Por Diego Cruz
Desde 2003 existe na Venezuela um sistema de controle de divisas que impede as empresas de importar certos produtos sem a autorização do Estado. Em 2012, o papel-jornal, que não se produz no país, ingressou na lista de produtos não prioritários, tornando-se assim um produto que exige que os jornais peçam divisas para poder importá-lo.
A partir daí, os periódicos começaram a sofrer para obter as divisas e, por consequência, o papel. Recentemente, a crise piorou: vários jornais contam com reservas cada vez menores.
“Hoje estamos em uma situação muito delicada, eu diria extrema, na qual dez jornais do país já fecharam e seis que têm papel apenas até fevereiro", disse Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que ofereceu uma apresentação digital em 24 de janeiro para falar sobre o controle de conteúdo por governos.
Segundo Paolillo, também diretor do semanário uruguaio Búsqueda, o governo venezuelano dificultou intencionalmente a importação de papel-jornal e maneja o sistema de controle de câmbios do país de maneira arbitrária há meses como uma ferramenta contra veículos críticos ao governo.
Isso não parece incrível considerando a relação tensa entre o governo e a imprensa durante a crise de escassez de produtos de necessidade básica no país. Organizações de imprensa dizem que houve um incremento de 87% em casos de censura na Venezuela durante 2013. Em Outubro, o presidente Nicolás Maduro pediu sanções contra os meios, acusando-os de causar a escassez de comida ao provocar os cidadãos a estocar os bens. Similarmente, em janeiro, o parlamentar do partido de Maduro Julio Chávez negou que houvesse uma escassez de papel e disse que os periódicos estavam estocando para realizar uma “guerra econômica” contra o governo. Em outros casos, o governo disse que os meios privados estavam em conluio com a CIA em um complô para desestabilizar o país.
De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), o papel-jornal era mais fácil de obter antes de Agosto de 2012, quando foi retirado da lista de importações “prioritárias.” Agora o proceso requer 16 etapas burocráticas que podem levar meses cada uma, disse o editor de El Impulso, Juan Manuel Carmona, ao CPJ. Ele acrescentou que todos os pedidos de seu jornal por dólares americanos foram ignorados no ano passado.
Paolillo destacou que ao restringir a circulação de ideias e opiniões, por meios diretos ou indiretos, o governo venezuelano estaria atuando contra o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que promete liberdade de pensamento e expressão.
Mencionou ainda que na América Latina há uma tendência errônea de considerar estas liberdades como algo dado pelo governo às pessoas por meio da lei. “Mas raras vezes recordamos”, disse Paolillo, “que a liberdade de expressão é um direito humano, inerente a nós e anterior a qualquer Estado e a qualquer lei”.
Intencional ou não, a escassez de papel-jornal está rapidamente prejudicando a imprensa na Venezuela. Em março passado, El Zócalo informou que 95% de publicações venezuelanas foram afetadas pela escassez. Mais recentemente, CPJ afirmou que vários periódicos, incluindo El Nacional e El Impulso, correm o risco de ter de suspender operações. No ano passado, houve numerosos informes da suspensão de jornais regionais, incluindo El Sol de Maturín e Antorcha.
*A blogueira do Centro Knight Lynn Romero contribui com esta matéria.
Nota do editor: Essa história foi publicada originalmente no blog de jornalismo nas Américas do Centro Knight, o predecessor do LatAm Journalism Review.