mudou para Altamira há um ano. Viemos conversando sobre essa ideia há alguns anos, e [o projeto] estava parado por conta da pandemia. Começamos a nos mover para criar Sumaúma no ano passado, e [Sumaúma] é parte da mesma ideia que me levou a sair de São Paulo e ir morar em Altamira: a ideia de que nesse momento de crise climática e sexta extinção em massa de espécies, precisamos urgentemente recentralizar o mundo, geopoliticamente e mesmo além da geopolítica. Os reais centros do mundo são os suportes naturais de vida, os enclaves de natureza, as florestas tropicais como a Amazônia, os oceanos, os outros biomas, porque é deles que dependem a nossa vida e a vida das outras espécies.

Dizer que a Amazônia é o centro do mundo e que Sumaúma faz jornalismo desde o centro do mundo não é retórica. A Amazônia é o centro do mundo, e hoje para nós está muito claro que o Brasil é periferia da Amazônia, embora isso não esteja exatamente contemplado no debate eleitoral [brasileiro], infelizmente. Mas essa é a realidade. Isso significa também uma recentralização de valores. Não é com o pensamento de matriz ocidental, branco, patriarcal, masculino, binário que nos trouxe até a crise climática que vamos sair da crise climática. É outro tipo de pensamento e outro modo de vida que tem que estar no centro. Então essa recentralização é uma mudança, um deslocamento do centro geopolítico, mas um deslocamento dos valores centrais também.

A partir desse entendimento, percebemos que precisávamos criar uma plataforma de jornalismo que desse conta disso, que fosse capaz de fazer jornalismo a partir do centro do mundo, a partir desses outros valores, dessas outras vozes, desses outros intelectuais; que pudesse fazer ponte entre a ciência da floresta e a ciência que é feita fora da floresta, a ponte entre os intelectuais da floresta e os intelectuais europeus, americanos, brasileiros do Centro-Sul.

Começamos a fazer esse projeto no papel no ano passado, e aí em dezembro [de 2021] o El País [Brasil] foi subitamente fechado, um ato bastante violento na medida em que – pelo menos na minha opinião, e eu me sinto à vontade de falar isso – o El País Brasil se tornou em oito anos o jornal mais progressista do Brasil. Então ele foi fechado num momento crucial, que é o momento da eleição mais importante da história do Brasil. A partir daí, Jon e eu nos juntamos com Carla Jimenez, que foi diretora do El País Brasil pelos oito anos que ele existiu, Talita Bedinelli, que foi editora do El País, e Verônica Goyzueta, que é uma jornalista peruana correspondente há muitos anos no Brasil e que é coordenadora do Amazon Rainforest Fund, que também foi algo criado pelo Jon com a participação de outros jornalistas, entre os quais me incluo.

Criamos Sumaúma como plataforma trilíngue, porque é nossa resposta, no campo do jornalismo, à urgência desse momento. Começamos com uma semente, que é uma newsletter, com os recursos que temos agora, mas queremos crescer rapidamente e nos tornar um jornal online, conversar e ser influente no planeta, porque o planeta precisa dessa conversa que venha da floresta. Então somos simultaneamente em português, inglês e espanhol desde o começo. Mas também somos Rádio Sumaúma. Temos uma newsletter-podcast, digamos, que é apresentada pela Elizângela Baré, uma indígena de São Gabriel da Cachoeira (AM), do povo Baré, e o Maickson [Serrão], que é ribeirinho da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, no Pará. [A rádio] fala sobre as reportagens de Sumaúma porque queremos respeitar essa transmissão oral de conhecimento e falar também para dentro da floresta, porque é transmissão oral de conhecimento e de notícias também, não é pela escrita.

Você falou que vocês querem se tornar um jornal online; como é esse plano?

