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Veículos digitais latino-americanos crescem e se tornam rentáveis, mas sofrem ataques, segundo estudo da Sembramedia

Os meios de comunicação nativos digitais estão crescendo e muitos avançam no sentido da rentabilidade econômica, transformando integralmente a forma de se fazer e de se consumir jornalismo na América Latina. Essa foi uma das conclusões mais relevantes do estudo “Punto de inflexión” (Ponto de Inflexão), que analisou 100 meios de comunicação de quatro países e foi realizado pela organização Sembramedia, em parceria com a fundação Omidyar Network.

De acordo com o estudo, publicado em 20 de julho, a forma de produzir notícias de tais veículos gera mudanças, promove leis melhores, defende os direitos humanos, expõe a corrupção e o abuso de poder. No entanto, 45% dos meios de comunicação consultados pela pesquisa dizem que sofreram violência ou ameaças pelas suas coberturas e 20% admitem ter se autocensurado após os ataques.

O estudo completo pode ser baixado gratuitamente em versão PDF em espanhol, inglês e português no site da Sembramedia.

Durante cinco meses, a organização sem fins lucrativos, que promove o desenvolvimento e a capacitação de veículos digitais na América Latina e na Espanha, realizou uma pesquisa sobre o crescimento, impacto e ameaças aos projetos de 100 meios de comunicação digital da América Latina. Os países estudados pela organização, com o apoio da Omidyar Network, foram a Argentina, Brasil, Colômbia e México, com 25 veículos em cada país. Esse foi o estudo mais amplo desse tipo já realizado na região.

“Depois de passar anos trabalhando com jornalistas empreendedores na América Latina, eu sabia que o trabalho deles vinha ganhando importância, mas eu não tinha me dado conta do impacto que eles estavam causando, nem o quanto se tornaram vulneráveis, antes de concluirmos este estudo", disse Janine Warner, cofundadora do Sembramedia e Fellow do ICFJ Knight, em um comunicado da organizacão.

"[Empreendedores da mídia digital] ​estão determinados a produzir notícias independentes em países extremamente polarizados—e muitos deles estão pagando um alto preço por isso”, afirmou.

De acordo com a organização, um dos objetivos principais do relatório é poder ajudar fundadores de empresas de veículos digitais a compreender melhor as tendências, as possíveis ameaças que vão enfrentar e a conhecer e adotar melhores práticas.

Outra motivação para o estudo é ajudar investidores, fundações e organizações jornalísticas a apreciar o valor, a vulnerabilidade e o impacto desses veículos de comunicação, cujo crescimento é vertiginoso, segundo a Sembramedia.

A pesquisa abordou seis áreas temáticas: inovação, desafios, oportunidades, tamanho e participação da audiência, receitas e custos.

Os veículos estudados têm como motivação principal informar de maneira independente o que ocorre em seus países, em um contexto de polarização política. Essa independência editorial, na maioria dos casos, está sendo bastante custosa para os jornalistas.

A pesquisa trata, por exemplo, do caso do jornalista mexicano Luis Cardona, do veículo Pie de Página, que teve que fugir da sua cidade natal pela violência do narcotráfico e do Estado. Cardona foi sequestrado e torturado em setembro de 2012 pela reportagem que realizou nesse ano sobre o desaparecimento de 15 jovens pobres vinculados ao narcotráfico em Chihuahua.

No Brasil, o editor do site brasileiro Envolverde, Dal Marcondes, também garantiu que foi afetado por seu trabalho jornalístico.

“Temos sofrido muitos ataques cibernéticos. Uma vez substituíram todas as imagens do nosso site por pornografia. Perdemos uma enorme quantidade de conteúdo e nos tomou uma semana para trocar todas as nossas imagens”, contou Marcondes aos pesquisadores da Sembramedia.

Segundo o relatório, quase a metade dos jornalistas entrevistados informaram ter recebido ameaças e ataques físicos como consequência da sua atividade jornalística. Demandas punitivas, ataques cibernéticos, auditorias prolongadas e a perda de receitas com publicidade foram também, para muitos deles, os impactos nas suas publicações jornalísticas.

O relatório informa ainda que 21% dos meios de comunicação digitais pesquisados declaram ter se autocensurado como consequência de alguma ameaça.

