Em sociedades polarizadas, jornalistas que se tornam alvos de ataques de políticos populistas e seus apoiadores têm que ajudar uns aos outros, reportar apenas fatos checados e contar histórias aprofundadas.
Essas foram as ideias e estratégias destacadas pelos palestrantes do painel “Polarização: Desafios para jornalistas que se tornam alvos em sociedades polarizadas”, que fez parte do webinar “Jornalismo em Tempos de Polarização e Desinformação na América Latina”, organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e o LLILAS Benson Coleções e Estudos Latino-Americanos da Universidade do Texas em Austin, em 9 de novembro de 2021.
Entre os palestrantes estavam a jornalista Isabel Mercado, da Bolívia, Romina Mella, do Peru, e Maria Teresa Ronderos, da Colômbia. A discussão foi moderada por Wendy Hunter, professora da Universidade do Texas em Austin.
A polarização é uma característica da nossa época, presente em todas as sociedades do mundo e temperada com a desinformação, disse Mercado no início da discussão. E tanto a sociedade como os jornalistas são as grandes vítimas dessa conjuntura, acrescentou.
Mercado e Mella concordam que jornalistas que se tornam alvos de polarização sofrem principalmente de estigma e descrédito por parte de figuras de autoridade e grupos da sociedade civil alinhados a um partido ou ideologia específica. Isso é feito por meio de campanhas contra jornalistas e meios de comunicação que adotam uma postura crítica.
Na polarização que está ocorrendo na Bolívia, Mercado disse que está cada vez mais difícil acessar as declarações oficiais, uma vez que as coletivas de imprensa são quase inexistentes.
“O sigilo fixou residência na Bolívia”, disse ela.
Tudo isso em um contexto de condições de trabalho cada vez mais precárias, falta de proteção e falta de oportunidades de treinamento para jornalistas, “o que os torna alvo de múltiplas e frequentes agressões”, disse Mercado.
Segundo ela, um dos perigos é que, quando a polarização é normalizada na sociedade, além de afetar o discurso e a prática da tolerância, o jornalismo militante emerge, o que vemos acontecer na Bolívia e em outros países da região. Isso acontece quando um jornalista toma partido de uma das facções em conflito e para de reportar com imparcialidade, acrescentou.
Ronderos, que é diretora executiva do Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), acredita que o mais difícil para o jornalismo nestes tempos de polarização é “tomar o partido da verdade”, dos fatos. “Precisamos seguir um método para verificar os fatos, para contar uma história verdadeira, sem tentar agradar a um determinado lado.”
Nesse sentido, disse Ronderos, a mídia tradicional da região precisa fazer um “mea culpa”.
“A grande mídia na América Latina ainda precisa fazer um mea culpa pelas muitas vezes que se aproximou do poder, ficou confortável demais, sentada em palácios. [Havia] muita autocensura para satisfazer certos interesses econômicos. ”
Ser rigoroso e independente são as melhores ferramentas de um jornalista, disse Mercado.
No caso do IDL-Reporteros do Peru, disse Mella, a estratégia para lidar com os ataques dos grupos fascistas é investigá-los, identificá-los e revelar seus vínculos com partidos e organizações políticas. Outra estratégia tem sido iniciar uma ação legal contra os atores identificados em ataques específicos.
Na polarização observada durante as eleições peruanas do início deste ano, e também durante a pandemia, o IDL-Reporteros sofreu perseguições constantes de grupos de extrema direita, apoiadores do partido Fuerza Popular, que concorreu às eleições presidenciais.
Esses “grupos de estilo fascista realizaram protestos em frente à redação, usaram nosso logotipo e site para criar um site falso e publicar mensagens que incitam o ódio e a violência”, disse Mella. Além disso, outros meios reproduzem essas mensagens de ódio e publicam informações falsas sobre o site deles e do seu trabalho investigativo.
As principais estratégias para lidar com o assédio que os torna alvos pelo seu trabalho jornalístico são a defesa jurídica e as técnicas de autodefesa, disse Mella.
Mais alarmante, para Ronderos, nesse contexto de polarização, é que os governos populistas aproveitam seu momento de popularidade para reprimir permanentemente a imprensa por meio de leis e regulamentos.
“Isso coloca os jornalistas em total desvantagem”, disse Ronderos.
Ela destacou a situação difícil para a imprensa em Honduras, El Salvador, Brasil, Nicarágua, Colômbia, Venezuela e Cuba, diante das ações autoritárias de seus governos.
No entanto, “o sentido histórico” é muito importante para um jornalista em momentos de total desesperança, disse Ronderos, referindo-se ao jornalismo investigativo de seus colegas venezuelanos, que continuam a acompanhar as ações do governo e perseveram em seu jornalismo investigativo.
Os palestrantes concordaram que o jornalismo continua, hoje mais do que nunca, indispensável para as pessoas.
“No médio prazo, a verdade vai continuar a brilhar”, disse Ronderos, com esperança.
O webinar “Jornalismo em tempos de polarização e desinformação na América Latina” também contou com os painéis “Desinformação: Como o jornalismo tem reagido a ondas de desinformação” e “Democracia e liberdade de imprensa: O papel da imprensa na defesa da democracia e da liberdade de expressão”.