Hoje nós somos cinco pessoas, e temos um plano de ser uma redação bem maior, capaz de dar conta de muito mais, porque estamos em uma emergência total. Nós não conseguimos cobrir nem 0,01% do que é necessário cobrir na Amazônia, que está sob ataque. Entendemos que estamos vivendo uma guerra contra a natureza, e essa guerra é de uma tal desproporção de forças que assume um caráter de massacre. Nós estamos perdendo essa guerra, que é uma guerra pela vida. Então precisamos crescer rapidamente, e quando eu falo em jornal é fazer exatamente o que Sumaúma já está fazendo, mas numa proporção muito maior, com muitos mais jornalistas.

O projeto de Sumaúma é uma expansão por biomas. "Amazonizar o mundo" significa um olhar a partir da natureza, e no caso nós estamos baseados na maior floresta tropical do planeta. Mas essa coisa estanque, assim como os estados-nações, os biomas, "aqui acaba a Amazônia, depois vem o cerrado", não é assim que a vida é, não é assim que a natureza é, não tem essas essas fronteiras. Amazonizar o mundo e o jornalismo é um olhar a partir da natureza para muito além da Amazônia. O projeto de Sumaúma é uma expansão por biomas, e esse crescimento está previsto no nosso projeto e é parte muito importante dele.

Um dos pontos mais importantes do projeto Sumaúma é o que a gente chama de "muvuca de novos jornalismos", um programa de co-formação em que nós ensinamos o jornalismo que conhecemos, que fazemos e no qual acreditamos, e os povos da floresta nos ensinam a forma como eles produzem notícias e contam histórias. Se o jornalismo, como o conhecemos, tem 200 anos, os indígenas contam histórias há 13 mil anos, e as notícias circulam na Amazônia de várias maneiras. Então queremos criar um outro jornalismo. E essas pessoas que nos formarão e que nós também formaremos vão compor a redação. Sumaúma vai crescer com uma redação com jornalistas vindos dos vários povos da floresta: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses agroecológicos e também das periferias das cidades amazônicas. Essa é a nossa forma de crescimento, e se tornar um jornal é se tornar um jornal com esses jornalistas.

Esse projeto vai começar na nossa base, em Altamira, com um grupo de indígenas, ribeirinhos, camponeses e jovens da periferia de Altamira, que vão formar a primeira turma. Agora estamos fazendo o processo de conversa com as comunidades, com as aldeias, para começar no ano que vem.

Esse plano de expansão por biomas prevê então que Sumaúma não cubra apenas a Amazônia, é isso?

Sumaúma cobre a Amazônia, mas também cobre o planeta a partir da Amazônia. Mais do que cobrir a Amazônia, é um olhar a partir dela, a partir do centro do mundo, a partir dessa visão de deslocamento dos centros do mundo, a partir de outra cosmovisão, de outros pensamentos, de outras tecnologias, de outros intelectuais. Isso não se limita ao bioma amazônico, mas é outra concepção de estar nesse planeta. É claro que vamos cobrir prioritariamente a Amazônia nesse momento, mas é um olhar a partir da Amazônia.

Vocês têm uma página de financiamento coletivo e estão pedindo o apoio dos leitores. Como está sendo essa questão do financiamento para vocês?

O sonho de todo mundo que faz jornalismo independente é ser sustentado pelo público, é que as pessoas entendam que o que tu faz é relevante o suficiente para investir o dinheiro que elas puderem. O crowdfunding é muito importante porque também queremos ter um tipo de relação diferente com nossos leitores. Queremos realmente que os leitores participem de Sumaúma. Em novembro, as pessoas que já são nossas apoiadoras vão participar de um debate e de uma reunião de avaliação que faremos online. Vamos falar um pouquinho sobre o que fizemos e para onde estamos indo, e queremos ouvir os leitores, para que eles façam suas críticas, sugiram pautas e caminhos. Nossos leitores serão escutados e têm espaço para dizer aquilo que eles pensam.

Os convites foram distribuídos por níveis de apoio: conforme tu apoia tanto, tu tem um convite para o debate. Se tu apoia tanto, tu tem o convite para o debate e para a reunião de avaliação. Só que para cada convite de apoiador, tem um segundo convite para alguém que não apoiou, porque senão ia ser pouco democrático, só quem tem recurso poderia participar, e não é isso que a gente quer. Então sempre vai ter alguém que pagou e alguém que não pagou. Nesse começo serão pessoas que nós vamos convidar, porque estamos convidando as pessoas da floresta mesmo.