Assim, afirma o estudo, os jornalistas nativos digitais na América Latina têm e estão desempenhando um papel ainda mais decisivo do que os seus colegas. Isso porque há uma grande concentração no mercado de imprensa nos países da região, onde a publicidade oficial costuma funcionar como recompensa aos veículos que falam bem do governo.

A qualidade dos veículos nativos digitais da América Latina tem sido reconhecida, pois eles têm ganhado muitos dos prêmios jornalísticos de grande prestígio na região. Por exemplo, todos os prêmios do importante festival Gabriel García Márquez de jornalismo de 2016 foram dados a meios digitais nativos. Três deles foram analisados pelo relatório da Sembramedia: Agência Pública e Repórter Brasil, ambos do Brasil, e La Silla Vacía, da Colômbia.

O relatório menciona também o Pulitzer que foi dado aos jornalistas do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, da sigla em inglês) que participaram da investigação sobre os Panama Papers; muitos deles eram jornalistas latino-americanos de meios nativos digitais.

Outro tema abordado pela pesquisa é o modelo de negócio e tipos de financiamento que os meios de comunicação consultados estão colocando em prática. Apesar de todas as dificuldades legais, materiais e financeiras, esses veículos estão conseguindo construir negócios sustentáveis fazendo jornalismo de qualidade.

O uso massivo das mídias sociais e o acesso a ferramentas de design na web tem impulsionado as iniciativas dos veículos digitais, segundo o relatório. Além do seu capital social, de conhecimentos e da experiência dos jornalistas fundadores.

É assim que mais de 70% dos empreendimentos estudados começaram com menos de 10 mil dólares, e mais de 10% deles geram, atualmente, receitas de ao menos meio milhão de dólares por ano.

Sembramedia identificou e classificou, entre os veículos estudados, quatro níveis de desenvolvimento de negócios, de acordo com a quantidade de receita que eles geram por ano:

  1. Os veículos “Destacados” geram meio milhão de dólares ou mais por ano e representam 12% do grupo analisado.
  2. Os “A passo firme” geram entre 100 mil e quase meio milhão de dólares por ano e correspondem a 17% do total.
  3. Os “Sobreviventes” recebem entre 20 mil e cerca de 100 mil dólares por ano e representam 23% dos sites estudados.
  4. Os “Startups e estagnados” são 32% dos veículos avaliados e geram receitas anuais de entre 100 e quase 20 mil dólares. Os 17% restantes são os veículos que trabalham sem receber nenhum tipo de receita.

Segundo o documento, muitos dos jornalistas empreendedores que lideram esses sites focam principalmente em fazer jornalismo de qualidade, sem investir o suficiente em vendas e marketing, mesmo quando muitos deles possuem tráfego suficiente para alcançar receitas significativas.

Em questões de gênero, o estudo ressaltou que 40% dos fundadores dos veículos nativos digitais analisados são mulheres.

Esse “é um grande número, nos deixa felizes de ver que estamos no caminho de uma certa igualdade”, disse Mijal Iastrebner, diretora e cofundadora da Sembramedia, ao revelar em abril de 2017 algumas das conclusões da pesquisa durante o 10º Colóquio Ibero-americano de Jornalismo Digital, organizado pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas.

Para alcançar o crescimento dessas organizações e aumentar o seu impacto, o relatório destaca três requisitos: proteção, profissionalismo e associações. Para o primeiro ponto, Sembramedia sugere conectar os meios nativos digitais com organizações que protejam e defendam os jornalistas com apoio legal, técnico e financeiro.

Para o segundo requisito, consciente de que a sustentabilidade é um elemento vital para o funcionamento dos veículos, propõe que exista uma formação empresarial que inclua melhores práticas e modelos de receita diversificados e modelos publicitários. Para os pesquisadores, isso permitirá aos veículos manter a sua independência e “se defender de punições econômicas”, como a retirada de publicidade, o que pode ser feito por governos e outras entidades quando são afetados pela cobertura dos meios de comunicação.

Finalmente, o estudo sugere que os veículos digitais compartilhem recursos e construam pontes e alianças para ampliar as suas audiências, inclusive na esfera internacional, para aumentar o seu impacto.

Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.