Mas não nos sustentamos por crowdfunding. Temos financiamento de fundações [nacionais e internacionais]. Sonhamos que o crowdfunding possa nos sustentar, mas vamos depender de financiamento de fundações por um tempo.

Como é a relação de vocês com comunicadores e jornalistas locais da Amazônia?

Ainda estamos começando, então são vários níveis. Toda edição da newsletter tem uma sessão fixa que traz o que saiu de mais interessante sobre a Amazônia e que não foi produzido por Sumaúma.  Fazemos uma seleção tentando sempre priorizar o que é produzido por agências independentes da Amazônia.

Uma parte da nossa ideia com nosso projeto da muvuca de novos jornalismos é que a gente espera que a redação de Sumaúma seja desses jornalistas, mas a gente também espera que esses jornalistas criem outros espaços, porque a gente precisa de muito mais jornalismo e agências de jornalismo independente do que existem hoje para cobrir as Amazônias todas.

Também já começamos a conversar com outras agências e iniciativas de jornalismo independente para que, por exemplo, elas nos avisem quando publicarem uma matéria que acham que pode ser relevante para a gente republicar. Como somos trilíngue, isso precisa ser feito com certa antecedência. Não somos rápidos nesse sentido, porque tudo que fazemos é traduzido para duas línguas.

E esperamos fazer investigações conjuntas, juntando nossos recursos humanos e financeiros para fazer matérias investigativas de forma coletiva, o que é bom para todo mundo.

Outra coisa é que priorizamos jornalistas locais que já estejam atuando como jornalistas na Amazônia. Por exemplo, a matéria principal da segunda edição da newsletter, que é sobre as candidaturas indígenas, foi feita pela Catarina Barbosa, uma repórter de Belém (PA).

Quando vocês anunciaram Sumaúma, em agosto, surgiram algumas críticas de comunicadoras amazônicas sobre vocês terem se colocado como “primeira plataforma de jornalismo feito desde a Amazônia”, quando se trata de um ecossistema midiático e informativo que conta com várias iniciativas. Vocês tomaram conhecimento dessas críticas?

Sim. Somos a primeira plataforma trilíngue de jornalismo feita a partir da Amazônia. Se alguma vez houve outra, estamos prontos para fazer uma correção. Mas eu desconheço que tenha ou já tenha tido outra plataforma trilíngue feita a partir da Amazônia. E foi isso que dissemos. Agora, eu acho que o "primeira", realmente, é desnecessário, e até paramos de usar. Quando nos lançamos dessa maneira, queríamos colocar a nossa diferença, o fato de ser trilíngue, porque tem uma escolha política nisso, uma escolha de conversa, de poder expandir não só a nossa voz, mas também a voz de outras agências com as quais a gente possa colaborar.

Eu acho que as críticas são sempre muito rápidas e muito fáceis, e nem sempre justas. E eu acho que respondemos sendo. Respondemos com jornalismo, com ação concreta, com aquilo que a gente é. Sumaúma já está respondendo e mostrando com quem está, quais são as vozes que estão ali. E essas críticas eu acho que também são localizadas, porque eu moro em uma cidade que é um hotspot da Amazônia, e não vi essas críticas de indígenas, de ribeirinhos, de quilombolas, de camponeses... Essas críticas não vieram dessa base amazônica na floresta, que ao contrário, está muito comprometida com Sumaúma. Tanto que a Rádio Sumaúma é uma parceria com a Rede Wayuri de Jornalismo, que é uma rede indígena. Então eu acho que essas críticas são injustas e desnecessárias no momento em que, ao contrário, a gente precisa do máximo de jornalismo possível. Eu espero que possamos colaborar com outras agências e que outras agências de jornalismo independente se criem. Trabalhamos nesse sentido.

Mas eu acho que isso nem é importante, e nesse sentido foi um equívoco nosso, porque não é importante ser o primeiro, o segundo ou o terceiro. O importante é ser, trabalhar e somar. Então acho que nesse sentido nos equivocamos nas importâncias.

O tema da segurança de jornalistas cobrindo a Amazônia tomou maior evidência depois dos assassinatos do jornalista britânico Dom Philips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira em junho. Como estes assassinatos impactaram vocês pessoalmente e profissionalmente e no desenvolvimento de Sumaúma?

Teve um impacto muito grande por tudo que significa e porque o Dom era um dos melhores amigos do Jon, então teve um impacto pessoal muito grande. Já houve assassinatos de outros jornalistas na Amazônia, mas em cidades amazônicas, e tem uma grande diferença. Eu não tenho conhecimento de outro jornalista assassinado nessas circunstâncias na floresta. Isso mostra o nível de confiança na impunidade, a penetração do narcotráfico na floresta, o quanto as comunidades da floresta estão fragilizadas e algumas pessoas dessas comunidades passam a se envolver com o crime organizado. Então isso mostrou que o risco está em outro patamar na floresta.

Eu cubro a Amazônia há mais de 25 anos, e Jon cobre a crise climática no mundo há muito tempo, e nós sabemos que estamos em guerra. Entendemos esse momento histórico como um momento de guerra contra a natureza. Nós nos entendemos em Sumaúma como jornalistas de guerra, pois estamos cobrindo uma guerra. Isso aumenta os nossos riscos, estamos conscientes disso. Fazemos e temos estratégias de segurança para diminuir os riscos, mas não temos como anulá-los. Estamos em guerra. E essa guerra não vai acabar depois da eleição [para a Presidência do Brasil], seja qual for o resultado.

Vocês falam no editorial dessa edição mais recente sobre angústia ou ansiedade climática. Existe de fato um fenômeno de angústia provocado pelas notícias, que inclusive leva muita gente a evitar as notícias, como pesquisas estão constatando. Como vocês veem essa situação em Sumaúma? Qual seria a melhor maneira de comunicar o que precisa ser comunicado de modo a não provocar apenas angústia, mas também um ímpeto de ação nos leitores?

Pensamos muito nisso, desde antes de Sumaúma, e acho que Sumaúma é uma resposta a isso. Quando eu conheci o Jon, eu estava vindo para Altamira, mas eu ainda estava em São Paulo, e Jon foi me encontrar para falar do Rainforest Journalism Fund, que ele estava criando e queria que eu me juntasse ao grupo fundador [da iniciativa]. Ele me perguntou sobre isso, e eu falava e já escrevi bastante sobre isso quando eu tinha a coluna no El País Brasil, e é que as pessoas precisam entender que o Rivotril [remédio para ansiedade] que elas tomam tem a ver com a crise climática. Essa é a junção, essa é a sinapse que precisa ser feita para que as pessoas entendam que a crise climática não é uma coisa que está longe delas, não é discurso de cientista, assim como a destruição da Amazônia não é discurso. Isso está no cotidiano delas e está impactando seu corpo, mesmo que elas não saibam nomear. O nome disso é crise climática. E esse é um grande desafio para nós jornalistas, porque os negacionistas vão muito além daqueles que são negacionistas assumidos. Porque mesmo no caso das pessoas que dizem que não duvidam da crise climática, entre entender que existe a crise climática e agir para enfrentar a crise climática tem um gap. E é aí que precisamos atuar, para que não tenha. Porque todos nós precisamos nos mover.

Sumaúma trabalha para que as pessoas entendam que não existe escolha entre estar ou não estar na guerra. Você está na guerra. E a única diferença é se tu vai esperar sentado ou se vai lutar. E essa é uma grande escolha, é uma escolha urgente que todos precisam fazer. É o discurso da Greta Thunberg: nossa casa está em chamas. No nosso caso em Altamira, às vezes literalmente. Não a casa em si, mas eu às vezes eu passo a noite inteira olhando a floresta queimar. Então se sua casa está em chamas – e está em chamas – tu fica sentada esperando ser incendiada junto com a casa? É um total contrasenso. Em que momento a nossa espécie parou de ter o instinto básico de sobrevivência que qualquer organismo muito primário tem? Qualquer organismo vivo tem instinto de sobrevivência, e nós, por uma série de razões, parecemos ter perdido o instinto de sobrevivência. Então Sumaúma busca agir nisso também. Porque hoje, para sentir a crise climática, basta abrir a janela. Então [Sumaúma busca] fazer essas conexões, trazer também a voz daqueles que não são humanos, mas que também são atingidos. Uma das nossas matérias mostra que Bolsonaro, em menos de quatro anos, matou dois bilhões de árvores. Cada árvore é um mundo. A floresta não é medida em indivíduos. A gente fala em dois bilhões de árvores, mas cada árvore tem formiga, cupim, outros seres invisíveis que a gente nem sabe nomear, pois a maioria das coisas que existem na floresta a gente nem conseguiu identificar ainda. Tem fungos, pássaros, macacos, são mundos conectados que são destruídos. Se tem um massacre das pessoas, tem um holocausto dos povos não-humanos. E nosso entendimento de democracia vai muito além de uma democracia para humanos. Vamos falar muito em direitos da natureza, em direitos daqueles que estão sendo destruídos e não têm voz, não são escutados.

Diante dessa guerra, como vocês gostariam que os leitores de Sumaúma lutassem? Que tipo de ação vocês gostariam de provocar?

Eu tenho uma convicção, e eu escrevo há muito tempo sobre isso, que é que nós que estamos vivos nesse momento estamos no momento mais limite da história humana nesse planeta, que é crise climática e sexta extinção em massa das espécies. Isso vai muito além de qualquer outra coisa que qualquer outra geração tenha vivido. Então a gente precisa não só fazer o que a gente sabe: a gente vai precisar fazer também o que a gente não sabe. Eu tenho tentado fazer o que eu não sei também há bastante tempo. Primeiro a gente precisa se juntar, criar comunidade, que é algo que o capitalismo destruiu, essa ideia de comunidade, de coletivo, de se ver como parte de algo maior e conectado. Mas eu não posso dizer o que cada um vai fazer. Cada um vai ter que ver aquilo que sabe e aquilo que não sabe e pode fazer com os outros, mas tem que atuar. Estamos no momento de atuar, precisamos de movimento. Nesse momento, o que se pode fazer é virar voto [de Bolsonaro para Lula]. Nesse momento, o que se pode fazer é garantir que as pessoas que queiram votar possam chegar nos seus locais de votação, porque há muita gente nesse país que não consegue chegar até a urna, seja porque não tem dinheiro para transporte, seja porque é intimidada. Eu vivo em uma cidade onde é tão intimidatória a presença do bolsonarismo, que as pessoas às vezes têm medo de votar. Então nesse momento é [preciso] garantir que as pessoas possam votar, exercer o seu direito de votar, e virar voto. Essa é a atuação principal desse momento, que é o que a gente diz nesse editorial: para tudo e vai fazer isso, porque não tem nada mais importante para fazer. Esse Congresso [que foi eleito] é pior, especialmente o Senado. Vamos ter quatro anos de um Congresso pior [do que a legislatura anterior]. Lula se eleger é a nossa única chance de fazer frente a esse Congresso. Estamos escolhendo entre a catástrofe que é Bolsonaro e o muito difícil. O melhor que temos pela frente, na melhor das hipóteses, é o muito difícil. Ou seja, a luta não acaba, pelo contrário: ela vai se tornar mais difícil. Agora temos que lutar pelo muito difícil para evitar a catástrofe. Eu afirmo com muita tranquilidade: se Bolsonaro se reeleger, com este Congresso, há muita chance de a Amazônia acabar. E se isso acontecer, as nossas chances e as chances das gerações que já nasceram terem uma vida com qualidade nesse planeta vão ficar muito escassas. Nosso futuro próximo é hostil. Dependemos da Amazônia. Então essa é a atuação deste momento.

Artigos Recentes